sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19013: Facebook...ando (48): os poemas amargos do 'alfero' Cabral


O Jorge Cabral, professor de direito penal... "A querida Alma Paula Torgal, mandou-me esta foto, com a legenda 'Almoço no Mitelo' [, sede do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa]. Muito Obrigado"...

Foto (e legenda) da página do Facebook do Jorge Almeida Cabral [, reproduzida aqui, com a devida vénia...]


1. Tem andado muito calado, o "alfero" Cabral... Pelo menos, na Tabanca Grande... Fomos espreitar a sua página do Facebook...onde tem 4530 amigos (230 em comum)...  (Há muita solidão no Facebook, mesmo quando temos multidões de amigos virtuais, tão solitários como nós... Há o risco de morrermos de solidão na "world wide web"... É um palco demasiado grande para um homem só. Ou uma mulher só. )

Tomei boa nota do seu lamento, do passado dia 11:

 "Às vezes arrependo-me de ter passado tantos anos no Ensino. Mal pago, com aulas de manhã, à tarde e à noite... Mas com tantas manifestações de Amizade, Carinho e Gratidão, logo me arrependo de me ter arrependido. Sim, valeu a pena!"... 

E logo a seguir, deparo com alguns curtos poemas que ele tem vindo a publicar, e que terão sido escritos na Guiné, em 1969, 1970 e 1971, entre Fá Fandinga, Missirá e Bambadinca...  Entre eles "O Aniversário" (... que "é de quando fiz 25 anos")...
Apeteceu-me, de imediato, reproduzi-los aqui,  mesmo correndo o risco de ele ficar zangado comigo ( "é um problema meu, mas nunca me zanguei com o 'alfero' Cabral"). 

Modji Daaba

Modji Daaba, Modji Daaba no meu lençol.
Fecha o seu corpo
Como Flor,
Que teme o Sol.
Com pena e dó,
Não dá. Empresta.
E, desta noite,
Nada me resta.
Estou só.

9/9/2018


Sala de Operações

Néscio, burro, o Major aponta
Na Carta, a linha de água
(Que é um largo rio).  
Faço de conta
E, gozando, mascaro a minha mágoa.
Claro que sim, meu Major,
Golpe de pé, golpe de mão,
De Badora ao Cuor,
E penso (que cabrão!...)
O Major planeia a promoção.
Eu nada planeio. Adio a Vida
Até poder dizer que não,
Quando não for, a Esperança proibida.

8/9/2018



Aniversário

Vinte e cinco ou mil, conto pelos dedos,
Os anos que vivi, eu não sonhei
Este tempo de angústia e de medos
Que soletro e nunca sei
Que Guerra é esta , onde não estou. 

Que rio aquele? Não cheira a Tejo.
Que combate? Combato, mas não sou
E quando olho o espelho, não me vejo,
Aqui em Missirá, escravo e senhor,
Invento-me. E guarda-prisioneiro.
Bebo, fingindo em Alegria, a Dor.
Hoje faço anos... e continuo inteiro.

7/9/2018


Mina

Uma Mina em Sancorlá.
Segundos? Um minuto?
O Tempo desta Morte,
Meio corpo evaporado,
Só resiste o olhar.
Quem a terá pisado?
Fui eu que tive sorte
Ou ele que teve azar?
Depois chorar
E para sempre o Luto.


7/9/2018


Histórias de Amor e Desamor

Há amores que duram vidas, outros meses, outros anos...
Este durou 3 minutos..
Foi em Maio, no Rossio,
eu vi levitar uma rapariga de cabelo azul
e fiquei apaixonado.
Nunca mais a vi, mas fui à Esquadra,
participar o seu desaparecimento.
Durante anos frequentei a Esquadra,
à espera de notícias e nada..
Tornei-me amigo dos Polícias, principalmente do Panças...
Um dia disseram-me que o Panças estava no Hospital muito mal.
Fui visitá-lo, estava a morrer, já não falava.
Mas escreveu num papel:
"Eu também vi a rapariga de cabelo azul a levitar no Rossio"...

7/9/2018

[Seleção, revisão, fixação de texto: LG]
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Nota do editor:

1 comentário:

Juvenal Amado disse...

Em boa hora descortinaste estes poemas Luís
Ao nosso camarada Cabral um obrigado e um abraço