sexta-feira, 10 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25504: Notas de leitura (1690): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Até ao momento o Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde não nos trouxe nada de retumbante ou, pelo menos, de inédito, sobre a Costa da Guiné, Possessões da Guiné ou Estabelecimentos de Cacheu e Bissau; é um Boletim Oficial que hoje seria inadmissível, tem noticiário jornalístico, folhetins românticos, artigos de cultura geral, tudo à mistura com receitas alfandegárias, nomeações no arquipélago, o papel dos padres, nomeações e aposentações. Já estamos em 1853, vivemos numa atmosfera de Regeneração, o Duque de Saldanha já expulsou do Governo Costa Cabral, entrou em funções Fontes Pereira de Melo; aqui se fala da criação do Governador da Guiné (dependente do Governo Geral de Cabo Verde), este Governador-Geral visitou a Costa da Guiné e parece que veio de lá muito satisfeito, temos informações sobre escravos que não podem ir de Farim para Cabo Verde, há um pedido de isenção de direitos da Casa Nozolini Júnior & C.ª; um aspeto que não deixa também de chamar à atenção é o pedido (certamente formulado pelo Rei D. Fernando II) de exemplares zoológicos, mineralógicos e botânicos da Guiné para serem incorporados nos Museus do Reino. E vamos continuar a pesquisar.

Um abraço do
Mário


Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 a 1853) (2)


Mário Beja Santos

Dando continuidade à leitura do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, procurou-se informações sobre a Costa da Guiné ou os Estabelecimentos de Cacheu e Bissau nos anos 1852 e 1853. Reina em Portugal Dona Maria II por Graça de Deus, Rainha de Portugal e dos Algarves, Daquém e Além-mar em África, Senhora da Guiné, e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Pérsia, Arábia, e da Índia, etc. Não é demais salientar que as notícias alusivas ao que chamamos Guiné são residuais, avultam as receitas alfandegárias, é um Boletim Oficial que insere folhetins amorosos, a viagem de Dona Maria II e família ao Minho, calorosamente recebidos e poupados por um incêndio devastador, há artigos de erudição sobre a temperança, o que se cultiva na Sibéria, o valor das florestas, ficamos inclusivamente a saber que a Rainha Vitória foi agredida à porta da residência por um alferes que lhe deu uma paulada, a monarca escapou por um triz, graças ao chapéu. A leitura promete, folheia-se com paciência a ver quando a Guiné entra em cena.

Permito-me ir um pouco atrás, estamos a 18 de maio de 1850, ficamos a saber que a Rainha pretende incorporar nos museus do Reino alguns exemplares zoológicos, mineralógicos e botânicos que se possam encontrar nas Possessões da Guiné, bem como em Cabo Verde. E manda criar nas Praças de Bissau e Cacheu comissões que procedam a tal levantamento, no caso de Bissau a comissão era constituída pelo Governador, Carlos Maximiliano de Sousa, acompanhado por três vogais, o cirurgião António Joaquim Ferreira e Caetano José Nozolini e João Severiano Duarte Ferreira; quanto a Cacheu, a comissão era constituída pelo Governador, José Xavier Crato, e por três vogais, um deles Honório Pereira Barreto. Eram dadas instruções para a colheita, acondicionamento e transporte dos produtos e exemplares dos três reinos da natureza, tudo muito bem explicadinho, como se exemplifica: Os minerais podem ser em pó, ou em fragmentos, que facilmente se estorroam e desfazem, como certas argilas, alguns gessos, etc.; ou podem ser cristalizados, ou sem forma regular e duros, ou finalmente impressões, ou pedaços de impressão, a que vulgarmente se chamam petrificações de substâncias animais e vegetais.

Em 9 de novembro desse mesmo ano de 1850 vamos ter referências a escravos e à escravatura. João Bento Rodrigues Fernandes dirigira-se à Rainha pedindo para transportar para Cabo Verde novos escravos que herdara em Farim do seu falecido filho, alegava que o filho vivera cinco anos em Farim, e que ele estava habilitado para trazer os ditos escravos, de acordo com a lei; mas que tendo sido objeto tratado em Conselho de Governo, este fora de parecer que se bem que o suplicante herdasse os bens do seu filho não podia herdar a faculdade que este tinha como colono para gozar o benefício da lei. Era por esta razão que o governador-geral pedia instruções; a Augusta Senhora mandou que o assunto fosse tratado na Secretaria de Estado respetiva, e dava-se agora a informação que o dito João Bento Rodrigues Fernandes não gozava da faculdade de transportar quaisquer escravos de Guiné para o arquipélago, a lei não permite bem como o tratado celebrado com a Grã-Bretanha, pretende-se acautelar o tráfico ilícito de escravatura.

Assunto curioso que prendeu a atenção, um pedido endereçado pela empresa Nozolini Júnior & C.ª, pretende-se isenção de diretos sobre máquina que possam ser importadas na Praça de S. José de Bissau para uso na agricultura, caso de um moinho para descascar arroz que tem de ser construído na Bélgica; mas pedia-se outras isenções, caso da telha de barro portuguesa. O Governador determinou que até a monarca decidir o contrário que se podia importar estes materiais estrangeiros, e estabelecia-se mesmo que se pagariam direitos de acordo com uma determinada fórmula.

Estamos agora em dezembro de 1852, o Boletim Official publica o decreto em que cria o lugar de Governador da Guiné para dar maior regularidade ao serviço administrativo da Possessão, reprimir abusos, para que possa prontamente mandar os convenientes socorros a qualquer ponto que os precise ou repelir ataques dos povos vizinhos. O Governador da Guiné Portuguesa gozará de uma autoridade que se estenderá a todas as Possessões portuguesas da região, ficando sujeito ao Governador-Geral da Província de Cabo Verde; o Governador residirá habitualmente na Praça de Bissau, mas deverá visitar a Praça de Cacheu não menos de duas vezes no ano; na falta, ausência ou impedimento do Governador da Guiné tomará o Governo da Guiné o Governador da Praça de Cacheu. Ficamos a saber, também em dezembro de 1852, que o Governador-Geral de Cabo Verde regressou da Praça de S. José de Bissau. “Durante a sua estada, depois de ouvidos os principais negociantes dela, e o Comendador Honório Pereira Barreto, que o mesmo Ex.mo Sr. mandou ir de Cacheu, tomou várias medidas tendentes à segurança de Bissau, à proteção do comércio e à organização da alfândega, que se achava reduzida a um único empregado, e esse mesmo doente. Teve a satisfação de ver em grande estado de adiantamento o belo edifício destinado para quartel dos oficiais da guarnição, e recebeu propostas para a construção da casa da alfândega, de uma casa para ampliar o Hospital Militar da Praça, e do prolongamento ou conservação do cais ou ponte de madeira já ali existente, sem que a Fazenda Pública tenha de adiantar algum dinheiro, nem sofra gravame dos seus rendimentos. A reparação do Forte de S. Belchior, que domina a navegação do rio Geba, pelo qual se faz quase todo o comércio da praça, ficou também em grande estado de adiantamento, e sua Ex.ª ordenou que finda a subscrição feita para a mesma reparação, se continue a obra com dinheiro da Fazenda; assim como se proceda o quanto antes aos consertos de que careciam os Fortes do Pidjiquiti, a tabanca e a paliçada que defende a população. Para Cacheu autorizou S. Ex.ª a construção imediata de uma muralha de pedra e cal, que substitua a dispendiosa paliçada que unia dois dos redutos da Praça, a fim de que a Guarnição e os habitantes se possam considerar seguros. Aprovou a pronta construção das obras do Quartel Militar. O Sr. Governador-Geral veio extremamente penhorado da nobre dedicação que achou nos sobreditos negociantes, nos quais reconheceu o maior desejo de auxiliar o Governo da Província, na sua gostosa tarefa de levantar aquele Estabelecimento do estado de abatimento em que tem estado até agora.”

Encontramos no Boletim Oficial, com data de 24 de janeiro de 1853, o apelo a donativos para socorrer os necessitados habitantes da ilha da Madeira. E com data de 10 de fevereiro desse ano está criado o lugar de Governador da Guiné.

Vista antiga de Cacheu
Rainha Vitória com o marido, o Príncipe Alberto, e alguns filhos
Estátua de Honório Pereira Barreto na Bissau colonial
Imagem do século XIX de Vila da Praia
(continua)
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Notas do editor:

Primeiro post de 3 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25474: Notas de leitura (1688): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 6 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25487: Notas de leitura (1689): Não há tesouro literário como este na Guiné-Bissau: uma criança, uma guerra, uma bicicleta (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Valdemar Silva disse...

"...mas pedia-se outras isenções, caso da telha de barro portuguesa. O Governador determinou que até a monarca decidir o contrário que se podia importar estes materiais estrangeiros, e estabelecia-se mesmo que se pagariam direitos de acordo com uma determinada fórmula."
Isto passou-se em 1850.

Agora, no regresso do fim da comissão, em 19 de Dezembro de 1970, quando eu e os fur.mil. Abílio Duarte, Pais de Sousa e Manuel Macias fomos levantar as nossas malas que vieram connosco de avião, fomos surpreendidos na passagem pela polícia na saída com um 'então o que é que trazem nas malas?'.
São umas prendas pra família e umas garrafinhas de whisky para oferecer aos amigos e para se ir bebendo, respondemos.
Mas são quantas garrafas, perguntou um dos policias.
Eu trago 5, o Duarte 12, o Pais 10 e o Macias 6, foi a nossa resposta.
Tivemos que abrir as malas, com os polícias admirados com tantas garrafas de bioxene e a dizer 'agora vão pagar direitos de todas essas garrafas'.
O Duarte atacou com 'essa é boa, pagar direitos, então a Guiné não é Portugal? Andamos lá a dar o corpinho e não podemos trazer umas garrafas que juntamos?'
Como já estávamos a falar alto, os policias ficaram nervosos e chamaram o sr. doutor responsável.
Pois, a Guiné é Portugal mas as mercadorias lá adquiridas pagam direitos, respondeu calmamente o doutor e evitando dar nas vistas a outras pessoas que estavam a chegar.
Ó sr. doutor isto é o mesmo a que nós comprássemos as garrafas no Algarve, respondi eu.
E acrescentei, tenho pena não estar aqui o sr. doutor .....,(que eu conhecia) e o assunto era resolvido.
Ah! você conhece o sr. doutor .....? Venham aqui ao gabinete para tratarmos do assunto.
Bom, as garrafas vão levar com um carimbo da alfandega e vocês vão pagar 2$50 por cada uma, disse ele.
E foi arranjar um livro por estrear para passar as "facturas" dos direitos das garrafas.
Já não me recordo bem de quanto pagamos e de umas bocas que o demos aos policias internacionais e de defesa do estado, que ficaram a olhar para nós apanhados pelo clima.

A Guiné era uma Província Ultramarina de Portugal mas quem lá comprasse mercadorias tinha de pagar direitos como se fosse no estrangeiro, o que afinal era praticado por se tratar de uma colónia como em 1850.

Valdemar Queiroz

Eduardo Estrela disse...

Pois no final de março de 1971 quando cheguei a Lisboa a bordo do Manuel Alfredo, em viagem não militar, eu e mais três camaradas da minha companhia tivemos o mesmo problema. Veio o doutor da alfândega, pretendia recolher verba de direitos alfandegários mas.....
discutimos educadamente, batemos o pé e nada pagámos Valdemar.
Abraço e .... " Saúde da boa "
Eduardo Estrela

Valdemar Silva disse...

Estrela, mas o mais interessante, e que explicamos, as garrafas foram compradas na cantina da minha CART11, que normalmente recebia encomendas de bioxene do bom, e não num estabelecimento comercial.
E até uma marca, que não me recordo, tinha escrito em português 'engarrafado para as forças armadas portuguesas, salvo o erro.
O Abílio Duarte ainda refilou ao 'não pagam fica tudo apreendido' respondendo com um 'nesse caso partimos já as garrafas', que o sr. doutor ficou zangado e disse 'isso seria uma grande ofensa para a polícia', foi quando eu entrei com a do doutor meu conhecido.


Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz