quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19028: Historiografia da presença portuguesa em África (131): Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (3) (Mário Beja Santos)

Habitação em Bolama, com configuração em L, destaca-se pela composição da fachada com grelhas de ventilação para o interior da habitação, fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Reconheça-se a originalidade da iniciativa do Governador Oliveira Duque em querer uma caraterização da colónia, em moldes de uma pacificação que começava a garantir, na Guiné continental, a possibilidade de uma livre circulação e implementação administrativa.
Estabilidade política não era completa, no mesmo ano em que o Tenente Barbosa redige o seu relatório em Mansabá do Oio. Teixeira Pinto e os irregulares de Abdul Injai investem brutalmente contra os Papéis insubmissos, mas com clamoroso resultado.
Vou continuar a pesquisar se existem nos Reservados da Sociedade de Geografia documentos congéneres. Sob forma de livro, o Administrador de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, publicou o seu, muitíssimo interessante, por sinal.
Dele falaremos aqui, em breve.

Um abraço do
Mário


Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (3)

Beja Santos

Na continuação às respostas dadas, de acordo com uma circular difundida pelo Governador Oliveira Duque, em agosto de 1914, o Comandante Militar do Oio, incontestavelmente, esforçou-se por responder cabalmente a todos os requisitos, já falou de religião, de práticas mortuárias, do tratamento da mulher, do respeito pelos velhos, das etnias existentes naquele amplo espaço do Oio, entra agora concretamente nas atividades da pequena indústria, fala em sapateiros, alfaiates, ferreiros, carpinteiros, tecelões de panos de banda, dizendo que tudo é rudimentar. Os sapateiros, para além de fabricarem sandálias e alpercatas, também fabricam bainhas de espadas. O ferreiro faz a cela mandinga, o carpinteiro faz canoas, bancos em forma de ampulheta e algumas camas, tudo, porém, muito tosco. Recorda que o tecelão produz panos de banda que correm no mercado como moeda.

Inflete agora para o tipo de povoamento e habitação. É uma certa organização das moranças que leva à constituição da tabanca, as casas dentro da tabanca estão organizadas por famílias, separam-se por tecido de bambu silvestre. As paredes das casas dos Soninqués são feitas de um tecido construído com fasquias também de bambu silvestre. As casas dos Fulas são de dois tipos: umas iguais às dos Soninqués e outras são feitas de folhas de sibe.

Quanto a desporto, equitação e jogos, é respondido que os Oincas são ótimos cavaleiros, que também praticam às vezes a luta corpo a corpo no fim dos batuques e que a dança é apenas usada no batuque e que o canto é monótono. Usam alguns instrumentos musicais rudimentares, sendo o mais importante e melodioso o cabaço grande, korá em língua mandinga. Estes instrumentos são usados especialmente pelos emigrados do chão francês que se estabeleceram na Guiné Portuguesa.

No que toca à instrução, diz que os Oincas e os Fulas não dão qualquer instrução às crianças. Os mouros têm um ensino doméstico que consiste no ensino do Alcorão.

O relatório irá expender mais largas considerações no que toca à agricultura e alimentação. A alimentação baseia-se no milho e arroz, mas empregam-se também vários legumes tais como o feijão, a abóbora, a mandioca, a batata-doce, a mancarra, e usam-se muitos frutos como a banana e a papaia.

Falando de bebidas, o Tenente Barbosa diz que só o mouro não bebe, bebe-se acima de tudo vinho de palma e quem tem posses e vai ao comércio compra aguardente. O Fula, que noutras regiões não bebe bebidas alcoólicas, abusa aqui extraordinariamente do vinho de palma. E fala das práticas agrícolas dizendo que os homens cultivam o milho, a mancarra e algum algodão, enquanto as mulheres cultivam arroz e tratam dos quintais onde plantam e semeiam mandioca, batata-doce, baguiche, jagatu, canja, tomate, entre outros. Comenta que há na região abundância de borracha e cera e algum marfim proveniente do hipopótamo, chamado cavalo do rio. A extração da borracha é feita praticando vários golpes no caule da planta, sendo o látex regado com água salgada para a sua gelatinização. Passadas algumas horas, é recolhida a borracha e é assim que é vendida ao comércio. Infelizmente, esta produção atualmente quase não tem procura.

A cera é rudimentarmente preparada. Uns apenas extraem o mel dos favos, empastando a cera, que vendem assim (cera bruta), outros fervem-na para a limpar um pouco, empastando-a depois para a vender. Há na região grandes quantidades de palmeiras e portanto bastante caroço que chega por vezes a ter bom preço no comércio. A colheita nada tem de especial. No Oio não há cacau, café nem tabaco, parecendo que estas espécies aqui se poderiam dar bem nalguns pontos da região. Seria da máxima conveniência fazer um ensaio de cultura destas plantas.

Quanto às ferramentas e utensílios, destaca as enxadas, os sachos e os machados. Discreteando sobre as épocas das diferentes fases das culturas, informa que as sementeiras, em geral, são feitas após as primeiras chuvas (junho e julho). O milho grosso é o que se produz em menos tempo, colhendo-se por isso, em média, no mês de setembro. O milho meio grosso colhe-se em princípios de outubro e o milho mendo no fim do mesmo mês. A mancarra é colhida no mês de novembro e princípio de dezembro. O arroz é transplantado quando as chuvas têm inundado o terreno a ele destinado (mês de agosto) e é colhido em outubro e novembro. A mandioca, batata-doce e outras culturas de quintal têm quase todas a mesma época de cultura.

Referindo-se aos utensílios de uso doméstico, observa que há potes e panelas de barro, que são raras as panelas de ferro, como são raras as chaleiras de ferro esmaltado, há muitas cabaças de diversos tamanhos, cestos diversos, camas rudimentares de madeira.

Quanto a matérias empregadas e ao trabalho dos artífices, adianta que a argila é utilizada para o fabrico de potes e panelas; as camas são feitas com madeira toscamente preparada e “tara” que é uma espécie de palmeira. A oficina do ferreiro consta de bigorna, martelo, tenaz e fola. O ferreiro também faz objetos de prata e ouro, caso de manilhas, anéis e brincos, o ferreiro tem muitas vezes esta dimensão de ourives. O carpinteiro tem como ferramenta apenas uma espécie de enxó.

Referindo-se à caça e principais espécies, elenca o búfalo, a onça, a hiena, a corça, a gazela, a cabra-de-mato, o porco-espinho e a lebre. Na descrição das aves inclui a galinha-do-mato, a choca, o pato-bravo, o maçarico e as rolas. No tocante ao gado, diz que predomina o gado bovino, havendo também abundância de gado caprino, lanígero, cavalar e algum suíno. Deixa uma advertência sobre a água:  
“Sendo a região sensivelmente plana, a água para consumo é toda de poços, não sendo relativamente má; a sua exploração é que é feita em péssimas condições e sem cuidados. Os poços e locais onde a água é tomada não têm resguardos e são muito abertos, entrando toda a qualidade de impurezas e na época de chuvas servindo de depósito às matérias arrastadas, o que tornam estas águas impróprias para organismos delicados”.

Aqui se põe termo ao relatório do Tenente Comandante Militar do Oio, todo ele manuscrito numa caligrafia fina, muito harmoniosa, o Governador Oliveira Duque escreve que o leu, curiosamente põe a data de 1916, aqui e acolá aparece sublinhado, nalgumas páginas há dedadas de tinta preta, o Tenente deverá ter escrito à pena, num caderno de amplas folhas de cor creme. E quem tudo isto lê obrigatoriamente se questiona se houve uma compilação final de toda esta documentação, sabe-se lá se provinda de todos os comandos militares e administradores de circunscrição. O mérito a Oliveira Duque ninguém lho tira, cerca de 30 anos depois, sabe-se de fonte certa, recomeçam os inquéritos, pedem-se monografias, relatórios, etc. Mas é outro tempo, é uma nova atitude do pensamento científico, Teixeira da Mota está ao leme da iniciativa.

Administradores de circunscrição houve que entenderam mandar imprimir os seus documentos, é o caso de Vasco Calvet de Magalhães, Administrador da Circunscrição de Geba, de quem em breve iremos falar do seu detalhado relatório, imprimido em 1916.

Bambadinca, cortejo musical dos Fulas, imagem inserida no livro “Guiné, Início de um Governo”, 1954, obra hagiográfica dedicada ao governador Mello e Alvim.
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Nota do editor

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