quarta-feira, 18 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1674: Efemérides (3): A tragédia do Quirafo: rezar pelos mortos e perdoar aos vivos (Joaquim Mexia Alves)

Guiné > O Ex- Alf Mil Op Esp Joaquim Mexia Alves, que pertenceu à CART 3492 (Xitole), ao Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Bambadinca) e CCAÇ 15 (Mansoa) (1971/73). Ele faz questão de dizer que nunca esteve sedeado em Bambadinca, mas sim no Mato Cão e no Rio Udunduma, destacamentos do Sector L1 (Bambadinca).

Eis o que ele dos disse a esse respeito: "Caros Carlos Santos e Luís Graça: Já devem estar a pensar que eu sou um chato!!! Mas a biografia oficial está mal. Com efeito, no meu tempo, o Pel Caç Nat 52 não esteve estacionado em Bambadinca. Quando vim do Xitole para o 52, estávamos no destacamento da Ponte do Udunduma e passados 1 ou 2 meses, fomos para o Mato Cão, onde já passámos o Natal de 1972.

"Eu ia a Bambadinca, sobretudo nos primeiros tempos por força do comando do Pelotão e porque na Ponte do Udunduma estava perto! Do Mato Cão, fui directamente para Mansoa, para a CCAÇ 15 que acabei por comandar, substituindo o célebre Cap Comando Patrocinio, pois era o Alferes mais antigo. Durante a minha permanência na CCAÇ 15, tive ainda dois capitães, um do Quadro, outro Miliciano, mas que não se fizeram por lá velhos!

"Aproveito para enviar ao Luís Graça, uma foto oficial, tirada mesmo antes do embarque para a Guiné (que poderá substituir a outra, se assim entenderes, para mim é-me igual), bem como o Louvor que me foi dado na CCAÇ 15 e o Brigadeiro Comandante Militar da Guiné, considerou como seu. Faz dele o que quiseres!!! ... Depois deste louvor ainda fiquei na CCAÇ 15 mais três meses, até 22 de Dezembro de 1973. Desculpem lá estes preciosismos! Abraço amigo e até Pombal. Joaquim Mexia Alves".

Louvor conferido ao Alf Mil Joaquim Mexias Alves por três meses que esteve na CCAÇ 15 (Mansoa, 1973), "demonstrou sobejamente possuir qualidades de comando, competência e interesse no cumprimento de todas as missões de que fora incumbido.

"Tendo muita conferência no comando de tropas africanas e sendo profundo conhecedor dos seus problemas, facilmente se impôs ao pessoal do seu grupo de combate, que galvanizou com o seu exemplo, aprumo, pontualidade e alto critério de Justiça.

"Elemento destemido e corajoso, sempre ocupou os lugares de vanguarda nas acções e operações em que tomou parte, arrastando com o seu exemplo o pessoal para o completo cumprimento da missão.

"Militar correcto e educado, com um puro sentido, disciplinado e disciplinador, sempre pronto a colaborar em tudo o que se lhe pede, grangeou geral estima dos seus superiores, camaradas e inferiores.

"Pelas qualidades mencionadas, conseguiu o Alferes Mexia Alves elevado prestígio entre as trpas africanas, que comandou e muito dignificou, pelo que muito me apraz apontá-lo como exemplo a seguir, merecendo este público testemunho ao terminar a sua comissão de serviço" (O.S. nº 45, de 8 de Novembro de 1973, do CTIG)

Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2007). Direitos reservados


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves (17 de Abril de 2007):


Caro Paulo Santiago (1):

Como sabes esta tragédia [, a do Quirafo,] toca-me de perto, por todas as razões que então escrevi e não volto a repetir (2).

Faço aquilo que posso hoje pelos nossos camaradas e amigos que então morreram, rezo por eles.

Penso também no Lourenço e no seu Comandante, pois penso que, apesar da sua culpa, incompetência, e à distância de tantos anos, provavelmente será um gravíssimo problema nas suas vidas.

A justiça dos homens é outra coisa e se, apesar de tudo, a mesma não foi feita, oficial ou formalmente, ela não deixa de ser feita no pensamento daqueles que viveram o drama e dele deram conhecimento.

Acredito que nunca esperaram um tal terrivel desfecho, e por isso, repito, na sua consciência ainda hoje devem viver a terrível dor da responsabilidade. É com certeza uma forma de justíça.

Peço a Deus pelo Armandino (2), e por todos os que com ele pereceram, que não devem ter tido tempo sequer para perceberem bem o que lhes estava a acontecer.

Guardo-os no coração e penso nas suas famílias.

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

2. Mensagem do editor do blogue enviada à tertúlia:

Paulo: Seria justo publicar o nome dos camaradas que morreram no Quirafo, faz hoje 35 anos... Tens alguma relação ? Vou perguntar à tertúlia... E já agora lançar um desafio: rezar pelos que morreram e perdoar àqueles dos nossos comandantes que cometeram erros graves, é o que nos resta ? ... É a guerra uma das poucas actividades (humanas) onde um comandante pode agir impunemente ?

Na sua velha sabedoria, o nosso povo dizia antigamente dos médicos: "Erros de médico e de calceteiro, a terra os cobre"... Acham que isso que se pode aplicar aos nossos comandantes (milicianos e do QP) na Guiné ? Eis um belo tema para um debate (que, a acontecer, se quer sereno)...

3. Segunda mensagem do Joaquim Mexias Alves (18 de Abril de 2007):

Caro Luís e Paulo:

(i) Acho que era uma homenagem. Eu não tenho a lista.

(ii) Não me parece que na guerra os comandantes tudo possam fazer impunemente. Aliás há casos, julgo eu, de comandantes punidos por incompetência e até por dolo, não só no estrangeiro, mas até na guerra do ultramar.

(iii) A minha vivência cristã leva-me a proceder do modo como referi no mail ao Paulo, o que não significa, que não considere que as acções erradas não devam ser justiçadas punidas. este caso há muitos factores a ter em conta, não só o facto do Lourenço ser miliciano, o que torna o seu comandante bem mais responsável do que ele, mas também outros factores de que poderemos falar em Pombal.

(iv) O perdão que possamos individualmente dar, não invalida de todo o acto praticado, e a responsabilidade no mesmo. O que afirmo, é que se as pessoas em causa ou quaisquer outras que tenham procedido de igual modo, forem conscientes, então a sua consciência lhes pesará pela vida fora, o que já é uma espécie de justiça.

(v) Ainda a meu ver, a falta de perdão, ou melhor o não perdoar, não atenua de modo nenhum a dor da perca daqueles que foram nossos camaradas e colegas de curso, como o Armandino foi em relação a mim e ao Paulo.

Haveria tanto para dizer mas em Pombal, poderemos falar com mais à vontade e tirar lições ou conclusões sobre este e outros assuntos com ele parecidos.

Fico contente, como calculam, pela entrada do Artur Soares (3), e fico à espera dos outros que contactei.

Abraço amigo do

Joaquim Mexia Alves
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)

(2) Vd. posts de:

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)

22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)

(3) Vd. posts de

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1667: Tertúlia: Apresenta-se o Furriel Mil Mec Auto Artur Soares, da CART 3492 (Xitole, 1972/74)

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1607: Artur Soares, ex- Furriel Mecânico Auto, CART 3492, Xitole, 1972/74 (Joaquim Mexia Alves)

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