sexta-feira, 18 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13411: Notas de leitura (613): “Wellington, Spínola e Petraeus, o Comando Holístico da Guerra”, por Nuno Lemos Pires (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Julho de 2014:

Queridos amigos,

O coronel Lemos Pires, traça, neste seu documento académico (prova de doutoramento) hipóteses quanto à teoria do comando holístico da guerra, selecionou três líderes militares de valor indiscutível e questiona até que ponto foram bem ou mal sucedidos no comando holístico, ou seja, na capacidade de fazer convergir as forças militares e paramilitares envolvidas em estreita coordenação com os meios governamentais disponíveis, conseguindo coerência entre a política, as operações e a tática, gerindo todas estas dimensões em tempo oportuno.

Compreensivelmente, escolhi Spínola como a figura de análise.

O que o coronel Lemos Pires nos diz de modo algum nos surpreende: o comando holístico falhou quando Marcello Caetano entrou em conflito aberto com Spínola.

Um abraço do
Mário


Wellington, Spínola e Petraeus, O Comando Holístico da Guerra*

Beja Santos

“Wellington, Spínola e Petraeus, o Comando Holístico da Guerra”, por Nuno Lemos Pires, Nexo Literário, 2014, é um livro que resulta da adaptação da tese de doutoramento do autor em História, Defesa e Relações Internacionais. A questão central é, naturalmente, a defesa que o autor faz do comando holístico da guerra que apresenta sumariamente assim: “Entender uma situação de guerra implica ter uma visão completa e abrangente de todos os fatores envolvidos. Quem recebe a responsabilidade de comandar o esforço de guerra de uma nação, coligação ou aliança deve ter uma visão holística que lhe possibilite usar todos os meios possíveis na implementação de uma política abrangente, global e completa. O comando holístico da guerra desenvolve-se em quatro dimensões principais: a primeira advém da natureza das estruturas das forças envolvidas, armadas e de segurança, militares e paramilitares; a segunda abrange a coordenação entre organizações civis e militares, governamentais, não-governamentais e privadas, entre organizações internacionais e os vários Estados, coligações e alianças; a terceira trata da coerência entre a política, a estratégia, as operações e a tática; a quarta, do tempo, engloba as políticas decididas e as estratégias delas decorrentes, que têm de ser pensadas, concorrentemente, para ou antes, o durante e o pós-guerra”.

Como observa o autor, Wellington tentou, desde o início da Guerra Peninsular, exercer o comando e controlo de todas as foças que combatiam em Portugal. Spínola, como governador e comandante-chefe da Guiné, contou com um abrangente “Estado-Maior” representando variadas áreas da governação e da chefia militar propriamente dita, que lhe permitiu exercer um comando convergente de todas as ações das Forças Armadas, de segurança, das componentes civis e militares do seu governo; Petraeus foi comandante no Iraque e das forças norte-americanas no Afeganistão, buscou a unidade de esforços numa visão holística na condução da guerra. Três comandantes em conflitos sem qualquer ligação e em períodos temporais distintos, mas que visaram de ter o comando do esforço de guerra de modo holístico.

Para o autor, analisando o pensamento e a obra de Spínola, é indispensável, a moldura dos contextos internacional e nacional em que se inseriu a guerra de África para se entender a preparação e o entendimento que o general deu ao comando holístico: os esforços imprimidos junto das populações locais (a ação psicossocial, o apoio às autoridades civis); a africanização, política e militar, da guerra; como, no exercício de governador e comandante-chefe procurou e exerceu a unidades de esforços. Vejamos concretamente o que resultou e aonde falhou o comando holístico na Guiné, ao tempo de Spínola.

O objetivo último do general era o de consolidar a adesão das populações. Desde a primeira hora que chegou à Guiné, em Maio de 1968, que ele verificou que a guerra não podia ser ganha exclusivamente pelas forças das armas. O PAIGC desenvolvera uma estratégia de implantação e intimidação que deixava prever as maiores dificuldades na solução militar, acrescendo que o seu armamento, desde cedo, passou a ser melhor que o utilizado pelos portugueses, basta pensar-se nas metralhadores, nas bazucas e nos morteiros 120. Deu a maior importância à propaganda, contrapropaganda e informação, toda a ação psicossocial revertia para assistência sanitária, educativa e económica. A religião muçulmana em nenhuma circunstância foi hostilizada. Spínola falava constantemente na Guiné para os guinéus, assim abriu fraturas insanáveis entre guineenses e cabo-verdianos. O apoio às populações locais tornou-se um imperativo. Os programas radiofónicos procuravam atingir os guineenses que estavam nos países limítrofes, de modo a abalar as convicções das populações em fuga ou ao abrigo do PAIGC. Os Congressos do Povo foram uma das realizações mais inovadoras de Spínola, garantiam uma ampla participação dos representantes das populações. Foram construídas muitas mesquitas. Procurou-se negociar com fações do PAIGC o seu ingresso nas Forças Armadas portuguesas, operação manchada pelo chamado massacre dos majores em 20 de Abril de 1970.

Spínola e o Secretário-Geral da Guiné, Pedro Cardoso, tinham um excelente entendimento. Fizeram-se escolas, estradas, aldeamentos ouvindo as populações. Foi encorajada a autodefesa dessas mesmas populações e deu-se uma africanização militar com milícias, pelotões e companhias de caçadores, comandos e fuzileiros. E o problema da unidade de comando entre as componentes civis e militares cedo ficou resolvido. Então, o que falhou no comando holístico? As progressivas más relações entre Marcello Caetano e Spínola. Quando Caetano recusou terminantemente que Spínola continuasse conversações com Senghor, caminhou-se paulatinamente para a guerra, Spínola cria uma solução política para a Guiné, Caetano considerava-a de todo inadmissível. 1973 foi um ano decisivo: Amílcar Cabral, o único interlocutor possível de Spínola, foi assassinado em Conacri; entraram em campo os mísseis terra-ar, as forças do PAIGC envolveram-se em operações de cerco que arrasaram o moral das tropas portuguesas. E perdido o comando holístico, a Guiné ficou à deriva, Spínola desforra-se escrevendo as suas teses no livro Portugal e o Futuro, que contribuiu para baquear o regime.

O livro de Nuno Lemos Pires levanta hipóteses que podem estimular o debate sobre algo que tem estado obscurecido entre nós, a teoria geral do comando holístico da guerra, é uma investigação original que assegura uma leitura estimulante e uma reflexão oportuna.
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 8 DE JULHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13375: Agenda cultural (332): Lançamento do livro "Wellington, Spínola e Petraeus: O Comando Holístico da Guerra", do Cor Nuno Correia Barrento de Lemos Pires, dia 16 de Julho de 2014, pelas 18h15, na Academia Militar em Lisboa

Último poste da série de 15 DE JULHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13401: Notas de leitura (612): "O Arauto" noticia a primeira ida para o ar da Emissora da Guiné, em meados de Março de 1953 (Lucinda Aranha)

3 comentários:

Anónimo disse...

Nuno Lemos Pires

17 julh 2014 11:07

Caros amigos,

No dia 24 de julho próximo, pelas 18h30, no Auditório da FNAC do Colombo em Lisboa, será apresentado o livro «Wellington, Spínola, Petraeus: O Comando Holístico da Guerra».

Já saiu uma primeira recensão sobre o livro da autoria de Mário Beja Santos (autor por quem tenho a maior admiração e respeito): http://www.oribatejo.pt/2014/07/17/wellington-spinola-e-petraeus-o-comando-holistico-da-guerra/


Seria uma honra poder contar com a vossa presença, pelo que anexo o convite para o lançamento.

Com os melhores cumprimentos,


Nuno Correia Barrento de Lemos Pires
https://academiamilitar.academia.edu/NunoPires

Luís Graça disse...

Parabéns ao cor Nuno Lemos Pires pela brilhante conclusão das suas provas académicas e pelo lançamento do seu novo livro. Prometo nas férias lê-lo com todo o interesse crítico.

Obrigado ao Mário Beja Santos por conseguir, como ninguém, estar sempre em cima do "acontecimento literário". Mesmo os seus críticos reconhecem a sua enorme capacidade de trabalho e a sua vasta cultura literária.

Obrigado, camarada e amigo, pela tua brilhante e oportuníssima "nota de leitura", convidando-nos a ler (e a reflectir sobre) um livro que muito nos diz respeito, que se goste ou não goste de Spínola que ficará na nossa história polítco-militar do séc. XX.

Fica também aqui um convite ao Nuno Lemos Pires para, utilizando as págians do nosso blogue (que tem cerca de 200 mil visualizaçõas de página por mês), poder falar um pouco mais, terra a terra, do seu trabalho académico. Ele merece, de resto, todo o nosso apreço e estima, por representar uma nova geração de militares com outra preparação humana e intelectual, que sabe valorizar a memória e as lições do passado.

Nuno Lemos Pires disse...

Muito Obrigado pela recensão e pelas palavras. Estou honrado. Como sabem venho regularmente a este blog aprender, recolher informação e, simplesmente, ler com gosto os testemunhos essenciais da nossa história, que foi feita por vós!

Aproveito para vos convidar à apresentação do livro que irei fazer na FNAC do Colombo no próximo dia 24 de Julho, às 18.30. Um grande abraço a todos e bem-hajam!

http://www.culturafnac.pt/o-comando-holistico-da-guerra-wellington-spinola-e-patreous/