António Murta, ex-alf mil, 2ª CCaç / BCaç 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)
— Não se sabe mais nada. Houve uma revolução em Lisboa e prenderam os Pides. Não se sabe mais nada.
“...e prenderam os Pides”. O meu coração quase rebentava. A comoção perturbava-me. Chegámos ao quartel e estava tudo na maior confusão, agarrados aos rádios, mas pouco se adiantava. Quis ver e interpretar as caras das pessoas, ver as suas reacções e, de facto, elas eram diferentes, embora a generalidade estivesse radiante. Ainda era cedo para as pessoas se definirem e manifestarem, quer pela sua despolitização, quer pela incerteza dos pormenores dos acontecimentos».
A desinformação era tal, que os acontecimentos só me mereceriam nova referência em 5 de Maio, onde dou conta de ocorrências graves em Bissau: rebentamentos nas ruas, perseguições a Pides e, até, a agressão à esposa de um deles, frente ao Mercado de Bissau, em que a senhora foi completamente despida. A tropa interveio e impediu coisas certamente mais graves. Eram os rumores que iam chegando. (...) (**)
C. Martins,ex-cmdt., 15º Pel Art (Gadamael, 1972/74)
(...) Bem,eu estava em Gadamael,e após fazer a minha ronda higiénica, liguei o rádio em onda curta e percorri as ondas do "éter"..."rádio Habana, Cuba, território libre in America", nada; "rádio Moscovo", nada; "Deutchsvella", nada: "rádio Globo", nada.."BBC.. golpe militar em Portugal, general Spinola, coiso e tal"... O quê ?... Porra,.finalmente!...
Contactei o Sr. comandante H. Patrício, dizendo-lhe que estava a decorrer um golpe militar,e este pergunta se era o nosso General Spínola que estava à frente... E eu..claro que é.. (eram 7 da manhã e eu não fazia a mais pequena ideia)... Ah, sendo assim eu alinho...Boa.
Não houve a flagelação da ordem, já não saiu uma companhia para o mato e o resto continuou tudo como dantes... Apenas troca intensa de mensagens com Bissau, que pouco ou nada sabiam,ou não queriam dizer.
Foi assim o meu 25A.(***)
Joaquim Vicente da Silva, ex- 1º cabo at cav, 3ª/BCav 8323 (Pirada, set1973/set1974
(...) Vou contar a história do violento ataque que sofremos em Pirada, exactamente no dia 25 de Abril de 1974.
No dia 25 de Abril de madrugada, saímos dois pelotões, mais os sapadores. Fomos levantar algumas minas que estavam na picada em direcção a Gabu (Nova Lamego). Regressámos a Pirada por volta das dez da manhã. Participei nesta saída, tínhamos de fazer a protecção aos sapadores.
Eram mais ou menos dez e meia, eu já tinha tomado banho e estava no meu quarto, abrigo nº. 1, deitado em cima da minha cama e ouvi um pequeno estalido. Um colega que estava cá fora sentado num banco, gritou logo:
Naquele dia o PAIGG bombardeou Pirada com muitos mísseis e morteiros, alguns caíram bem perto do local onde eu me encontrava, eu não morri por sorte. A meu lado, morreram três africanos nossos colegas, um míssil caiu-lhes aos pés e cortou-os em pedaços. Nunca tinha visto nada daquilo. Fiquei horrorizado, ainda hoje mexe comigo.
Nós, soldados brancos, não morremos nenhum, porque estávamos bem agachados nas valas ou trincheiras. Vieram juntar-se a nós vários oficiais, incluindo o alferes médico que nos disse para nos espalharmos mais pelas valas porque aquilo estava a ficar feio.
Este bombardeamento durou cerca de duas horas. Nós respondemos com os morteiros 81, os nossos obuses 10.5 e o nosso obus 14 que estava junto à pista de aviação de Pirada. Bajocunda também nos deu apoio de fogo com o obus 14 deles. Foi um inferno. Só se ouviam bombas a voar, outras a assobiar e a rebentar por cima ou perto de nós.
Assim que terminou o ataque, mandaram-nos equipar para sair. Fomos patrulhar em volta de Pirada e encontrámos, para o lado do Senegal, o mato todo a arder, mas felizmente não vimos ninguém do PAIGC. Caiu um míssil na casa de um comerciante branco, de nome António Palhas, que escapou ileso, mas morreram seis africanos que estavam noutro compartimento da casa.
Nesse dia, nós, cabos e soldados, não sabíamos nada do que estava a acontecer cá na Metrópole. Só à noite, através da BBC é que tivemos conhecimento do golpe de Estado. Foi uma grande alegria para todos nós porque pensámos logo que a guerra acabava naquele dia. Festejámos com muitas cervejas.
No dia seguinte na telefonia, começámos a ouvir a Grândola, Vila Morena e outras músicas do Zeca Afonso. A guerra ia acabar, que alegria! (...) (****)
Carlos Costa, ex-fur mil, 2ªC/BCAÇ 4516 /73 (Aldeia Formosa, Mampatá, Colibuia, Canquelifá, Ilone, Canquelifá, Bissau, jul73/set74)
José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op. Cripto, 2.ª CCAÇ/BCAC 4513
Nhala, 1973/74
(**) 15 e abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12988: No 25 de abril eu estava em... (20): No mato, algures entre Nhala e Buba, emboscado, junto à estrada nova que ligava as duas povoações... (António Murta, ex-al mil, 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74)
(****) Vd. poste de 30 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P4106: No 25 de Abril eu estava em... (8): Pirada, a ferro e fogo (Joaquim Vicente Silva, 3ª CCAV / BCAV 8323)
(*****) Vd. poste de 16 dr abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12993: No 25 de abril eu estava em... (21): Nhala... e nessa noite já ninguém dormiu (José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Cripto, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74)
5 comentários:
Despolitização, desinformação... António Murta, infelizmente, era a situação da população em geral no dia 24 de abril de 1974...e a não só dos nossos camaradas da Guiné...
Mas depois houve um tsunami... Os portugueses não queriam mais as múmias que nos desgovernavam, e nos obrigavam a fazer aquela guerra sem solução à vista...
Só foi pena o 25 de Abril não ter sido em 1945, antes de a gente ter nascido...
Obrigado pelo teu testemunho e pela partilha (pública) da tua alegria em 25 de Abril de 1974, em Nhala, lá no cu de Judas...
C. Martins, não há dúvida que a BBC bateu a concorrência. Pelo menos, na nossa "Guinezinha", como dizia a Cilinda...
Já na II Guerra Mundial a BBC batera a concorrência... Num país onde as elites eram germanófilas a começar pelos oficiais do Exército...
Carlos Costa, Carlos Ferreira, Joaquim Vicente da Silva..., o que é feito de vocês, camaradas?
Gostava de vos por na lista dos amigos e camaradas da Guiné, o quadro de honra da Tabacanca Grande.
Olá, venho aqui "à antena" para dar também algum testemunho, principalmente impulsionado pelo que escreveu o Eduardo Estrela quanto a essa coisa de "comissão liquidatária".
Quando acabei a minha comissão, na primeira quinzena de Novembro de 1972, ao despedir-me do meu substituto na função, munido duma fé qualquer que não sei explicar, disse-lhe mais ou menos isto: "é pá, estou muito contente por me ir embora, só tenho pena é que tenhas vindo para a liquidatária e eu não esteja aí nesse momento, pois um ou dois desses gravadores ainda haveriam de ser para mim".... e realmente ele veio para a "liquidatária", já que o 25 de Abril apanhou-o com ano e meio de comissão.
Quanto aos momentos do glorioso dia de 25 de Abril de 1974 fui vivendo de formas diferentes. À data estava a viver na Bobadela e a trabalhar em Setúbal.
Apanhei o comboio cedo e fui até Santa Apolónia. Naturalmente que dali até ao Terreiro do Paço apercebi-me e vi o que se estava a passar. Por essa ocasião, e por algumas coisas que ia sabendo, intuí o que eram e quem eram as tropas que estavam no terreno, mas não dava ainda para saber qual seria o desfecho.
Era cedo, apanhei o barco para Cacilhas, tomei depois a camioneta para Setúbal e aqui chegado apanhei outro transporte para a Sapec onde tinha começado a trabalhar em Fevereiro.
Entretanto, pelo caminho encontrei um camarada que esteve no meu pelotão de instrução em Santarém e que ia trabalhar para a Setenave e dei-lhe conta do que entendi doo que se passava.
Naturalmente, os acontecimentos eram a motivação de todas as atenções e assim, a seguir ao almoço, meti despensa e vim para Lisboa a tempo de estar no Largo do Carmo aquando da saída ca chaimite com o deposto Marcelo.
Depois.... bem, depois foi o natural turbilhão de emoções.
Hélder Sousa
Hélder, vou por isto na "montra grande" do blogue, nunca tinhas partilhado connosco estas tuas boas memórias...
Enviar um comentário