Queridos amigos,
Atenda-se que Francisco António Marques Geraldes é figura nossa conhecida pelo seu valoroso comportamento militar em Geba; o relatório de que aqui se retiram largos extratos é datado em 1 de janeiro de 1886, meses depois, oficialmente, toda esta região foi entregue à França, em nenhuma circunstância se ouviram quer os portugueses que aqui residiam quer as autoridades gentílicas, daí o clamor de protesto que demorou a extinguir-se. Devido à cobiça francesa, o corpo estranho da região do Casamansa no todo da superfície do Senegal nunca se conformou com a identidade imposta, daí as escaramuças a que de vez em quando a imprensa faz menção. E, sem qualquer margem para dúvidas, este é o derradeiro relatório que conservamos sobre Ziguinchor.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, o importante relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, Marques Geraldes, 1887 – 1 (13)
Mário Beja Santos
Tenho a declarar que o documento mais relevante que encontrei no Boletim Official, ao longo deste ano de 1887, excluindo o chamado bilhete de identidade do que é hoje a Guiné-Bissau, prende-se com o relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, uma figura já nossa conhecida, Francisco António Marques Geraldes, que conseguiu desbaratar as hostes de Mussá Moló. É um documento de grande significado histórico, que nos ajuda a compreender as reações de repúdio da população de Ziguinchor quando se soube que o Governo português entregara de mão beijada toda a região do Casamansa, ninguém ignorava que os portugueses ali negociavam há séculos, o presídio de Ziguinchor era antiguíssimo. Marques Geraldes elaborou o seu relatório com referência a 1 de janeiro de 1886, o relatório será publicado a partir de 25 de junho de 1887, permito-me destacar largas passagens, já que lhe confiro grande importância até para o entendimento do que é hoje a questão do Casamansa e a sua tendência separatista, creio para não exagerar que alguma das motivações profundas podem ser entendidas à luz deste documento.
Dá-se a palavra a Marques Geraldes:
“O descobrimento do rio Casamansa pelos portugueses remonta a uma época muito antiga posto que inserta, apesar de alguns quererem dizer que foi Gonçalo Gambôa o seu primeiro descobridor, em 1640. Nota o visconde de Santarém que um mapa de África feito por Hondins, e publicado em Paris em 1609, já apresenta um estabelecimento nosso no rio Casamansa; e que num outro Bertins, publicado em 1640, acha-se na parte concernente a este rio, empregada a palavra Guião, palavra como é sabido, muito usada pelos portugueses no século XV, como emblema de autoridade, e copiada textualmente por aquele sábio de um antigo mapa no qual dava o pavilhão das quinas como o único aqui existente. O nome deste rio vem, segundo os escassos dados que tenho à vista, de um rei dos Banhuns chamado Casamansa, que ao tempo do seu descobrimento governava estes pontos. Diz-nos Álvares de Almada que os portugueses viviam em plena segurança na Corte deste rei e é de crer mesmo que fosse este o primeiro ponto escolhido deles para se estabelecerem, visto encontrarem aí proteção que noutra qualquer parte seria menos segura.”
E, mais adiante:
“Nos primitivos tempos do seu descobrimento, eram os Banhuns quase os únicos habitantes destas paragens. As dissidências que mais tarde se levantaram entre eles chamaram a atenção dos Felupes e Mandigas, vindos do interior, que pouco a pouco os foram dizimando, achando-se, pois, o rio ocupado pelas seguintes raças: margem direita, Felupes e Mandigas; margem esquerda, Felupes, Banhuns e Balantas.” Descreve com detalhe o modo de vida dos Banhuns, as suas crenças, a sua agricultura, a sua religião, a riqueza do território, o comércio da escravidão e passa a comentar ao pormenor o presídio de Ziguinchor:
“Está este presídio situado na margem esquerda do rio Casamansa, em terra de Banhuns e distante da barra aproximadamente 25 milhas. A sua posição comercial é das mais vantajosas, pois comunica pelo interior com o rio Bujetó ou Lala, que vai desaguar em S. Domingos, estando, além disso, em constante relação com as possessões francesas de Selho e Carabane. A posição do presídio à beira-mar é numa pequena elevação, torna este ponto de linda perspetiva para quem vem de fora. A povoação é cercada por uma estacada de pau-ferro, acabando os seus dois extremos na margem do rio.”
Refere o património habitacional, dizendo abertamente que as casas estão em más condições, quem habita no presídio, o estado degradado em que se encontra a igreja e refere-se assim aos Grumetes da Senegâmbia Portuguesa:
“São estes os mais dóceis, muito amigos da terra que os viu nascer e fiéis respeitadores da autoridade. São quase todos de origem Banhum, mesclada com a Felupe, falando o dialeto crioulo, miscelânea do antigo português corrompido com a linguagem dos Banhuns e Felupes.”
Alude à natureza da alimentação, a abundância de peixe e tem uma nota trocista sobre o comportamento dos Grumetes:
“No princípio das chuvas os Grumetes que estão fora recolhem a fim de se proceder aos trabalhos que o cultivo do arroz exige. Em novembro, isto é, logo em seguida à colheita daquele cereal, parte deles lã vão outra vez a caminho da Goreia ou da Gâmbia, onde se empregam como marinheiros a bordo das embarcações costeiras. A sua principal missão consiste em aparecerem depois da sua terra, vestidos de ponto em branco, badine em punho, percorrendo as ruas três ou quatro dias consecutivos com pasmo de todos os seus companheiros. Em seguida, é arrecadada a roupa dentro da mala, de onde não torna a ver a luz do dia, senão para ser vendida por menos de metade do seu valor para ocorrer a qualquer necessidade do momento.
A mulher, como na maior parte dos povos de África, vive num estado quase completo de abjeção e é sobre ela que pesam todos os trabalhos domésticos. É para admirar que, achando-se estes Grumetes prontos a auxiliar o Governo em qualquer expedição que pretenda fazer, tenham, contudo, horror ou ódio pela vida militar, naturalmente devido à sujeição que ela impõe. A lembrança de um recrutamento levaria quase todos a fugir para o território gentílico, onde têm parentes e amigos, sendo certo que todos, sem exceção falam os dialetos Banhuns e Felupe, com a mesma perfeição que o crioulo. O Grumete é meio termo entre o cristão e o gentio.”
Marques Geraldes volta agora a sua atenção para o que existe no interior do presídio. “Existem neste presídio duas repartições públicas; a do chefado e a delegação fiscal, que começou a vigorar por proposta minha no ano de 1882 e informação do respetivo diretor da alfândega de Cacheu. Qualquer das duas repartições funciona em casas particulares, sendo a da delegação fiscal bem pouco em harmonia com o fim a que se destina.” Depois dá pormenores sobre estas habitações e a escola, refere que a igreja “é o único edifício público que aqui temos e esse mesmo em miserável estado, vergonhoso até, se nos lembrarmos que este ponto está continuamente a ser visitado pelos estrangeiros. É de barro coberta de palha; as paredes tanto interior como exteriormente nunca foram rebocadas; o altar está em decoroso e os santos, pelo seu péssimo estado, mais provocam o riso do que devoção. Os ornamentos estão todos danificados pela bagabaga. Este edifício foi erigido há perto de 20 anos a expensas do povo e por ele tem sido reparado todos os anos.”
Mapa muito antigo onde se revela que o território da Guiné era, segundo o cartógrafo, parcela integrada do que se chamava a Etiópia Anterior, aparecem ali designações como Senegal e Terra dos Negros
Ziguinchor nos tempos modernos
Os Fijus di Terra, na região do Casamansa, que 500 anos depois da chegada dos portugueses, não se identificam em pertencer ao Senegal(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 27 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26202: Historiografia da presença portuguesa em África (454): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (12) (Mário Beja Santos)
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