quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19029: Estórias do Juvenal Amado (62): O Vilela, num conto com bolinha vermelha

Alcobaça vista do Castelo


1. Em mensagem de 17 de Setembro de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos mais uma das suas estórias, esta a do Vilela.


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO

62 - O VILELA - NUM CONTO COM BOLINHA VERMELHA

O Vilela era o rapaz do nosso grupo, amigo das paródias, dos matraquilhos dos bailaricos. Adorava anis escarchado e um dia, pregamos-lhe um piela em minha casa. O problema foi quando o foi preciso leva-lo a casa pois tinhas as pernas que pareciam gelatina e não se punha em pé de maneira nenhuma. Quando finalmente o conseguimos levar, a mãe só faltou bater-nos para além dos nomes que nos chamou.

Aprendiz de alfaiate, viu-se impedido de acompanhar os pais que se mudaram para a América, uma vez que estava na idade militar, e assim despediu-se da mãe chorosa e do pai emocionado, porque os homens que eram homens não choravam, e por cá ficou, não sei se me recordo bem mas tenho ideia de que assentou arraiais em casa de familiar próximo.

A partir daí o herói deu-se a ares de magnata e nunca mais parou de exibir belos fatos com colete a condizer, sobretudos e botas que se usavam naquele tempo, à moda dos Beatles. Quem daquele tempo não se lembra das cobiçadas botas com bocadinho de cano e biqueira muito fina, que ficavam a matar com as calças à boca-de-sino. Era rara a semana que não aparecia com uma “encadernação” nova.

Eu, os Pedrosas, o Rego, o Joaquim e José António, todos os dias tínhamos ponto de encontro no café Portugal, onde ele sobressaía mais parecendo o Al Capone e nós os acólitos, mas ele era cómico e nós riamo-nos com as coisas que fazia e dizia.

Está claro que deixou de trabalhar e o dinheiro era como quem abana a árvore das patacas, não parava de chover, porque aos seus pedidos os pais talvez com peso na consciência por o cá ter deixado, abriam os cordões à bolsa no vão intento de que a sangria parasse, que a tropa o viesse buscar rapidamente e desse um fim ao calvário porque passavam, afastados do seu menino que custava os olhos da cara e muitas horas extraordinárias nos empregos que arranjaram lá nos states.

Por cá o Vilela acabou por se indispor com o familiar onde se hospedara e, como os dólares pingavam sempre, hospedou-se nos Corações Unidos, a melhor pensão de Alcobaça, por onde passava toda a gente que era gente, que visitava a linda vila, desde industriais e artistas, músicos e até engates de caixeiros viajantes.

O Vilela estava na maior. Passava dos pedidos de roupas para um anel visto numa ourivesaria, ou para uns óculos Ray-Ban que lhe trouxeram da base americana das Lajes nos Açores, é que lhe faziam muita falta porque cá havia muito Sol. Pudera era só escrever a pedir à mãe, que lá vinham os benditos dólares que não tardou a queixar-se sem grandes resultados.

Assim o grupo de amigos acabava por olhar para a situação com algum misto de incredulidade e não foram poucas as vezes que lhe dissemos que talvez devesse parar com aquilo. Nada feito, dos gastos com roupa e sapatos passou ao gosto desenfreado pelos jogos de alcova, tornando-se assíduo em certo estúdio de fotografia, que o dono transformava em bordel algumas noites por semana. Ora o nosso Vilela parecia um catraio numa loja de doces e passou a assediar o proprietário para que arranjasse mais “meninas”. Vivia num frenesim, o seu aspecto cuidado passou a apresentar algum desleixo, bem como um ar cansado e a rarear nos convívios com o grupo.

Uma bela noite o Rego bateu-me à porta com um ar suspeito a pedir-me para ir com ele, pois o Vilela precisava de ajuda. Lá vou eu direito ao estúdio de fotografia, e ao fundo das escadas lá estava o bom do Vilela embrulhado num lençol com um ar meio esgazeado. Assim que vi o que aconteceu, fui buscar um táxi, e ala para o hospital que se faz tarde.

Quando o enfermeiro lhe retirou o lençol mais o papel higiénico do corte que tinha na glande, foi um mar de sangue. Dizia o enfermeiro Torres que nunca tinha visto uma gaita tão escangalhada e perguntava como tinha acontecido aquilo. Ele contou que se tinha cortado a fazer sexo num cabelo, que estava atravessado à entrada e não vale a pena pôr mais na escrita, pois para bom entendedor meia palavra basta.

Está claro que aquilo foi motivo de muito riso e para mais como é que o Vilela ia estar quieto sem pensar em nada que o fizesse arrebitar, quando ele se tinha transformado viciado em sexo.

Entretanto curou-se e voltou ao mesmo, mas afastou-se de nós que não tínhamos capacidade de o acompanhar em tonteira nem financeiramente.

Finalmente foi para a tropa como nós todos e eu terei sido o último. Mobilizados uns para cada lado, eu e os irmãos José e Joaquim António fomos para a Guiné, um dos Pedrosa foi para Timor e o Luís Pedrosa foi Operações Especiais em Moçambique, o Rego ficou cá como amparo de mãe, o nosso Vilela não faço a menor ideia, mas penso que acabado que foi o seu serviço militar, deve ter ido para a América ter com os pais e nunca mais o vi.

No regresso encontrei os irmãos, soube que o Pedrosa se tinha suicidado em Timor, o Luís contraiu um vírus, que se veio a revelar uma poliomielite infantil tardia, ficando coxo até à sua morte.

Felizmente fui ao casamento do Rego e do José António, que continuam de boa saúde pois têm perguntado por mim aos meus irmãos.

O Vilela é uma recordação que me faz recuar aos tempos de alguma irresponsabilidade e loucura, que cá continuam bem num cantinho e que de vez enquanto acordam misturados com a saudade daqueles tempos, agora que vamos adiantados nos “entas”.

O Vilela nunca lerá esta estória mas se ler, lembrar-se-á e deve dar uma gargalhada, embora eu tenha ficcionado o nome, vai-se reconhecer de certo nela.

Uma abraço
Juvenal Amado

____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18912: Estórias do Juvenal Amado (61): Um pouco de todos nós - "Difícil foi libertar-me do abraço", por Carlos Paz

10 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Parabéns ao nosso contista Juvenal Amado. Ele é dos nossos camaradas, exímios no conto. O Jorge Cabral na "short story", no micro-conto; o Zé Ferreeira nas hístórias picarescas e brejeiras; o Alberto Branquinho, o Zé Saúde... e muitos mais. Não querem esquecer nem discriminar ninguém...

O nosso blogue tem um "seminário" (viveiro) de vocações literárias, tardias!

Juvenal Amado disse...

Por falar do Alberto Branquinho encontrei o livro dele "Cambança Guiné morte e vida na maré baixa".
Vou estar atento a um que convívio ele esteja para lhe pedir um autógrafo.

Um abraço

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Bolinha vermelha, Juvenal ? Para quê, para quem ?

Somos de uma geração em que o sexo era tabu, não se falava na escola, muito menos na catequese e em casa... Sabíamos, logo de pequeninos, que os bebés, os nossos irmãos, vinham de França no bico da cegonha...

Quando as hormonas anunciavam a chegada da puberdade, e estávmos, anatomica e fisiologicamente, aptos para procriar (, ou não fossemos animaizinhos, da ordem dos Primatas...), a coisa mais natural do mundo era interessar-nos pelo sexo, dos machos e das fêmeas...Os mais velhos eram, naturalmente, os nossos "professores"... E havia lições teóricas e práticas...

Bolinha vermelha, censura, pudor, vergonha ?... Não havia mais hipocrisia social do que no meu/teu/nosso tempo... Não havia industrial que se prezasse que não tivesse amantes, muitas vezes, antigas operárias, que eram colocadas a bom recato, a 20 ou 40 km de distância da terra... Lembro-me de uma vizinha minha,q ue era de Alenquer, que o velho Hipólito de Torres Vedras põs-lhe casa na Lourinhã...

Havia casas de passe (legalmente, até 1963)... As "casas das mariquinhas" também eram ambulantes e andavam de feira em feira...

Porra, nem o Salazar, que era solteiro, morreu virgem!

Já há 24 séculos atrás, o médico grego Hipócrates tinha um aforismo que depois chegou até nós, e que todos os médicos, durante séculos, sabiam de cor (, eram obrigados a saber grego e latim): "Naturalia non sont turpia" (o qué não é natural não é feio, não envergonha)...

A nossa cultura judaico-cristão é que "inventou" o pecado de Adão e Eva...

Grande "artista", o teu Vilela!... Desencanta lá mais uns "cromos" do teu tempo de menino e moço em terra de monges!... Ah!, se as pedras do mosteiro falassem!...

Anónimo disse...

Oh Juvenal, já agora uma curiosidade.
O que aconteceu à tal 'coisa' do Vilela?

Todos já sabem o significado de coisa, coisar, etc....

Gostei da história, mas o Luís manda cá uma lição de 'moral' que nem sabemos o que está certo ou errado!

Abraço a ambos,
Virgilio Teixeira



Tabanca Grande Luís Graça disse...

Virgíio, o Juvenal conhece-me há muitos anos, e tem sentido de humor... Claro que o recado sobre a "bolinha vermelha" não é para ele... E depois todos sabemos que este blogue não é para "meninos de coro", mas de "coiro"...Um abraço para os dois...

Para o meu vzinho Juvenal, aproveito para lembrar que começa hoje o Festival TODOS 2018, às 19h, na freguesia de São Vicente... Prolonga-se até 23 (d0mingo)... A NÃO PERDER!...

Tens aqui o programa, em pdf:

http://todos2015.keyprime.pt//assets/stores/1224/userfiles/desdobra%CC%81vel%20_%20TODOS%202018.pdf

antonio graça de abreu disse...

Um corte na glande, a gaita escangalhada...
Não percebi lá muito bem. Devias ter desenvolvido o tema,dar mais pormenores.Um esquentamento à antiga? Uma dentada certeira da formosa dama de ocasião no bacamarte do Vilela? Uma navalhada à falsa-fé?
Mas gostei da história. Hasteia a bandeira com a bolinha vermelha e conta mais da região de Alcobaça, com enxames de monges de Cister, mocetonas valentes e muita fruta.
Abraço,

António Graça de Abreu

Juvenal Amado disse...

Graça Abreu
eu tive o maior cuidado em descrever o que aconteceu de forma mais ligth e evitar que fosse muito escabroso o relato.
Mas tu és do caraças e não ficaste satisfeito. Vieste com a artilharia pesada como o que eu lá escrevi não fosse bastante elucidativo para o efeito que se tratava.
Graça Abreu nas casernas o vernáculo era até pior mas eu já deixei a caserna há muitos anos e agora limito-me ao que penso ser aceitável neste local que também é lido por mulheres.

Duvidas da estória, mas mesmo assim gostaste e isso é que importa.

Um abraço

daniel salgueira disse...

Bravo Juvenal Amado,..bem explanado,..só o António Abreu não entendeu do cabelo na entrada
Abraço a todos
do Vosso Ex Aspirante das Panhards ,do Esquardão 3432 e 8470 de Bula...73/74
de Alfaiates-Sabugal,casado há 43 anos na Ericeira e vivendo em Elvas há 38,com passagens por Lisboa até 1990..daí para cá sempre Elvas

Anónimo disse...

Bem, eu penso que já percebi a história, ou estória, mas concordo, que apesar de estas conversas não serem para meninos de coro, eu tenho sempre o cuidado de 'refrear' as palavras, neste blogue, visto e revisto por toda a gente, incluindo mulheres e sei lá, crianças também.
Mas a forma e os cuidados colocados pelo Juvenal, dei para entender tudo.
Continuamos sem saber o que aconteceu à 'Gaita'?

Um abraço,
Virgilio Teixeira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O nosso blogue é DE e PARA os "camaradas" da Guiné, leia-se ex-combatentes... que, naturalmente, também esposas (e esposos, no caso das enfermeiras-paraquedistas, as únicas mulheres que foram nossas camaradas de armas...) e filhos e netos e até bisnetos...

Temos "regras de convívio", que são essencialmente ditadas pelo "bom gosto e bom senso"... Agora, é inevitável falar do "coiso" e do "coisar"... e de outras situações brejeiras, que nos aconteceram... Tudo tem,porém, "conta, peso e medida"... Não quero que apareça ninguém a acusar-nos de "pornografia" só por publicarmos etnofotografias de há 50 anos de bajudas "sem corpinho" (sutiã, que era coisa que elas não usavam, mas que "adoravam", que o diga o "alfero Cabral" que trouxe, das férias, um "carregamento de corpinhos" para as suas dezenas e dezenas de bajudas de Fá Mandinga)...