sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19052: Notas de leitura (1104): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (53) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
A documentação avulsa constante no Arquivo Histórico do BNU é bastante parcimoniosa sobre os acontecimentos da II Guerra Mundial, aqui fica referência a um aspeto de transferência financeira que envolvia os beligerantes, na vizinhança da Guiné.

Tema quente era o fim da filial de Bolama, com a mudança de capital. O gerente Virgolino Pimenta não deixa de zurzir o seu colega de Bolama e de referir que era tempo de acabar com aquele sorvedouro de dinheiro, tratava-se de um clamoroso prejuízo. Este gerente Virgolino Pimenta é uma das figuras centrais desta documentação esparsa, é seguramente a figura mais desassombrada e de comentários mais brutais de toda a vida do BNU da Guiné.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (53)

Beja Santos

Estamos já na guerra, impõem-se esclarecimentos sobre a delicadeza de transferências financeiras que envolvem países em conflito, em 1941 a capital está formalmente transferida para Bissau, põem-se assuntos delicados relacionados com a filial de Bolama, alguns deles dignos do maior interesse.
Neste acervo avulso chama logo a atenção um ofício expedido pelo gerente Virgolino Pimenta para Lisboa, o assunto tem a ver com a filial do Banque de l’Afrique Occidentale em Dakar, informa-se o seguinte:

“Bathurst, onde o Bank of British West Africa tem uma filial, fica na Gâmbia e está encravada no território francês que tem que ser atravessado por quem lá queira ir, partindo da nossa Guiné.
Actualmente, as autoridades não deixam passar ninguém da nossa colónia para a Gâmbia ou vice-versa o que, contudo, e em caso de haver interesse no negócio, talvez se pudesse conseguir com uma intervenção nossa junto do governador do Casamansa, em Ziguinchor, ou com uma ordem da Legação Francesa em Lisboa, para a mesma autoridade
.
Em princípio, pusemos de parte a ideia de se juntarem aqui as notas do Bank of British West Africa Ltd. e levarem-se a Bathurst, por razões muito sérias e de ordem vária que resultam da situação atual.
No entanto, se V. Exas. ordenarem tal serviço, nós faremos tudo para o executar.
Como sabemos que a Nouvelle Société Comerciale Africaine tem aqui escudos da Guiné em demasia e deve precisar de libras na Gâmbia, abordámos o seu gerente que, em princípio e sem nenhum compromisso da sua parte ou da nossa, nos disse que poderia interessar-lhe o negócio nas seguintes condições:

O nosso devedor Banque de l’Afrique Occidentale depositaria as libras West Africa, em Bathurst, à ordem da Nouvelle Société Comerciale Africaine daquela cidade e a mesma aqui, mediante telegrama, entregar-nos-ia os escudos da Guiné a um câmbio acordado e para o qual precisamos elementos, pois não temos hoje base para o fixar.

Tudo depende ainda de se conhecer a importância que o Banque de l’Afrique Occidentale tem de pagar.

Nas circunstâncias actuais, não vemos aqui outra solução para o assunto a não ser que possa interessar recebermos aqui as libras e remetê-las à sede.

Dadas as dificuldades de navegação, que parecem sujeitas a agravamento, para esta colónia, parece-nos conveniente uma resposta telegráfica, caso V. Exas. encontrem interesse no assunto.”

A partir de janeiro de 1941 adensa-se a correspondência de Bissau para Lisboa referente à desativação do filial de Bolama. Logo o cadastro de clientes, com informações curiosas:

“Carlos Machado – A sua situação é muito precária e, portanto, é muito prudente não lhe conceder nenhum crédito. Quanto à sua moralidade individual, talvez seja mais seguro tê-la por “regular”; Joaquim Ribeiro da Silva – Empregado da Casa Gouveia. Confidencialmente, e até por uma confissão verbal do próprio, sabemos que se mete em negócios do seu interesse particular, servindo-se da posição que tem naquela casa. Assim, tem arranjado bom dinheiro. Pomos reserva na sua moralidade que consideramos abaixo de regular, desde que se trate de negócios.

Dada a sua função de empregado da Casa Gouveia, casa hoje, como sempre, se mantém numa posição permanente de ataque aos interesses do Banco, pensamos que só pedirá crédito em último transe, pois, como é público, dispõe dos dinheiros da casa para os seus negócios.

Manuel de Pinho Brandão – É, francamente, má a moralidade deste indivíduo e citaram-na, decerto por mero lapso, como “boa”. Só por um muito infeliz acaso não se encontra a ferros para toda a vida.”

Vale a pena insistir que o gerente Virgolino Pimenta escrevia com este desassombro seguramente porque estava autorizado, foram anos sucessivos de catilinárias e expressões desabridas, não poupava ninguém, é seguro que Lisboa apreciava o vitríolo dos seus comentários. Intervém em tudo, veja-se, com data de 24 de maio de 1938 o que escreveu para Lisboa:

“O senhor presidente da Câmara de Bolama, aquele Sr. Delicado já célebre por ter sido aqui um sócio da revolução do Béla Kun, em 1931, parece que continua aivado dos mesmos princípios de destruição dos bens e propriedades alheias que caracterizava aquela revolução para a qual forneceu matéria para bombas.

Assim, preza-se de ser um inimigo do Banco, comprazendo-se em incomodar-nos sempre que pode. Tem sido grosseiro com o nosso encarregado de Bolama, pessoa que merece consideração a todos e tem-no importunado.

Agora Sua Excelência lembrou-se de fazer uma avenida, em Bolama, devendo esta ter, num dos lados, muros e só muros.

E, para tal, tem duas soluções, tirar aos donos os terrenos onde têm caído prédios velhos e destruir os prédios que estão bons e dão rendimento aos donos. Está o nosso neste caso e o Sr. Presidente Delicado quer que o Banco o dê à Câmara ficando com uma nesga de terra de uns três metros de profundidade por detrás do seu projectado muro, certamente para ele, no futuro, arranjar qualquer novo litígio por causa desta nesga de terreno”.

Informa-se Lisboa de como se está a processar a transferência de Bolama para Bissau, Virgolino Pimenta aproveita a oportunidade para lançar uma farpa ao Encarregado de Bolama:

“Imensamente desagradável nos tem sido também registar que o Sr. Encarregado de Bolama não tem querido manter a harmonia na sua filial, principalmente com o tesoureiro que tem sido uma perfeita vítima da falta de educação e maldade do Sr. Encarregado, que o persegue ferozmente. O Sr. Encarregado de Bolama, cujo carácter já conhecemos há quase duas dezenas de anos, é odiento, com os laivos de baixa cultura que mal fixou e de educação que não deixa dúvidas quanto à sua não existência. Tem sido um elemento de indisciplina invulgar, dentro do quadro do pessoal da Guiné, e actualmente aparenta quietude porque V. Ex.ª lhe impôs. Mas não tenha V. Ex.ª dúvida, não a aceita bem e sempre que pode mostra-se grosseiro.

Agora mesmo, acabamos de conhecer que obriga o servente do Banco a ser seu criado particular. V. Ex.ª diz-nos que nota da nossa parte falta de necessária e criteriosa acção para se modificar o Sr. Baptista. Pois pode V. Ex.ª crer que, com a calma com que temos suportado tanto desrespeito, tanta indisciplina, tanta grosseria, outra coisa não temos feito senão o contrário do que V. Ex.ª supõe.
O Sr. Baptista não tem razão absolutamente nenhuma para ser connosco como é, e só o é por ódio, cuja razão desconhecemos, e por falta de educação”.

Verboso e virulento, o gerente Virgolino Pimenta agradece os encómios e louvores que lhe chegam de Lisboa, apresenta-se com uma modéstia extrema:

“Se nada nos liga nem nada nos prende, pessoalmente, nesta colónia, confessamos aqui o nosso amor por ela, e o nosso sentimento por a vermos tão mal aproveitada, sendo tão rica e tão pródiga em recursos como é.~

Com os conhecimentos que temos da praça e da colónia, com as boas relações que temos em toda a parte, não havendo uma porta que se nos feche, é fácil cumprirmos a nossa missão como V. Ex.ª. quer e nós também, que a cumpramos”.

Em 1 de maio de 1941, o gerente Pimenta informa o Sr. Governador do BNU do que se está a passar na filial de Bolama:

“O Sr. Governador deu ordem para se activar o acabamento do edifício destinado à Repartição Central dos Serviços da Fazenda e à Repartição dos Serviços de Administração Civil, pois deseja que estes serviços passem para Bissau onde ficará então a capital da colónia.

Conta-se que, dentro de uns três ou quatro meses, o máximo, tudo estará efectivado, pois até para se ocorrer às necessidades de alojamento para o pessoal está também a activar-se a construção de 12 moradias para funcionários.

Nestas circunstâncias, é altura própria para se renovar o pedido ao Governo Central, caso a nossa ideia mereça o apoio de V. Ex.ª, de se fechar a filial de Bolama de modo que terminem os enormes prejuízos que o Banco tem com ela e vão a um grande milhar de contos, nos últimos dez anos.
Em sua carta de 6 de Janeiro de 1933, já o Exmo. Sr. Presidente do Conselho Administrativo do nosso Banco escrevia ao Exmo. Sr. Secretário-geral do Ministério das Colónias que ‘… a praça de Bolama, comercialmente, não tem condições para sustentar a organização de um estabelecimento bancário, mesmo modesto que seja’.

E isto que era uma realidade absoluta há 7 anos, tornou-se ainda mais evidente hoje, pois Bolama, dia-a-dia, tem perdido o valor comercial que naquela altura, e muito justamente, se lhe negava. E, o que é pior, não se entreveem se não possibilidades de decrescer mais esse já tão ínfimo valor.
A compartilhar esta razão, encontra-se um parecer que o Sr. Governador João José Soares Zilhão prestou a Sua Excelência o Ministro das Colónias, em seu ofício de 7 de Fevereiro de 1932 àquela entidade dirigido e onde afirma: ‘O fechar da agência do banco em Bolama e a mudança de capital parecem-me factos que devem ser conexos’. E daqui se conclui que entendia que se devia então fechar Bolama, logo que a capital mudasse.

A passagem dos serviços de Bolama para aqui obriga-nos a considerar a V. Ex.ª que nos falta lugar na nossa casa-forte para os valores do Tesouro.

Este inconveniente soluciona-se facilmente, acrescentando à casa-forte actual o compartimento ao lado, onde hoje mal cabe o nosso arquivo.

Para arquivo geral daqui e do que vier de Bolama é que não vemos lugar, mas há a grande facilidade de se acrescentar ao edifício, para o lado das traseiras, uma nova e ampla sala, cuja cobertura será uma simples laje de cimento, em continuação da actual varanda do edifício, modificação esta que em nada prejudica a estética deste.

Quanto a pessoal, terá que vir para aqui o funcionário que trabalha com o serviço do Tesouro e deverá vir o tesoureiro também pois o serviço de tesouraria que já é muitíssimo em Bissau e em várias alturas do ano obriga a ter que se mandar dois e mesmo três funcionários de outras secções ajudar na tesouraria, o que tem que se fazer, por força, embora não seja muito aceitável”.

O assunto da extinção da agência de Bolama só ficará clarificado em 16 de maio de 1942, a administração do BNU envia a seguinte determinação:

“Atendendo a que a capital da colónia foi transferida para Bissau, e que resolvemos extinguir a filial de Bolama, o Conselho do Banco resolveu em sua sessão de 12 do corrente que a dependência de Bissau passasse a denominar-se filial de Bissau.

Depois de a sede ter mandado circular a extinção da filial de Bolama, poderá Bissau usar a nova denominação.

Vossas Senhorias remeterão à repartição do arquivo da nossa sede os antigos carimbos da filial de Bolama”.

Mas os trâmites administrativos da transferência irão arrastar-se por mais tempo, como se verá adiante.

(Continua)


O Arquivo Histórico do BNU tem um belo património de plantas de edifícios construídos e outros planeados. O primeiro documento refere-se a um projeto da autoria do arquiteto Fernando Schiappa de Campos para as novas instalações da sede do BNU em Bissau, Marcello Caetano, na viagem efetuada em 1969 fez o reparo de que a sede era digna mas requeria uma construção moderna, o BNU mandou proceder a estudos, a nova sede não chegou a aparecer, o mesmo se passou com o plano de construir uma delegação em Bafatá. Entanto, construíram-se moradias para funcionários do BNU, houve sempre a preocupação de ter os funcionários bem instalados.


Fotografias do que resta do Hospital Militar e Civil de Bolama, reproduzidas, com a devida vénia, do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016.
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Nota do editor

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Último poste da série de 24 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19041: Notas de leitura (1103): “Ku Mininos Di Nô Terra, Ideias para a educação pré-escolar”, trabalho coordenado por Carlos Lopes e Olívia Mendes, para o Departamento de Educação Pré-escolar, edição patrocinada pelo Ministério da Educação Nacional da Guiné-Bissau e pelo Instituto Universitário de Estudos do Desenvolvimento, Genebra, edição DEDILD – Departamento de Edição, Difusão do Livro e do Disco, Bissau; 1982 (Mário Beja Santos)

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