Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > 1968 > Lavadeiras de Có.
Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > 1968 > Fonte sanitária de Có.
Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > 1968 > Beleza Nativa de Có.
Texto e fotos: © Raul Albino (2006)
Segunda parte das memórias de campanha de Raul Albino, ex-alf mil da CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 (Có, Mansabá, Olossato, 1968/70), que embarcou no Uíge, em finais de Julho, juntamente com o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1).
Caro amigo Luís,
Aqui vai o meu texto nº 2 sobre a CCAÇ 2402. Li num dos posts uma referência ao Capitão Vargas Cardoso, então já Major, como 2º Comandante do Batalhão 3884, sedeado em Bafatá em 72/74. Estive com ele há pouco tempo, mas ele tem sido parco nas suas manifestações sobre essa época. Alegando desculpas de vária ordem e promessas nunca cumpridas, acabou por a sua participação no meu livro se limitar à versão oficial dos Factos e Feitos Mais Importantes da companhia. Muito pouco para aquilo que ele seria capaz de fazer se quisesse. Daí a minha curiosidade de saber como decorreu essa outra comissão em Bafatá, descrito por quem lá tenha estado nesse período.Um abraço e até breve,
Raul Albino
Primeiro ataque ao quartel de Có ou... Quando a inexperiência e curiosidade ditam a sorte da batalha
por Raul Albino
Cheiros que não nos saem da memória
Chegámos à localidade de Có a 1 de Agosto de 1968. Não me esqueço desta data porque assim que saltámos das viaturas de transporte para o chão, cansados da viagem e completamente atarantados, pensávamos que íamos tomar um banho, conhecer as instalações e arrumar os nossos haveres. Qual história qual quê, assim que pisámos o chão, grita logo o Capitão Vargas:
- O terceiro Pelotão vai já fazer um patrulhamento pela periferia da povoação, orientado por alguns milícias, e só depois é que faz a sua instalação!
Eu, pessoalmente, já tinha vindo para a Guiné antes da Companhia. Agora calhava-me a primeira patrulha de reconhecimento. A comissão de serviço estava a começar bem ...
Este patrulhamento foi feito pelo interior da povoação, num trajecto escolhido pelos milícias nativos, de risco reduzido, para adaptação das tropas. Só que tínhamos acabado de chegar, desconhecíamos essa realidade e todo o percurso, cheiros e contacto com o ambiente local e população nativa, nos impressionou e seguramente ficou gravado na memória de todos aqueles que me acompanharam nessa primeira missão.
Menosprezar a inexperiência saiu caro ao inimigo
Em 29 de Agosto de 1968, menos de um mês após a nossa chegada, sofremos o primeiro ataque inimigo ao aquartelamento de Có. Foi um teste do inimigo à real capacidade desta nova unidade, chegada recentemente ao local, em termos militares. Por termos militares entenda-se, poder de fogo, coragem e capacidade de reacção.
Às 6.25 horas da manhã, um grupo estimado entre 20 a 30 elementos atacou o quartel pelo lado da pista durante cerca de 15 minutos, utilizando tiro de morteiro 60, metralhadoras pesadas, armas automáticas ligeiras e lança-granadas foguete.
Logo após os primeiros tiros, o Capitão Vargas dá-me ordem para sair com o meu grupo (3º Pelotão) em perseguição do inimigo. Como eu dormia com parte do meu grupo num abrigo mesmo ao lado da porta de armas, a saída pôde processar-se com grande rapidez e, acompanhados por alguns milícias nativos, entre eles o seu chefe Dayan, iniciámos a perseguição ao inimigo atacante.
Este homem de nome Dayan, chefe de Cipaios, era uma figura curiosa. Não era novo, magro e seco, leal, bom combatente, respeitado e líder incontestado dos milícias nativos. Custava-me a acreditar que uma pessoa com a idade dele pudesse ainda ter energia para chefiar a sua gente no terreno, mas ele não era uma pessoa qualquer, era um homem extraordinário por quem eu tinha uma consideração e admiração enormes.
A sua presença inspirava confiança e dava segurança e disciplina ao seu grupo de milícias em combate. A importância deste tipo de líderes era grande porque, nos primeiros tempos, houve muita dificuldade em perceber a maneira de pensar dos combatentes negros, amigos ou inimigos, e eles eram a nossa correia de transmissão entre duas culturas diferentes. Digamos que se fez, durante algum tempo, uma aprendizagem mútua.
Mas, voltando à perseguição, como o ataque foi curto, quando chegámos ao local de onde o inimigo tinha iniciado os disparos, já se tinha feito silêncio no tiroteio e não estava qualquer inimigo à vista. Só no terreno as pegadas denunciavam a sua presença na zona alguns minutos atrás. Em princípio e deduzindo que eles já tinham ido embora, o normal seria também nós regressarmos ao quartel, porque quando o inimigo se retira, perfeito conhecedor do terreno, dispersa-se e só volta a unir-se num ponto de encontro previamente estabelecido por eles.
O normal seria acontecer o que atrás descrevi, mas este dia não ia ter muito de normal. Em primeiro lugar o plano de ataque do inimigo foi pensado para ser efectuado em duas fases. Primeiro um ataque rápido, seguido de retirada, e quando as nossas tropas estivessem a tratar dos feridos e a avaliar estragos, fazer um segundo ataque, eventualmente mais violento que o primeiro. Daí a que o inimigo tenha feito uma volta de despiste e após alguns minutos já se encontrava de novo em posição de nos atacar o quartel.
Texto e fotos: © Raul Albino (2006)
Segunda parte das memórias de campanha de Raul Albino, ex-alf mil da CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 (Có, Mansabá, Olossato, 1968/70), que embarcou no Uíge, em finais de Julho, juntamente com o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1).
Caro amigo Luís,
Aqui vai o meu texto nº 2 sobre a CCAÇ 2402. Li num dos posts uma referência ao Capitão Vargas Cardoso, então já Major, como 2º Comandante do Batalhão 3884, sedeado em Bafatá em 72/74. Estive com ele há pouco tempo, mas ele tem sido parco nas suas manifestações sobre essa época. Alegando desculpas de vária ordem e promessas nunca cumpridas, acabou por a sua participação no meu livro se limitar à versão oficial dos Factos e Feitos Mais Importantes da companhia. Muito pouco para aquilo que ele seria capaz de fazer se quisesse. Daí a minha curiosidade de saber como decorreu essa outra comissão em Bafatá, descrito por quem lá tenha estado nesse período.Um abraço e até breve,
Raul Albino
Primeiro ataque ao quartel de Có ou... Quando a inexperiência e curiosidade ditam a sorte da batalha
por Raul Albino
Cheiros que não nos saem da memória
Chegámos à localidade de Có a 1 de Agosto de 1968. Não me esqueço desta data porque assim que saltámos das viaturas de transporte para o chão, cansados da viagem e completamente atarantados, pensávamos que íamos tomar um banho, conhecer as instalações e arrumar os nossos haveres. Qual história qual quê, assim que pisámos o chão, grita logo o Capitão Vargas:
- O terceiro Pelotão vai já fazer um patrulhamento pela periferia da povoação, orientado por alguns milícias, e só depois é que faz a sua instalação!
Eu, pessoalmente, já tinha vindo para a Guiné antes da Companhia. Agora calhava-me a primeira patrulha de reconhecimento. A comissão de serviço estava a começar bem ...
Este patrulhamento foi feito pelo interior da povoação, num trajecto escolhido pelos milícias nativos, de risco reduzido, para adaptação das tropas. Só que tínhamos acabado de chegar, desconhecíamos essa realidade e todo o percurso, cheiros e contacto com o ambiente local e população nativa, nos impressionou e seguramente ficou gravado na memória de todos aqueles que me acompanharam nessa primeira missão.
Menosprezar a inexperiência saiu caro ao inimigo
Em 29 de Agosto de 1968, menos de um mês após a nossa chegada, sofremos o primeiro ataque inimigo ao aquartelamento de Có. Foi um teste do inimigo à real capacidade desta nova unidade, chegada recentemente ao local, em termos militares. Por termos militares entenda-se, poder de fogo, coragem e capacidade de reacção.
Às 6.25 horas da manhã, um grupo estimado entre 20 a 30 elementos atacou o quartel pelo lado da pista durante cerca de 15 minutos, utilizando tiro de morteiro 60, metralhadoras pesadas, armas automáticas ligeiras e lança-granadas foguete.
Logo após os primeiros tiros, o Capitão Vargas dá-me ordem para sair com o meu grupo (3º Pelotão) em perseguição do inimigo. Como eu dormia com parte do meu grupo num abrigo mesmo ao lado da porta de armas, a saída pôde processar-se com grande rapidez e, acompanhados por alguns milícias nativos, entre eles o seu chefe Dayan, iniciámos a perseguição ao inimigo atacante.
Este homem de nome Dayan, chefe de Cipaios, era uma figura curiosa. Não era novo, magro e seco, leal, bom combatente, respeitado e líder incontestado dos milícias nativos. Custava-me a acreditar que uma pessoa com a idade dele pudesse ainda ter energia para chefiar a sua gente no terreno, mas ele não era uma pessoa qualquer, era um homem extraordinário por quem eu tinha uma consideração e admiração enormes.
A sua presença inspirava confiança e dava segurança e disciplina ao seu grupo de milícias em combate. A importância deste tipo de líderes era grande porque, nos primeiros tempos, houve muita dificuldade em perceber a maneira de pensar dos combatentes negros, amigos ou inimigos, e eles eram a nossa correia de transmissão entre duas culturas diferentes. Digamos que se fez, durante algum tempo, uma aprendizagem mútua.
Mas, voltando à perseguição, como o ataque foi curto, quando chegámos ao local de onde o inimigo tinha iniciado os disparos, já se tinha feito silêncio no tiroteio e não estava qualquer inimigo à vista. Só no terreno as pegadas denunciavam a sua presença na zona alguns minutos atrás. Em princípio e deduzindo que eles já tinham ido embora, o normal seria também nós regressarmos ao quartel, porque quando o inimigo se retira, perfeito conhecedor do terreno, dispersa-se e só volta a unir-se num ponto de encontro previamente estabelecido por eles.
O normal seria acontecer o que atrás descrevi, mas este dia não ia ter muito de normal. Em primeiro lugar o plano de ataque do inimigo foi pensado para ser efectuado em duas fases. Primeiro um ataque rápido, seguido de retirada, e quando as nossas tropas estivessem a tratar dos feridos e a avaliar estragos, fazer um segundo ataque, eventualmente mais violento que o primeiro. Daí a que o inimigo tenha feito uma volta de despiste e após alguns minutos já se encontrava de novo em posição de nos atacar o quartel.
Guiné > CCAÇ 2402 (Có / Mansabá, 1968/70) > Emblema da unidade
Estratégia muito engenhosa, mas eles não contaram com uma circunstância inesperada. Eu e o meu grupo éramos inexperientes neste tipo de luta, pois só nos encontrávamos na Guiné há menos de um mês. Ligada à inexperiência eu tive na altura uma curiosidade enorme de saber para onde aquelas pegadas se dirigiam, nunca pensando que eles tinham voltado a dirigir-se ao quartel para repetir o ataque. De tal modo que quando o inimigo iniciou a segunda flagelação às nossas instalações, nós estávamos atrás deles sem eles saberem.
A nossa reacção foi imediata e o inimigo, para sua surpresa, viu-se entre dois fogos, o nosso e o do quartel. Sofreram dois mortos e dois feridos confirmados, tendo sido um dos corpos sepultados na área do aquartelamento. Retiraram desordenadamente, sofrendo um pesado revés, especialmente na sua estratégia que saiu completamente gorada.
Erros de principiante ou maçarico
As peripécias não ficaram por aqui. Quando eu e o meu grupo saímos do quartel, viemos acompanhados por um radiotelegrafista com um enorme rádio às costas. Na altura, ainda em início de comissão, estes rapazes podiam trazer consigo uma arma de defesa pessoal, neste caso uma pistola Walter 9 mm. Não tenho a certeza, mas creio que se tratava do Catarino, recolhido atrás duma árvore ou qualquer outro abrigo, decidiu participar no combate e volta não volta, disparava um ou dois tiros (o carregador duma pistola tem poucas munições).
Eu, que me encontrava abrigado no chão junto a uma vala de cultivo de amendoim, ouvia os disparos do inimigo cada vez mais distantes, à excepção destes disparos que se assemelhavam ao som produzido pelas armas automáticas do inimigo quando disparadas tiro a tiro. As nossas G3 tinham um som característico inconfundível, completamente diferente do som produzido pelas armas deles. Durante algum tempo pensei que estes disparos eram dum turra, que, devido à posição em que eu estava ou à posição de qualquer outro militar, não conseguia fugir com os seus companheiros. Fiquei parado uns minutos preciosos, na esperança de poder capturar este turra descuidado.
Só quando o tiroteio terminou pude constatar o que realmente tinha acontecido e os problemas causados pela acção desnecessária do homem do rádio. Creio que a partir daqui poucos radiotelegrafistas voltaram a usar estas armas para defesa pessoal, passaram a acreditar que nenhum dos seus colegas o abandonaria no campo da luta.
Dentro do azar, a sorte esteve comigo
Já no regresso ao quartel ainda houve um pequeno incidente passado comigo próprio. Foi pequeno, mas poderia ter sido muito grande, pelo menos para a minha integridade psicológica. Vinha acompanhado pelo Dayan, lado a lado, e cada passo que dávamos era mais um pequeno salto entre as partes cimeiras das valas de amendoim (os nativos chamavam-lhe mancarra).
Trazia a G3 na mão, ainda pronta a disparar na posição de tiro-a-tiro, com a bandoleira (correia para suspensão da arma no ombro) pendida. Então não é que, num daqueles pequenos saltos, a fivela da bandoleira engancha no gatilho da arma e provoca um disparo que acertou a cerca de um palmo do pé do meu companheiro Dayan. Fiquei aparvalhado a olhar para ele e para a arma. Ele foi compreensivo a acalmou-me do meu nervoso. A minha admiração por ele aumentou ainda mais neste dia.
Acabou por ser o meu dia de sorte, dentro do azar, porque se lhe tivesse acertado, mesmo que fosse só no pé, não iria viver bem com a minha consciência a partir daí. Só de imaginar o que seria se a arma estivesse na posição de rajada, me deixava enlouquecido.
De qualquer modo, em termos militares, este dia ficou-nos na memória, porque o inimigo acabou por sofrer um forte revés nas suas intenções de intimidar a Companhia maçarica instalada em Có.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira
Vd. também os seguintes posts anteriores:
17 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1082: Notícias da CCAÇ 2402 e do BCAÇ 2851 (Raul Albino)
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1105: Como escrever um livro de memórias de guerra 'à la carte' (Raul Albino, CCAÇ 2402)
2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1142: Um dia no mato: parabéns ao Vitor Junqueira pelo seu texto (Raul Albino, CCAÇ 2402)
4 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1246: O meu livro Memórias de Campanha da CCAÇ 2402 (Raul Albino)
(2) Uma outra companhia que esteve em Có, foi a CCAÇ 2636, do nosso camarada João Varanda. d posts de:
15 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCI: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (1): De Santa Margarida ao Cupilom... (João Varanda)
16 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCIII: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (2): "Periquito vai no mato, que a velhice vai p'ra Bissau"... (João Varanda)
26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIV: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (3): O espírito de grupo (João Vranada)
26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXV: CCAÇ 2636 (Có, 1969/71) (4): A acção psicossocial (João Varanda)
19 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXIX: CCAÇ 2636 (Có, 1969/70) (5): Gastando o primeiro par de botas e as letras do alfabeto (João Varanda)
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