sábado, 29 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19056: Memórias de Gabú (José Saúde) (71): Gabu em tempos de despedida. Rebentamentos de material de guerra (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

Gabu em tempos de despedida 

Rebentamentos de material de guerra 

O tempo passava por uma série de iniciativas, agora já em tempo de paz, no interior do arame farpado que impunham mestrias em princípios básicos que visavam rigorosas convenções previamente engendradas e depois levadas à prática. 

A euforia do 25 de Abril manifestava-se, em simultâneo, pelo mais recôndito lugar onde as nossas tropas lutavam nas três frentes de guerra por terras de África: Angola, Moçambique e Guiné. 

Em Gabu, Guiné, ecoava-se, igualmente, o hino da liberdade. A Revolução dos Cravos de 1974 abria novos horizontes e o pessoal no terreno da guerrilha lançava descomunais gritos de entusiásticas manifestações de plena alegria. 

A guerra havia terminado. Longe ficavam registados os dias de pavor e das atrocidades conhecidas. A morte de um camarada, ou as emboscadas nas picadas, os flagelamentos noturnos aos quartéis, ou a retirada de mais um camarada ferido em combate, enfim, um conjunto de circunstâncias entretanto sabidas que requeriam uma autoavaliação sobre os horrores de uma peleja onde se cruzavam mundos de fétidos interesses. 

Fui chamado para participar com o meu camarada Santos, furriel miliciano de minas e armadilhas, numa missão que tinha como finalidade o rebentamento de material de guerra armazenado no paiol e que necessitava o seu desfazer. 

Estudámos a tarefa ao pormenor e o respetivo local para a operação. O sítio escolhido ditava para um profundo matagal. Naquela frente existia um campo de minas demarcado por dois fios de arame farpado. Ah, lembro-me de um dia uma vaca ter entrado naquele espaço e rebentar uma mina causando-lhe a morte. 

Uma bela manhã começamos a labuta. O Santos foi-me dando dicas e o trabalho lá se protelou por uns dias. Antes, porém, todas as granadas a rebentar passou, naturalmente, por um inventário. 

Inventário atempadamente visto e revisto, sendo que os explosivos mereceram profícuos reconhecimentos e nada foi feito à toa de prazeres pessoais. Ali ninguém retirou uma simples peça para uma eventual recordação. Lembro a nossa azáfama perante tal responsabilidade. 

Cada caixa de granadas retirada do paiol obedecia a claros cumprimentos superiores. Havia ordens do capitão e qualquer explosivo detonado ficava implicitamente catalogado. 

O Santos, conhecedor do material armazenado, orientava os trabalhos e ele próprio manobrava cada granada, e respetivo detonador, com um à-vontade desmedido. A sua especialidade deu-lhe conhecimentos quanto baste para em casos de necessidade fazer uso da experiência adquirida. 

Por outro lado, eu como ranger, possuía, também, úteis conhecimentos em armamentos o que valeu a minha chamada ao serviço. Sei que foram várias as manhãs que passámos imbuídos numa luta que teve como prioridade o “queimar” as muitas caixas de granadas até então instaladas num paiol que se pretendia livre para entregar ao PAIGC no dia em que abandonássemos as instalações. 

Repare-se nas imagens que vos deixo camaradas: o local do “crime” completamente plano no início dos rebentamentos e o mesmo após alguns dias de intensos “bombardeamentos”. No final um enorme buraco onde uma Berliet, por exemplo, se afundaria sem lei nem roque. 

Coisas fidedignas de Gabu mas em tempo de “arrumar as botas” e dizer o definitivo adeus a uma guerrilha que antes nos fora severa. 

Ficam as reproduções recolhidas e a melancolia de uma guerra que ainda hoje mexe com os nossos egos. 



Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 



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