domingo, 5 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1248: Monteiro: apanhado à unha na fonte de Mansambo em 1968, retido pelo IN em Conacri, libertado em 1970 (Torcato Mendonça)

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Guiné > Zona Leste > Secor L1 > Mansambo > CART 2339 > 1968 > A famigerada fonte onde o Monteiro foi emboscado e 'retido pelo IN'...



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Guiné > Zona Leste > Secor L1 > Mansambo > CART 2339 > 1968 > A imagem da Virgem... da Discórdia. O Monteiro, protestante, ao que parece não gostava muito da Senhira... A maior parte dos soldados erm católicos, nortenhos, particantes e muito devoos da Virgem Maria. Aos pés da imagem que havia em Mansambo, deixavam-se fotografias, faziam-se votos, rezava-se., cumpriam-se promessas...

Fotos: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. Mensagem do Torcato Mendonça que vive hoje no Fundão e foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69:


Caro Luís Graça:

Fui escrevendo e vou mandar-te a estória do Monteiro, Não Romeiro mas Pregador. O único prisioneiro da minha Companhia.

Os homens da Op Mar Verde libertaram-no [, em 22 de Movembro de 1970, em Conacri]. Será que o nosso País se preocupou com ele? Não sei!

O nosso dramaturgo [, o Luís Mário Lopes,] (1) levantou um problema que eu desconhecia. A ditadura, desculpa lá eu falar assim e tomar uma posição politica, era uma grande m...!

Cinicamente os jornais desse tempo, em notícia meio escondida, diziam: Mortos ao serviço da Pátria...

Um abraço,


2. Romeiro, não; talvez, Pregador
poor Torcato Mendonça

Francisco Manuel Monteiro, Soldado de Armas Pesadas, do 4º Grupo de Combate da CART 2339 foi, em 11 de Julho de 1968, retido pelo IN na fonte de Mansambo. É assim que reza o Historial da Companhia.

Não tinha pensado ainda na palavra que as NT usavam para definir os prisioneiros, retidos pelo IN... Os mortos da nossa Companhia vieram sempre connosco. Houve dois mortos, por afogamento, na travessia do Rio Pulom, resgatados cerca de uma semana depois. Mas vieram.

No Historial da Companhia consta (2):
Baixas Sofridas:

1. - Em combate
a – Mortos: Os falecidos em combate. Cinco no total (com os respectivos nomes)

b – Desaparecido: O Monteiro

c – Feridos: Trinta e três feridos.

2. – Outras Causas

a – Afogamento: Os dois já referidos.

Acidente de Viação: Um militar.

b – Feridos por acidente: Dois militares.

c – Doentes: Sete militares.

O Monteiro é dado como desaparecido e, na descrição da acção, diz-se retido. Claro que aceito a explicação dada no Blogue (1). Só não nos chamavam polícias… porque tanta estupidez tinha um limite...

Mas eu conto a estória do Monteiro:

O primeiro Grupo, a vir tratar da construção de Mansambo, foi o que o Monteiro integrava. Como era fraco, fisicamente, mandaram-no para serviços relacionados com o apoio aos graduados. Havia uma morança que servia de refeitório, sala de escrita e leitura e comando. Era lá que ele prestava serviço. A comida e locais de dormida foram sempre iguais para todos.

O IN não suportava a construção do aquartelamento (3). Em 28 de Junho de 1968 atacou para arrasar, em 2 de Julho colocou duas minas anticarro na estrada. Rebentei-as e uma delas tinha carga suplementar por debaixo. Ir à fonte, só acompanhado com uma segurança de, pelo menos, dez homens. Estava escrito e afixado.

O Monteiro tinha vindo de Bissau de uma consulta de oftalmologia. E porquê? Porque era Protestante ou coisa que o valha. A maior parte dos militares eram nortenhos, católicos e praticantes. Havia uma imagem de uma Virgem (mais tarde, creio que todos os grupos tinham uma) e a Virgem, que não era do agrado do Monteiro, apareceu de costas voltada. Culparam o rapaz. Passados dias apareceu o castigo Divino. Os óculos do Monteiro partiram-se e apareceu uma ligeira equimose na sua magra face.

Como, não se podia reparar o assunto pelo Divino foi-se pelo Terreno. Aí está o rapaz a caminho do médico em Bissau. No regresso a Mansambo, tratou de ir lavar a roupa na fonte. Bem berrou a sentinela. Juntou a deficiente visão à fraca audição e foi a caminho da famigerada fonte.

Nesse dia estava de visita, tratando de assuntos oficiais, o Alferes da Milícia da Moricanhe. Chegou a hora de almoço. Monteiro nem vê-lo. Não se sabia dele. O substituto lá trouxe o almoço e outros procuravam o faltoso. Já o almoço estava quase a terminar e eis a noticia: o Monteiro fora há horas para a fonte.

Rapidamente se arma um grupo e se prepara outro mais forte, já temendo o pior. Fui à fonte com o Alferes da Milícia Uro Baldé. Havia sinais evidentes de possível resistência, rastos e pingas de sangue. Enquanto eu vim para as transmissões pedir apoio aéreo, o Furriel Rei do meu grupo e o Uro faziam uma primeira busca. Minutos depois um estrondo. Mina. Fugimos com armas e enfermeiros. O Fur Rei e dois picadores estavam ligeiramente feridos, o Alferes da Milícia Uro Baldé já tinha falecido. Apanhámos e juntámos o cadáver.

Durante muito tempo a imagem daquele camarada, da maneira como morreu, a mutilação, inclusive os restos do almoço, buliam comigo. Eram as primeiras mortes, talvez a primeira vítima de mina. Depois um fulano fica besta e dizem que entra na normalidade.

Mandei um rádio, o segundo, para o BCAÇ 1904 [, sedeado em Bambadinca, e que viria a ser substituído a seguir pelo BCAÇ 2852]: Vítima de mina faleceu o Alf Mil Uro Baldé. Houve confusão com o meu nome: Uro ou Tor…? Esperavam o resto do nome… e eu, Torcato, ainda cá estou. Coisas do bom Capitão que tínhamos, nessa altura (Julho de 1968).

O Monteiro, coitado, foi para Conacri. Creio que ainda falou na rádio. A Operação Mar Verde libertou-o.

Há muitos anos perguntei por ele. Parece que Pregava a Verdade pelo Alentejo (4).

Foi prisioneiro e deve ter sofrido bastante. Oxalá seja respeitado pela Pátria. Há quem nela acredite.




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > Trinta e oito anos depois (!), a mesmíssima fonte continua a ser usada pela população local para abastecimento de água, higiene pessoal e lavagem da roupa... Esta é uma das fotos que o Hugo Costa, filho do Albano Costa, tirou em Abril de 2006, quando voltou à Guiné (tinha lá estado com o pai, em Novembro de 2000). Diz-nos o Albano que em Novembro de 2000 "ninguém nos sabia informar a localização da fonte. Agora, como vocês [, malta da CART 2339, o Almeida e o Saagum,] lá foram, sempre deu para dar com ela" (5).

Foto:© Albano Costa / Hugo Costa (2006). Direitos reservados.

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1243: Questões politicamente (in)correctas (7): Desaparecido em campanha, morto em combate, retido pelo IN (Luís M. Lopes / Luís Graça)

(2) Vd. post de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (Carlos Marques dos Santos).

(3) Vd. posts de:

14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)

Esta é a emboscada em que o nosso camarada Saagum (que lá voltou em Abril de 2006) é gravemente ferido. Vd. post de 4 de Maio de 2oo6 > Guiné 63/74 - DCCXXXIII: Pedro, o filho do Saagum.

O Monteiro, aqui evocado pelo Torcato Mendonça, é apanhado à mão dois meses antes, também na fonte, mas sozinho. Em 11 de Julho de 2006.

12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLII: História da 'feitoria' de Mansambo (Carlos Marques dos Santos)

(...) "Algumas notas: A 11 de Julho de 1968 o IN reteve um dos nossos elementos, na fonte, e na perseguição, em conjunto com as NT, o Cmdt do Pel Milícias 103 [ , de Moricanhe,] accionou uma mina A/P, tendo sucumbido aos ferimentos. Deste nosso camarada [, o Monteiro,] só houve notícias depois do 25 de Abril de 1974.

"Em 19 de Setembro de 1968, a CART 2339 sofre uma emboscada, vinda da copa das árvores, também na fonte, enquanto procedia ao abastecimento de água, que causou 11 feridos (5 graves) e um morto. Um dos feridos graves viria a falecer no Hospital Militar de Bissau (241) a 25 desse mês. Em 30 de Setembro nova emboscada na fonte a Pelotão de Milícia e uma mulher da Tabanca.

30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Carlos Marques dos Santos)

(4) Se alguém souber do seu paradeiro (ou tiver mais informações sobre ele), contacte-nos. Este homem, se quiser falar, terá muito para contar. A sua estória, triste, não deixa de ser prodigiosa... O que é que o terá levado a ir sozinho à fonte ? Lavar a roupa ? Imprevidência ? Ressentimento contra os seus camaradas que o agrediram por causa da imagem da Santa ? Heroísmo ? Solidão ? Desespero ? Impulso suicidário ? Por outro lado ele passou mais de dois em cativeiro, e pelo menos dois anos em Conacri... Deve ter conhecido Amílcar Cabral, contactou com outros prisioneiros, incluindo os da companhia do A. Marques Lopes (CART 1690)...

(5) Vd. post de 2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa).

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