quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19009: Memórias de Gabú (José Saúde) (70): As minhas memórias de Gabu: Memórias de um povo. Etnias na Guiné-Bissau. (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

Memórias de um povo 
Etnias na Guiné-Bissau 

Aguçando as inócuas “armas ligeiras” que intencionadamente direciono para a minha simplória cândida consciência onde a saudade nos envia para imaculadas recordações, viajo pela interioridade ética de uma Guiné e revejo instantes áureos que nos remetem para a proliferação de etnias ali existentes. 

A curiosidade, sendo ela vocacionada para uma eficaz aquisição de literais saberes em toda a sua amplitude, leva-me a ultrapassar barreiras, procurar fidedignas informações em ferramentas por ora facultadas pelas novas tecnologias e debitar algumas narrativas coincidentes com a razão de o ser de um povo pelo qual outrora mantive uma relação de proximidade. 

Claro que os tempos eram outros e substancialmente duros de roer. A guerra impunha respeito e medo. A população civil encaminhava-se porém para um inevitável contacto com a tropa branca. Humildemente interessava-lhes, como era fácil entender. Neste contexto, foi num mesclado cenário de horrores que se consumiram as muitas comissões militares que fizeram do solo guineense um território de pavor e de fatídicas memórias. 

Vamos ao tema que por ora aqui nos acompanha: 

Os guineenses, na sua esmagadora composição, são de raça negra e originários de cerca de 40 etnias. Um verdadeiro mosaico de povos e culturas ancestrais. Neste argumento de lembranças sobre um território que nos foi familiar aquando da nossa presença militar naquela terra de além-mar, ouso deixar descrito nesta panóplia de pequenos textos que amiúde aqui trago à estampa, o conteúdo factual de uma população multirracial e que soube conviver entre as duas frentes de guerra. 

Não me alongando no tema porque certamente haverá muito para dizer, revivamos, sim, os rigorosos agrupamentos étnicos existentes na Guiné-Bissau: 

1 - Paleossudaneses e outros povos 

Grupo litoral: Balantas (Balantas Manés, Cunantes e Nagas); Djolas (Baiotes e Felupes); Banhuns, Cassangas e Cobianas; Brames, Majancos e Papéis; Bijagós, Biafadas, Nalus, Bagas e Landumãs. 

Grupo Interior: Pajadincas (Bajarancas) e Fandas. 

2 - Neo-Sudaneses

Grupo Mandinga: Mandingas, Seraculés, Bambarãs, Jacancas, Sossos e Jaloncos. 

Grupo fula: Fulas forros (fulacundas), Fulas pretos, Futajoloncas (boencas, futa-fulas e futa-fulas pretos) e Torancas (futancas ou tocurores). 

Nesta amostragem exposta, observa-se que os grupos mais importantes são os Balantas (30% da população); Fulas (20%); Maníacas (14%); Mandingas (13%) e os Papéis (7%) (dados de 1996). 

No litoral predominam os Balantas que cultivam arroz e gado bovino. Os Bijagós, que habitam no arquipélago com o mesmo nome e formam uma sociedade matriarcal. O Interior é ocupado pelos Fulas que são nómadas, dedicam-se à criação de gado e à agricultura itinerante. 

Os cultos tradicionais são predominantes (45,2%), seguindo-se os islâmicos (39,9% e os cristãos (13,2%, sendo os católicos 11,6%, outros 3,8%, dupla filiação 2,2%). O número dos que se afirmam sem religião ou ateus é mínimo (1,6%) (dados retirados em sensos de 2000). 

Neste deambular de uma indeterminada caminhada que já vai longa, é perfeitamente aceitável que entrosemos no nosso blogue uma substância adquirida pelas muitas investigações feitas a um País que tento pesquisar em todas as suas fronteiras. 

Tanto mais que existem em mim reminiscências numa guerra onde fui, aliás, fomos apenas simples atores forçados. 

Com a “mala de cartão” arrumada, transportarei, um dia, na irreversível viagem sem regresso um oceano de fétidas imagens que tocam no coração do mais despretensioso camarada. 

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

23 DE JULHO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18866: Memórias de Gabú (José Saúde) (69): Pássaros que esvoaçavam os céus da Guiné. Abutres. (José Saúde) 

4 comentários:

Cherno Baldé disse...

Caro José Saude,

Para ser breve, digo rapidamente que o texto eh muito bom, mas parece que as fontes e os dados estatisticos, sao um pouco antigos e alguns conceitos, também. Como contribuiçao, aqui deixo umas pequenas notas de observaçao critica.

1. Sobre o conceito "raças", do ponto do vista cientifico, soh existe uma raça, a Humana. A corrente do racismo biologico foi abandonada, para desespero dos racistas de "tout bord" e contentamento dos homens de bem.


2. Na Guiné, nao existe o grupo Bambara (Guineense) como tal, mas de algumas familias emigrantes da Republica do Mali (poucas) que veem para trabalhos/actividades sazonais de curta duraçao, sobretudo na area da pesca artesanal.


3. Djaloncas nao é propriamente um grupo etnico, mas o conjunto de etnias que os Fulas encontraram na actual regiao de Futa-Djalon e com os quais foram obrigados a coabitar depois de algumas guerras de conquista e/ou de resistencia, entre os quais se contam os Sossos, Landumas, Basaras, Bagas etc.


4. Fulacundas e Moricundas sao expressoes mandingas para designar as antigas Povoaçoes ou Bairros de Fulas e de Mandingas no antigo reino de Gaabu. O nome Fulacunda engloba os Fulas-Forros e os Fulas-Pretos que formavam, antes da colonizacao) um unico grupo etnico onde os primeiros eram os homens livres (Senhores) e os segundos os dependentes ou (Servos dentro de um sistema Feudal). Os Europeus, para garantir a sua dominacao, decidiram acabar com o Sistema de dependencia feudal, dividindo o grupo em dois segmentos a fim de os instigar um contra o outro e garantir tranquilamente a sua hegemonia sobre todos.



Com um abraço amigo,

Cherno AB

Anónimo disse...

PS: O conceito de "Povo nomada" aplicado aos Fulas, também, deve ser revisto por nao corresponder a realidade actual. Nos tempos actuais, muita coisa ja nao é o que era no sec. XIX. O primeiro aspecto a considerar sao as fronteiras (artificiais) criadas pela colonizacao, pelo que, ha muito que nao se podia praticar uma economia itinerante.

Depois, temos os factores ligados a evolucao demografica e a globalizacao que alterou profundamente os modos de vida, de produçao e de subsistencia das populaçoes. Hoje a economia da Guine depende da ocupaçao de grandes espaços e a plantaçao de cajueiros, o que torna inviavel a pratica da pastoricia itinerante.


Cherno AB.

Anónimo disse...

Caro Cherno

Obrigado pela tua análise. Como sabes eu continuo eternamente fã de uma Guiné que tive a oportunidade de conhecer em tempo de guerra e de paz. Deixo, portanto, narrativa de um povo com o qual convivi e que ainda hoje relembro com saudade. Não é por acaso que, a espaços, procuro mergulhar nos seus princípios básicos e sobretudo étnicos. As suas gentes, não obstante as suas origens genéticas, merecem-me um profundo respeito. Reconheço que não é fácil trazer à estampa realidades outrora conhecidas.

Procurei documentar-me sobre o conteúdo genérico do "mar" de etnias que proliferam na Guiné-Bissau. Vasculhei o tema em circunstâncias tecnológicas da última geração. Arrisquei. Concordo plenamente contigo sobre a questão do pormenor. Tu está muito mais apto para minuciosamente tratares da temática.

Porém, fica explícita a minha audácia. Valeu, e valerá, sempre a pena trazer o povo guineense à ribalta.

Um abraço,

José Saúde

Valdemar Silva disse...

Viva Zé Saúde.
O primeiro parágrafo deste 'Memórias de um Povo' nem parece escrito por um alentejano da Aldeia Nova de S. Bento.
É um facto que está escrito em português, mas de certeza que o compadre Zé Justino diria: porra, vossemecê o que está dezendo?
E até me lembrei daquela: Qual é o valor da transação comercial desses crustáceos que jazem dentro desse recipiente de vime? Perguntou um freguês a uma vendedeira de camarões.

Um abraço e venham mais escrituras.
Valdemar Queiroz