sábado, 1 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19846: Os nossos seres, saberes e lazeres (329): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
Penúltimo dia de viagem, o viandante anda bisonho, tinha ambicionado visitar lugares muito belos como Gloucester, que tem uma catedral fabulosa, Cheltenham e Cirencester, Wantage, o tempo não estica, acertou-se em dois destinos de culto: Burford, uma cidadezinha medieval encantadora e que tem uma igreja sem rival, e Kelmscott Manor, a casa de verão do genial William Morris, o fundador da Arts & Crafts.
Aqui está Burford, as imagens não desmentem o propagandeado, o tão enaltecido património, tudo num brinquinho. Sempre que visitar a região os seus anfitriões sabem que o viandante é guloso por aqui voltar. Diga-se de passagem que com quem ele viajou saiu daqui radiante e com uma enorme vontade de regressar, mal haja circunstância.

Um abraço do
Mário


No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (7)

Beja Santos

Em nenhuma circunstância, insista-se: em nenhuma circunstância, o viandante perde a contemplação de um espaço cemiterial. E porquê, alma lúgubre, acesso de morbidez, hipocondria de ultrarromantismo? De modo algum, é a serenidade, o sentir-se que há uma resposta ao chamado eterno repouso, nada do espalhafato em que ombreiam os latinos, o defunto jaz numa atmosfera de placidez, é como se a natureza se conjugasse para criar um espaço de concórdia, uma sala de conversa entre os vivos e os mortos, com mais ou menos ciprestes, o chilreio das aves, um reencontro sem dramatismo. Imagem tirada de manhã, em Faringdon, daqui a pouco viandante e companha partem para Burford, uma joia do Condado de Oxford.


E no passeio a pé, contíguo ao velho mercado dos cereais, em estilo neogótico, funciona uma charity shop, não é uma loja de caridade, é um estabelecimento em que uma causa de interesse público recebe donativos em roupa, tralha variada, brinquedos, discos, filmes, livros e tudo mais, ali dezenas de milhões de britânicos vão procurar pechinchas e ajudar os outros. Nunca o viandante percebeu como este entendimento social é impraticável aqui no burgo, há assim uns arremedos, caso do Algarve, mas é uma inovação solidária ainda em desuso. E bom seria que assim se mitigassem algumas formas de desigualdade social dando mais valor aos euros que temos no bolso.


Outra prática que é socialmente estimulante: venha aqui à velha cabine telefónica dentro do horário afixado, ofereça livros ou troque-os, o importante é que leia, traga as crianças, assim lhes desperta o hábito. Recicla-se uma velha cabine telefónica, é como se fosse arte urbana, diga-se de passagem que tem um desenho que parece destinado à eternidade, e em vez de uma biblioteca itinerante onde houve um telefone há muitos tesouros em livros.


Burford deve ter sido uma cidade muito rica, mantém o seu pitoresco como porta de entrada das Cotswolds, era próspera nos negócios de lanifícios já na Idade Média, hoje é um local turístico onde a igreja é de visita obrigatória, e já vamos ver porquê.



É um monumento do século XII, obviamente com muitas alterações, veja-se a beleza desta face lateral, a sua belíssima torre, depois uma capela transformada, dá rapidamente para entender que aqui há uma marca de água normanda, como no interior se irão encontrar adições do século XV em diante. Ora acontece que os sinos repicavam e por ali passou cortejo e súbito irrompem damas de honor empunhando raminhos de flores, impunha-se captar a festividade, pediu-se licença, ela foi dada, que todos sejam muito felizes enquanto o amor durar.


É um carro mítico, a Grã-Bretanha imperial é ininteligível sem este bólide de luxo, o Rolls-Royce inundou o império, foi apetecido por marajás, multimilionários, Reis, Presidentes da República, Primeiros-Ministros, continua a ser suficientemente impressionante para se conjugar na plenitude com um casamento onde se pretende dar um toque de distinção. E fica bem na fotografia, pois então.





Burford é para descer e subir, da cidadezinha é tudo aparentemente plano, mas os cafés, as antiguidades e galerias de arte, restaurantes e negócios de toda a sorte são para percorrer subindo ou descendo até ao rio Windrush. Impossível não captar algumas imagens destas atividades turísticas, irresistível, impensável não haver vendas de bilhetes-postais, uma forma de comunicação obrigatória para os valores britânicos: para dar parabéns, para anunciar que nasceu uma criança, para perguntar se pode passar lá uns dias em pernoita, para desejar boas festas, a indústria de bilhetes-postais atinge delírios até nas tiradas do humor, pensa o viandante que nenhum outro povo exacerba este culto como o britânico.



Burford tem muito para ver, parece provado, agora viandante e companha vão amesendar, segue-se a visita a um belíssimo templo que é a Matriz de Burford, vamos todos visitá-la e usufruir da sua beleza. O leitor que se prepare.


(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 25 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19823: Os nossos seres, saberes e lazeres (327): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (6) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19842: Os nossos seres, saberes e lazeres (328): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte VII: o socialismo, a amizade entre os povos, o internacionalismo proletário, a beleza da mulher chinesa, a bruxa de Nanquim, o maldito e tão amado patacão do Tio SAM... e as"Kalash", "made in China", que matavam os meus camaradas de armas no CTIG...

1 comentário:

Anónimo disse...

Ao fazer cerca de 51 anos sobre a retirada de Beli, aproveito aqui para transcrever.

TRANSCRIÇÃO DO EMAIL QUE ME FOI ENVIADO PELO MEU AMIGO E CAMARADA JOSÉ LOUREIRO:

Caro Teixeira, Beli, a sua história e a BALADA. O meu pelotão da C.Caç.1790 chegou a Béli em 10-2-68.
Como te disse, conheci a Balada ainda em Nova Lamego em 30-1-68.
Transcrevo do meu diário:
"Quando me dirigia para o bar de Oficiais, um Furriel, mostrou-me uma balada muito especial. Intitulava-se «BALADA DE BÉLI». É obra de antigos soldados de Béli.



Passo a Transcrevê-la:


Voam forte, fortemente
Provocando alvoroço
Metralha de outra gente
Que pretendem certamente
Estragar-nos o almoço


Fui ver...
As morteiradas caíam
Do azul cinzento do céu
Grandes, negras, explodiam
Como elas se moviam
Mas que barulho, meu Deus


Fico olhando esses sinais
Deixados pela tormenta
E isto por entre os mais
Buracos descomunais
Dos impactes do oitenta


Com potente vozear
Essas armas falam forte
O canhão a metralhar
Propõe-se a enviar
Sua mensagem de morte


É uma infinita tristeza
No coração é inverno
Cai chumbo na natureza
Tornando BÉLLI um inferno


Será talvez um tornado
Mas ainda há pouco tempo
Nem as chapas do telhado
Mesmo o desconjuntado
Se moviam com o vento


Olho atrás da seteira
Está tudo acinzentado
Elas caiem e que poeira
Levantam à nossa Beira
Felizmente mais ao lado


Inesperado - Cortante
Eis que Ribomba o Canhão
Apesar de estar distante
Com a sua voz troante
Vem espalhar a confusão


Que quem é já terrorista
Sofra tormentos... Enfim!
Mas estas tropas, Senhor
Porque lhes dás tanta dor
Porque padecem assim [«Eles»]



É esta a minha futura morada e que perspectivas Senhor.
Mas enfim, com calma e a Vossa Ajuda, tudo se vencerá."
Assim termino Caro Amigo Teixeira.
Béli foi abandonado em 17-6-68.
Um forte abraço.
José Loureiro


VIRGILIO TEIXEIRA