sábado, 6 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19075: Os nossos seres, saberes e lazeres (287): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (6): A cidade medieval fortificada de Carcassonne e o seu turismo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Ir a Carcassonne era sonho antigo, o viandante, por ossos do ofício, estudou a Idade Média e as imagens de Carcassonne eram usadas em slides, tanto pelo professor de História de Arte como pelo professor da História da Civilização.
Quando se desenhou esta viagem à Occitana, tendo como polo irradiante Toulouse, logo se ajuntou este objetivo. Depois de andar por povoados monumentais de património construído segue-se para as belezas naturais dos Pirenéus, escreve-se em letra de forma que o viandante ficou rendido a tanto deslumbramento.
Como segue.

Um abraço do
Mário


Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (6):
A cidade medieval fortificada de Carcassonne e o seu turismo

Beja Santos

Coisa singular, neste dia suspendeu-se a greve de comboios, saiu-se da estação e deparou-se imediatamente este trabalho de comporta, impossível não o registar, há ainda uma boa distância a percorrer até chegar à cidade fortificada, percorre-se a povoação, que tem os seus pergaminhos, tal como a cidade escarpada. A partir do século IX, Carcassonne foi a capital de um condado na suserania de Toulouse, vivia alegre e próspera até ao turbilhão provocado pela cruzada aos albigenses, em 1 de agosto de 1209, sob o comando de Simon de Montfort, Carcassonne conheceu um pesado cerco. Em 1240 procurou sacudir o jugo, São Luís de França não hesitou, mandou arrasar o burgo e expulsou a população para a margem esquerda do rio Aude, o Aude é conhecido no mundo inteiro como uma denominação vinícola de grande categoria. Não esquecer que estas imagens da comporta situam-se no canal do Midi, já dele se fez referência na cidade de Toulouse.



Da Ponte Velha, que liga Carcassonne à sua cidade medieval, o viandante tirou esta imagem sobre o rio Aude, não se vê, mas o dia é de canícula, o melhor, e assim se decidiu, é saborear uma boa salada e uma tosta antes de avançar para o grande objetivo da visita. Assim se fez, e com a alma levantada entrou-se na cidade medieval.


Não fosse São Luís digno da santidade e não teria reconsiderado, por razões de Estado, ser importante reforçar a cidade para a proteger de qualquer cobiça espanhola, e os seus descendentes continuaram a obra. O papel militar da cidade extingue-se em 1659 com a anexação do Rossilhão por Luís XIV e a invenção da artilharia moderna. Carcassonne ficou ao abandono até ao século XIX quando Prosper Mérimée se interessou por estas impressionantes ruínas e em 1844 Viollet-le-Duc começou o empreendimento do restauro que se prolongou até 1910. Sejam quais forem as críticas que se façam à artificialidade que acompanha estes restauros, eles não deixam de impressionar quem os visita, veja-se esta rua, as suas fachadas que preservam uma atmosfera medieval, a despeito de todos os retoques que a modernidade possibilita.


Deambular nestas ruas é entrar em atividades de consumo, para todas as idades, guloseimas, fritadas, lembranças para diferentes tipos de imaginação, não é necessário deglutir imediatamente, o turista sobraça os pacotes e saboreia pelo caminho ou leva lembranças. O que aqui se vê não é nada, as ruas de Carcassonne são verdadeiras feiras, aqui se encontram castelos-fantasma, restaurantes para diferentes bolsas, casas de bebidas, bugigangas e muito mais.





Irresistível esta litografia de uma escola primária que está reconstituída numa das ruas da cidade medieval de Carcassonne. Porque o ensino em meio rural seguramente que se processava nestes moldes, as galinhas a cacarejar, a vara do mestre a açoitar ou a intimidar, os socos pendurados no teto. Lembrança impressiva para os muito mais velhos, a pequenada é capaz de pensar que nada disto aconteceu.


O viandante pode garantir que a cidade permite uma evocação do que era a guerra de cerco em tempos medievais, aqui encontram-se diferentes formas arquitetónicas, vê-se à vista desarmada, destinadas a serem obstáculos a qualquer assaltante, basta pensar nas pontes levadiças, nos torreões, no tipo de ameias, no fosso e na barbacã que isolam o castelo do conde, percorrem-se em todas as direções a cidade, anda-se de praça em praça, as torres intimidam, os balcões são atalaias e depois consultamos os guias para saber que estas fortificações têm muitos séculos, há fundações galo-romanas, construções visigóticas, espessas muralhas edificadas por São Luís e sucessores, há uma mistura de tudo.


A Basílica de Saint Nazaire é o mais importante templo religioso de Carcassonne. O viandante confessa abertamente que nada do que ali viu o impressionou desmedidamente, com uma exceção, esta Pietá policromada do século XVI, atenda-se ao entrosamento dos corpos, à expressão dolorosa e ao ângulo de Cristo morto, uma imagem que fala por mil palavras.






Aqui se deixa um conjunto de ilustrações de como a Carcassonne arruinada até ao século XIX é hoje uma atração turística incontornável, provoca espanto ao pé e ao longe, e mesmo com aquela embriaguez comercial que circula nas suas entranhas sai-se de Carcassonne feliz com o que se viu, mesmo com muita toilette este castelo é inspirador para o que terá sido uma poderosa fortificação medieval.


Está na hora de regressar, atravessa-se a Ponte Velha, o viandante encaminha-se para a gare. Nisto, numa rua travessa está aberta uma igreja de fachada barroca, é uma tentação entrar. Num dos cantos, para agremiar uns tostões para uma obra solidária vendem-se livros de outras eras. O viandante estremece, levou esta edição de "Electra", do grande Jean Giraudoux para a Guiné, onde ficou em cinzas. Parece que tudo está ligado a tudo, deixa-se uma moeda, pega-se nesta belíssima edição que já fez o seu tempo, o grande escritor francês retorceu a trama da tragédia grega, envolvendo Orestes e Electra, Egisto, Clitemnestra e Agamémnon, cada criador tem os seus temperos, o compositor Richard Strauss fez uma ópera de dor lancinante e banhos de sangue, Giraudoux poetou e dulcificou a sua peça de teatro, já no comboio o viandante dá consigo a ler o belíssimo “Lamento do Jardineiro”, um entreato entre o primeiro e o segundo ato, inadvertidamente volta à Guiné e à companhia que este livro lhe deu, está feliz, daquelas cinzas muito antigas, hoje, num feliz acaso, "Electra" de novo lhe veio parar às mãos.
Amanhã, a viagem muda de rumo, encaminha-se para os Pirenéus. Primeiro, viagem de comboio até Lurdes. Depois logo se dirá, ir-se-ão mostrar imagens antigas de Pau, uma gentil senhora octogenária, que seguia frente ao viandante na carruagem, contou imensas histórias, o viandante referiu que iria a Pau, a gentil senhora pediu a morada do viandante e mandou-lhe um álbum antigo, são coisas que acontecem entre viajantes conversadores, por vezes o melhor fica nas recordações das viagens.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19054: Os nossos seres, saberes e lazeres (286): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (5): Dos jardins do Palácio de la Berbie em Albi, de novo na cidade do tijolo (Mário Beja Santos)

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