sábado, 29 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19054: Os nossos seres, saberes e lazeres (286): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (5): Dos jardins do Palácio de la Berbie em Albi, de novo na cidade do tijolo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Foi com pesar que se deixou Albi, ficou muito para ver e rever. No final desta série, é com muito gosto que voltarei a falar e mostrar obras desse génio chamado Henri de Toulouse-Lautrec.
E voltei a Toulouse, havia muitíssimo mais para ver, em doses comprimidas, isto para já não esquecer que a cidade é aprazível, ajardinada e embelezada pelo canal do Midi. Desta feita, vagabundeou-se até chegar à grande beleza que é o Convento dos Jacobins. A próxima surpresa em Toulouse será o regresso à Basílica de Saint-Sernin e fundamentalmente ao Museu des Augustins que guarda um repositório único de capitéis românicos, deles falaremos mais adiante.
Amanhã o passeio é até Carcassonne e depois seguem-se os Pirenéus.

Um abraço do
Mário


Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (5): 
Dos jardins do Palácio de la Berbie em Albi, de novo na cidade do tijolo

Beja Santos

Impõe-se uma confissão do viandante: por ele, não arredava pé de Albi, está deslumbrado, é um crime lesa-majestade não voltar a percorrer a Catedral de Santa Cecília, mais impressionante obra-prima do gótico meridional não existe, não houve tempo de andar pela Ponte Velha, a Colegial Saint-Salvi e o seu claustro é um conjunto excecional que vem desde o século X, enfim, teve uma barrigada de Toulouse-Lautrec e agora vê lá do alto os jardins do Palácio de la Berbie, mais poderoso contraste entre o palácio-fortaleza e o rio não podia haver, é um jardim à francesa, parece tirado da revista de modas e bordados, um primor da jardinagem, e depois olha-se à distância a Ponte Velha, com um traço de azedume, é como ver Braga por um canudo, com as greves dos comboios os turistas estão sujeitos aos horários estritos dos autocarros. É hora de regressar a Toulouse.



Adeus Catedral de Santa Cecília, castelo por fora, palácio por dentro, esta entrada recamada entre o tardo-gótico e o Renascimento é coisa nunca vista. Adeus e até ao meu regresso.


Pareciam formigas numa algraviada, formigas grisalhas, umas dirigindo-se ao parque dos autocarros de turismo, outras à procura de uma estação bem perto dos comboios. As formigas estacaram, em enlevo, a mirar a catedral iconográfica, ouviu-se um comentário em castelhano, houvera sorte com o dia, bem verdade, olhe-se para aquele azul com nuvens bem altas a emoldurar a espantosa construção cor de tijolo. E para a cidade do tijolo, Toulouse, nos voltamos. Durante alguns dias, assim será, ida e volta.


O prato forte que está apalavrado para esta manhã de Toulouse é o Convento dos Jacobins, os Jacobins, uma fundação da Ordem dos Dominicanos, em 1215. O viandante começa o dia degustando o croissant de folha estaladiça e café au lait. Tem em frente um fontanário e uma fachada de tijolo, é irresistível não guardar a imagem, mais a mais a empregada que o serviu já falou dos encantos de Lisboa, andou no elétrico 28, comeu pastéis de bacalhau no Bairro Alto, ia munida de um guia Routard, não falhou os museus mais baratos, vinha deliciada com o Museu Nacional de Arte Antiga. Eis senão quando se atravessa o Capitólio de Toulouse e dá-se com uma festa LGBT, música, pavilhões, um palco em movimento. O viandante vasculha documentação, tem a doença do papel, encontra documentação curiosa sobre violência doméstica e os programas LGBT para seniores, acompanhamento de doentes, visitas a quem sofre, etc. O aspeto mais impressivo eram aqueles jovens, desinibidos, comunicativos, festivos, um quadro de um mundo que mudou radicalmente e atirou preconceitos e tabus para o fundo dos armários.




Vindo o viandante já assarapantado com o que vira em Albi, não deixa de ser esmagador olhar em todas as direções para este gótico meridional sobre influência das ordens mendicantes. Ainda se pode perceber o que foi a igreja primitiva, retangular, edificada de 1230 a 1235 e que depois se expandiu, ergueu-se a nave, todo aquele abobadado de teto se reticulou, é deslumbrante. O viandante prometera a si mesmo voltar a Albi e estende agora a promessa a regressar a Toulouse mais não seja para se estarrecer com o que o Convento dos Jacobins nos oferece, olhem bem.



Não querendo ensinar o Padre-Nosso ao vigário, recordo que a arte gótica apareceu no século XII, no Norte de França, exprimiu-se em várias fases até chegar ao gótico-flamejante. Aquilo que se chama gótico-meridional tem a ver com os materiais e neste caso o tijolo, assim se distingue do gótico do Norte, que usava o mármore e as pedras brancas. Este convento é reconhecido mundialmente pela sua abóbada em leque, a discrição dos vitrais, os elementos decorativos no abobadado. Estes irmãos pregadores vão ter um papel importante na luta contra a fé cátara, e aparecem associados à criação da primeira universidade de Toulouse, em 1229. Este convento medieval tem requisitos únicos: luminosidade e majestade dos volumes, uma espantosa organização dos lugares de vida da comunidade, e daí o interesse em visitar o claustro, a sala do capítulo, deslumbrar-se com o campanário que é uma torre octogonal com quatro níveis, arcos mitrados, passear pelo refeitório e parar diante do túmulo de São Tomás de Aquino.




Este Doutor da Igreja terá nascido entre 1224 e 1225 e faleceu em 1274. O seu pensamento trouxe novidade e fecundidade para o estudo da teologia. Desde o século XIV que as suas relíquias atraem aqui numerosos peregrinos, o seu túmulo está colocado sobre o altar-mor da igreja e todos os anos, a 28 de janeiro, dia de S. Tomás, os Dominicanos comemoram a trasladação do seu corpo para Toulouse. Porque Tomás de Aquino era italiano, é autor de um documento fundamental para o pensamento religioso católico, a Suma Teológica. Depois de muitas peripécias, as relíquias voltaram em 1974 para o Convento dos Jacobins. O mínimo que se pode dizer é que ele está num ambiente perfeito, é incontestável.

Amanhã, o viandante volta a território consagrado pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade, Carcassone.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19035: Os nossos seres, saberes e lazeres (285): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (4): O fascinante Museu Toulouse-Lautrec (Mário Beja Santos)

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