Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 27 de maio de 2019
Guiné 61/74 - P19833: Notas de leitura (1181): “Colóquio sobre Educação e Ciências Humanas na África de Língua Portuguesa”, Fundação Calouste Gulbenkian (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2016:
Queridos amigos,
Num dado momento histórico de completa incerteza sobre os rumos da independência das antigas colónias portuguesas, a Fundação Calouste Gulbenkian pôs um punhado de investigadores altamente qualificados a pensar sobre o futuro da lusofonia, do ensino da língua, da revitalização dos arquivos e da cooperação científica. Infelizmente, um grande número de propostas não teve sequência, mas é bom que se saiba que o ponto de situação sobre o funcionamento da investigação científica ultramarina apresentada pelo comandante Teixeira da Mota era mais positivo do que negativo. E nenhum estudioso das ciências humanas e sociais na África lusófona pode deixar conhecer este ponto de situação e o acervo da bibliografia então existente e aqui plasmada em publicação.
Um abraço do
Mário
O papel da lusofonia na aurora da descolonização (2)
Beja Santos
Entre 20 e 22 de Janeiro de 1975, enquanto a classe política entrava ao rubro com a questão da unicidade sindical, na Fundação Calouste Gulbenkian reuniam-se pesos pesados da investigação africana para debater o futuro da lusofonia no ensino, o que se iria passar no sistema educativo nos novos países de língua portuguesa, quais as contribuições portuguesas para as ciências humanas em África, quais as perspetivas que se rasgavam para cooperar no campo do ensino com a África lusófona. A Fundação Gulbenkian convocara um grupo seleto para o debate. Por parte da Fundação estavam Victor de Sá Machado, José Blanco, Luís de Matos, Mário António, Fernandes de Oliveira, o Embaixador Fernando Reino representava o Ministério da Coordenação Interterritorial. Os participantes eram, entre outros, Orlando Ribeiro, Ilídio do Amaral, Teixeira da Mota, René Pélissier, Douglas Wheeler, Albert Tévoédjrè e Gerard Bender. Daí resultou um livro editado em 1979 “Colóquio sobre Educação e Ciências Humanas na África de Língua Portuguesa”. Já se falou do português fundamental, dos manuais escolares adaptados à especificidade de cada um dos novos países, ao ensino bilingue e de diferentes línguas nativas, com relevo para o crioulo, abordou-se o que sobre esta matéria de línguas africanas se fazia em institutos portugueses até 25 de Abril, o debate continuou sobre o ensino das ciências humanas orientado para as problemáticas africanas e nesse sentido foi feita uma detalhada apresentação das atividades da Junta de Investigações do Ultramar, os participantes fizeram comentários sobre como podem as instituições portuguesas cooperar no ensino e na cultura africana, fez-se mesmo o ponto de situação das universidades de Angola e Moçambique.
Respondendo a certas críticas que René Pélissier apresentou sobre as bibliotecas e arquivos portugueses, o então Comandante Teixeira da Mota deu conta do trabalho em curso, a pedido do governo, para o estabelecimento de uma nova atuação de todos os organismos na órbita da Junta de Investigações do Ultramar. E quanto aos arquivos portugueses comentou:
“Verifico que o Centro de Estudos Históricos Ultramarinos tem estado a publicar colecções de documentos e não vejo fazer isso nem na Inglaterra, nem na Holanda. Talvez a política do Centro de Estudos Ultramarino esteja errada. Tenho dito isso ao senhor director, Padre Silva Rego. Por exemplo, publicaram em 9 ou 10 volumes os documentos de um fundo importante da Torre do Tombo. Publicaram na íntegra todos os documentos que têm interesse ultramarino. Esse fundo das gavetas, no estado actual da Torre do Tombo, é o produto de muitas misturas ao longo dos tempos e também consequência do terramoto de há mais de 200 anos. Esse critério afigura-se-me que não é o mais apropriado. Julgo que, antes de mais, interesse ter os documentos em ordem e procurar fazer guias ou catalogar e não publicar (…) Quanto à catalogação de certos arquivos, no que respeita ao Arquivo Histórico Ultramarino, eu creio que as coisas não estão muito mal na medida em que o grosso da documentação que está nesse arquivo, encontrava-se no princípio do século em montes no Ministério da Marinha e Ultramar. Não será pedir demais aos arquivos e às entidades portuguesas, quando eu vejo que não se fizeram coisas semelhantes noutros países?”.
Mais adiante, deu esclarecimentos sobre estudos desenvolvidos sobre a história pré-colonial:
“Em 1972, realizou-se em Londres a Conferência de Estudos Mandingas, e foi para mim uma surpresa verificar que apareceram nove ou dez trabalhos de pessoas de diferentes nacionalidades sobre o Reino do Cabo que é considerado hoje como o mais importante Estado Mandinga depois da queda do império do Mali. Este Reino do Cabo está dividido politicamente pela Guiné-Bissau, pelo Senegal e pelo Gâmbia… Creio que este trabalho sobre o Reino do Cabo é muito importante e até talvez pudesse ser um modelo de trabalho de colaboração internacional, porque não há apenas a recolha da tradição oral, há a possibilidade de completar a tradição oral com documentação europeia, que existe em várias línguas”.
No final do colóquio, o professor Orlando Ribeiro ensaiou um punhado de conclusões sobre a orientação do ensino do português, a orientação do trabalho científico e a necessidade das instituições académicas já existentes em países africanos de língua portuguesa se reestruturarem para corresponder às condições locais. Noutra vertente haveria que criar condições para que a organização de inventários, de catálogos, de bibliografias, existentes nos novos países independentes se tornem acessíveis não só os centros culturais portugueses como e sobretudo em todos os países estrangeiros onde se investiga a história africana; embora não tivesse comparecido nenhum estudioso brasileiro ao colóquio, não deixou de se fazer menção a uma série de colóquios de estudos luso-brasileiros e à bibliografia existente que tem sido publicada sob os auspícios da Fundação Gulbenkian.
Este colóquio, visto à distância de mais de 40 anos permite aos interessados a consulta de papéis singulares. Ilídio do Amaral apresentou tópicos para a discussão com o título “Em torno de problemas sobre as ciências sociais e humanas na África lusófona”. Orlando Ribeiro fez distribuir documento “Décolonisation, enseignement et recherche scientifique”; Teixeira da Mota apresentou o seu documento, à luz das incumbências que o governo português lhe empossou na coordenação de um grupo que tinha como missão apresentar uma estrutura moderna para as investigações científicas no antigo império, e com o título “Algumas actividades de organismos de investigação sediados em Portugal", no domínio das ciências humanas e sociais, de âmbito africano. Para os historiadores e investigadores é do maior interesse o documento apensado às atas do colóquio com o título “Bibliografia da Junta de Investigações Científicas do Ultramar" sobre ciências humanas e sociais.
____________
Notas do editor
Poste anterior de 20 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19807: Notas de leitura (1179): “Colóquio sobre Educação e Ciências Humanas na África de Língua Portuguesa”, Fundação Calouste Gulbenkian (1) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 24 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19821: Notas de leitura (1180): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (7) (Mário Beja Santos)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário