sábado, 22 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19035: Os nossos seres, saberes e lazeres (285): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (4): O fascinante Museu Toulouse-Lautrec (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 5 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Sempre que visito em Bruxelas o Museu de Ixelles não deixo de visitar a magnífica coleção de cartazes de Toulouse-Lautrec, esse artista genial que vivia fascinado pelo mundo da noite, pela atmosfera de Montmartre, pela atmosfera dos prostíbulos, pelas casas de diversão, que imortalizou.
O albigense aleijado tem em Albi um museu excecional, ali estão as suas obras da juventude, os cavalos e cenas de caça, as feiras e os circos, os cafés e os dançarinos, os velódromos, as competições desportivas, a estúrdia e a pândega, apontamentos iluminados da Belle Époque, Toulouse-Lautrec é um caso ímpar de obsessão por elevar às alturas os marginais de uma sociedade burguesa prospérrima, a França colonial está no auge.

Um abraço do
Mário


Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (4): 
O fascinante Museu Toulouse-Lautrec

Beja Santos

Para chegar até ao museu Toulouse-Lautrec é preciso entrar no Palácio de la Berbie, construído nos séculos XIII a XVIII, antigo palácio episcopal, caraterizado por uma arquitetura militar original, com uma extraordinária altura e espessura de paredes. É em La Berbie que se abriga a mais importante coleção à escala mundial das obras do pintor albigense Henri de Toulouse-Lautrec, mais de mil peças. E há outras maravilhas no palácio que são os terraços e os jardins, verão como são deslumbrantes.


Parecia uma criança risonha e saudável, uma doença óssea deixou-o deformado, as pernas curtas, media cerca de 1,50 metros de altura. Teve uma infância invejável, este filho do Conde Alphonse de Toulouse-Lautrec-Monfa, herdeiro de heroicos guerreiros e senhores do Languedoc. Tinha nove anos quando a família se transferiu para Paris, começa a fazer esboços, os acidentes que sofreu nas suas pernas levam-no a empunhar o lápis com decisão e a manejar o pincel com desenvoltura. Em adolescente, é um estudante desinteressado, ocupa-se com cada vez mais intensidade da atividade gráfica e pictórica. Entremos no Palácio Episcopal. É assombroso.




O Arcebispo que mandou construir este palácio-fortaleza devia temer pela vida, mas o mais surpreendente de tudo é como é que estas grandiosas paredes e muralhas puderam albergar um palácio cheio de delicadezas, como o visitante pode observar, há vestígios artísticos de altíssima qualidade. Mas o viandante o que pretendia era chegar o mais rapidamente possível à companhia de um dos mais notáveis pintores franceses do século XIX que trocou Albi por Montmartre.


Um dos pontos de atração do jovem Toulouse-Lautrec eram os estudos militares e os cavalos. Um estudioso da sua obra irá escrever que as suas mãos parecem ter recolhido a vitalidade que as pernas perderam, em traços ágeis e vigorosos, irá reproduzir parelhas de cavalos, cabriolés, caçadores montados, figuras imbuídas de movimento interno.


Toulouse-Lautrec parecia dominado pela obsessão de pintar seres humanos no seu ambiente, em poses naturais. É o caso do retrato do Doutor Gabriel Tapié de Céleryan, seu familiar pelo lado da mãe. O Doutor move-se pensativo num ambiente que parece festivo, a tela ganha altura graças ao recurso do contraste entre o vermelho e o preto, ele aparece bem recortado num ambiente praticamente difuso, uma mera decoração.



Tendo tido uma formação académica, Toulouse-Lautrec irá percorrer um caminho bem pessoal na interpretação da realidade. Tem 22 anos quando faz amizade com Van Gogh, têm olhares distintos, Van Gogh quer retratar uma humanidade perpassada pela tragédia, Lautrec só pretende compreender a realidade, testemunhá-la, leva uma vida pandega, gosta de fantasiar-se com trajes exóticos e começa a escandalizar quando pinta prostitutas para ilustrar as canções irreverentes de um amigo que imortalizou, Aristides Bruant. Estas mulheres que se vestem e despem são sempre vistas com ternura e delicadeza.


Lautrec aprecia a estúrdia, em Montmartre frequenta cabarés, bares, teatros e prostíbulos, passa a ser conhecido nos centros de diversões, sobretudo no Moulin de la Galette, gosta de retratar a agilidade das bailarinas. Veja-se este quadro intitulado “Chocolat dançando no bar de Achille”, desenho a lápis azul e preto


Enquanto por ali deambula, o viandante sente-se atraído por elementos decorativos do palácio, gostou muito desta escultura tipicamente Arte Nova, é um símbolo de uma intensa alegria de viver que parece sair de uma concha, faz bem captar a imagem de um elemento escultórico tão belo, na envolvência da humanidade, da feira, dos circos e dos bordéis deste genial pintor albigense.



Toulouse-Lautrec, dizem os seus estudiosos, revelou a sua genialidade nos cartazes, foi um gráfico absolutamente inovador, parecia dominar os segredos da publicidade, sabia chocar o espectador. Mas os seus retratos são igualmente encantadores e eram muito apreciados pelos impressionistas. Gostava muito da luz artificial, dos ambientes fechados, parecia que esta atmosfera fazia sobressair rostos de pessoas vivas. Não apreciava igualmente a suavidade das sombras, não estilizava a beleza, parecia sentir-se dominado pelos predicados do espírito, e daí esta espantosa imagem de humanidade que dá bailarinos, as meninas das revistas, as prostitutas, realizações à beira da caricatura, retratos despojados de quem vivia obcecado pelo palco e pelo mundo do teatro.


O viandante despede-se, contrafeito, do Palácio de la Berbie, sai um tanto amachucado pela pressão do tempo, é impossível não voltar, ou sonhar pelo regresso, logo que possível. E perto da saída, este teto assombroso, quem viu a fortaleza de fora não imagina os requintes e subtilezas do seu interior. Vamos agora aproveitar a luz de Albi, e depois regressar a Toulouse, a próxima jornada é Carcassonne.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19016: Os nossos seres, saberes e lazeres (284): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (3) (Mário Beja Santos)

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