quarta-feira, 21 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24421: Historiografia da presença portuguesa em África (373): O problema dos transportes na Guiné, um olhar e sugestões de um engenheiro de pontes, princípio da década de 1950 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Nada me fora dado ler nesta visão de articular transportes rodoviários com marítimos, o engenheiro Barahona de Lemos trabalhou na Guiné e a mim deixou-me uma recordação do seu trabalho, as pontes que ligam Bambadinca a Amedalai, que aqui se mostram. Quando o PAIGC flagelou Bambadinca em 28 de maio de 1969, tentou dinamitar um dos pontões, abriu brecha mas continuou ao serviço. Bem me surpreendeu a imagem de Bissalanca no início da década de 1950, neste tempo a TAP ainda não chegava a Bissau, a viagem para o interior da Guiné exigia ir a Paris e daqui apanhar avião para Dacar, e depois de automóvel para o interior da colónia. Foi o trajeto que utilizei no meu romance "Mulher Grande", ela vai casar a Varela exatamente neste tempo e bem se agoniou entre Paris e Dacar. A outra surpresa são as imagens de Bolama anteriores a 1935, nunca tinha visto tais imagens, é para mim gratificante que fiquem no nosso indispensável histórico acervo fotográfico, para uso de quem ama a Guiné, poder olhar para um passado e para um património que ficou derruído.

Um abraço do
Mário



O problema dos transportes na Guiné, um olhar e sugestões de um engenheiro de pontes, princípio da década de 1950

Mário Beja Santos

Consultando a publicação Estudos Coloniais, Revista da Escola Superior Colonial, volume III, 1952, fascículo n.º 3, encontrei um artigo do engenheiro Humberto Luís Barahona de Lemos intitulado "O problema dos transportes na Guiné – Sua importância". Na administração colonial, a década de 1920 corresponde ao período em que houve um intenso debate acerca da questão fundamental de que a ocupação e a exploração de riquezas exigiam infraestruturas rodoviárias e portuárias. Não escapámos à pertinência dessa discussão, embora no caso vertente da Guiné não houve impacto, o orçamento da colónia contemplava expressamente arranjos portuários, na generalidade dos casos de pouca monta e a conservação das estradas de terra batida.

Sarmento Rodrigues é o governador que lança empreendimentos de maior gabarito e o seu continuador, Raimundo Serrão, concluiu diferentes iniciativas e pôs em marcha outras. Encontrei na revista "Ecos da Guiné" imagens como a ponte entre Bambadinca e Xime, que acabou por ter uma importância crucial no decurso da guerra, houve a tentativa de a fazer explodir, em 1968, e então, para sua conservação, criou-se um posto de vigilância que tinha o nome pomposo do destacamento da ponte sobre o rio de Undunduma, o Luís Graça também por lá penou.

O engenheiro Barahona de Lemos andou pela Guiné a fazer o estudo de pontes, agradece o apoio que recebeu do engenheiro Carlos Krus Abecassis, alto funcionário público, espraia-se sobre considerações genéricas, diz que a Guiné portuguesa é do ponto de vista agrícola fértil e rica, fala sobre as suas principais produções, as oleaginosas e entra na questão das comunicações, começa pelos rios navegáveis, observa que há uma navegação a barcos de alto-mar, é o caso do rio Cacheu que é navegável numa extensão aproximável de 160 quilómetros, desde a sua foz até ao porto fluvial de Binta. E adverte-nos que o problema que aqui pretende pôr tem a ver com o estudo do aproveitamento dos transportes fluviais conjugados com uma rede de boas estradas. Fala na existência de 3 mil quilómetros de estradas, quase todas de terra batida, sendo permanente o mau estado dos pavimentos. Considera que a causa mais importante que dificulta a formação de uma mais densa rede de estradas é o facto da Guiné estar retalhada por vias aquáticas que na época das chuvas inunda extensas planícies.

Observando o material flutuante, diz que este, para permitir um bom rendimento, com as consequentes vantagens económicas, exige a utilização de embarcações de calado tão reduzido quanto possível e comenta que as barcas e batelões existentes na Guiné não pertencem a este tipo, são de boca estreita e com grandes exigências de tirante de água. A utilização das jangadas motorizadas ou de ferryboats, estima ele, não só oferece rápida ligação entre as margens como garante as indispensáveis condições de segurança nas travessias. Procura dar-nos um quadro das vias navegáveis principais na Guiné, assim: rio Cacheu, estuário do rio Mansoa, rio Geba, estuário do Rio Grande de Buba ou Bolola, estuário do rio Tombali, estuário do rio Cumbijã, estuário do rio Cacine. Sugere dar-se prioridade às obras no Cacheu, até por motivos de soberania, está-se perto do rio Casamansa e da Senegâmbia francesa. Considera que o volume das dragagens a fazer é até 2 milhões de metros cúbicos e assim, feito este encargo, ficaria o rio Cacheu navegável numa extensão de mais 13 quilómetros.

Falando do estuário do rio Mansoa, parece-lhe de grande interesse a ligação rodoviária de Bissau com o norte da colónia, atravessando o estuário do Mansoa na Ponte de Safim. Quanto ao estuário do Geba, refere que o rio oferece boas condições de navegabilidade entre Bissau e Bambadinca e sugere a retificação do leito do rio entre Bambadinca e Bafatá, observando que o rio Corubal dispõe boas condições de navegação até ao porto de Xitole. Passando para o estuário do Rio Grande de Buba observar que se trata de um grande braço de mar que tem a sua embocadura junto à ilha de Bolama e que tinha sido nas margens deste grande estuário que de início se estabeleceram feitorias e centros comerciais, contudo a região fora abandonada pelas guerras entre etnias e por ser pouco saudável. Passando para o estuário do Cumbijã observa que dos braços do sul da Guiné é o único que tem atualmente importância económica, em virtude de ser a via de acesso ao importante centro arrozeiro de Catió, pois é através deste braço de mar que é transportado o arroz que por via marítima é levado para Bissau e para Bolama, existem, contudo, dificuldades na travessia da barra do estuário, onde afloram recifes perigosos. E escreve: “Quando se fizer o levantamento hidrográfico da barra deste rio, poderão estudar-se as obras a fazer para melhorar o acesso a Catió”.

Escreve seguidamente as vias rodoviárias primárias da Guiné, hei o seu elenco:

- Bissau, Safim, Nhacra, Mansoa, Mansabá, Bafatá, Nova Lamego e Pitche;
- Bissau, Ponta de Safim, João Landim, Bula, Teixeira Pinto, Caió, Cacheu, S. Domingos, Praia Varela;
- S. Domingos, Sedengal, Bigene, Binta, Farim, Mansabá;
- Bula, Bissorã, Mansabá;
- Bissau, Enxudé, Tite, Bolama;
- Bolama, Fulacunda, Bula, Catió;
- Mansoa, Gole, Canturé, Fulacunda (em meu ponto de vista, fora da realidade da época, de Canturé subia-se até Gambiel, daqui até Geba e de Geba até Bafatá).

Vai dando sugestões para a melhoria das estradas, reconhece a necessidade de se vir a utilizar ferryboats ou jangadas metálicas acionadas por motores, para dar continuidade às estradas interrompidas junto dos grandes rios. Refere detalhadamente as melhorias que ele propõe. Logo na estrada entre Bissau e Pitche diz que o Plano de Fomento do Ultramar reserva verba para a ponte que liga as duas margens do Geba, próximo de Bafatá. Observa que a Ponte de Ensalma liga a ilha de Bissau ao continente atravessando o canal do Impernal. Da argumentação usada, fica-se com a quase certeza que Barahona de Lemos projetou a ponte sobre o Geba. Entre Bissau e Varela, a ligação que propõe seria feita pela Ponte de Safim onde a travessia do estuário de Mansoa iria utilizar um ferryboat ligando a João Landim. E daí havia rodoviária que conduziria a Bula, Teixeira Pinto, Caió e Cacheu. Reconhece a necessidade de se fazer a travessia do estuário do rio Cacheu em dois pontos, utilizando jangadas metálicas motorizadas e diz que o percurso referido encurtaria em 70 quilómetros a distância entre Bissau e S. Domingos. Se assim se fizesse, as comunicações de Bissau com a Senegâmbia francesa, por Ziguinchor, ficariam assim gradualmente facilitadas, o que contribuiria para evitar o isolamento e a atrofia económica e social dos territórios a norte do grande estuário do Cacheu. Falando da estrada de S. Domingos, Sedengal, Bigene, Binta, Farim, Mansabá observa que dada a circunstância do Cacheu apresentar no seu leito fundos rochosos, é de pensar na possibilidade de se construir uma ponte na vizinhança de Farim; esta ponte traria a Farim uma possível compensação caso se encarasse a vantagem de se deslocar em definitivo o entreposto marítimo para Binta, e assim seria evitada a realização de trabalhos de correção do Cacheu desde Binta a Farim.

Muito mais escreve neste trabalho, nunca me fora dado ler algo de tão bem articulado sobre a ligação entre os transportes terrestres e marítimos, era uma fase de grande construção, como se disse tudo começara com Sarmento Rodrigues e Raimundo Serrão continuou. Reconheça-se que as propostas de Barahona de Lemos exigiriam um orçamento avultado. Quem leu este trabalho, terá reconhecido o valor e o entusiasmo do autor, mas o decisor político passou adiante.

Estas três imagens foram retiradas da revista Ecos da Guiné, as duas primeiras têm valor sentimental para mim e para o Luís Graça, e seguramente para todos aqueles que faziam o itinerário entre Bambadinca e Xime; quanto à terceira imagem, ela permite avaliar a indigência do campo de aviação em Bissalanca, quem queria chegar à Guiné não aterrava em Bissalanca, o itinerário mais frequentado era ir a Paris e daqui seguir para Dacar, daqui seguia-se de automóvel até Ziguinchor e depois escolhia-se o ponto de chegada. Este era o aeroporto no início da década de 1950.
Quero compartilhar com o leitor a alegria de ter encontrado num documento aparentemente inócuo, datado de 1935, imagens que até hoje não tinha encontrado sobre a capital da Guiné. Espero que estas imagens surpreendam portugueses e guineenses, e fico muito contente porque vejo o nosso histórico arquivo recheado de preciosidades.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24398: Historiografia da presença portuguesa em África (372): Revista de História, n.º 13, Janeiro-Março, Ano IV, 1953 - Um texto fundamental para o estudo da História da Guiné: Fontes quatrocentistas para a geografia e economia do Saara e da Guiné (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Fernando Ribeiro disse...

Sem querer ser metediço e correndo o risco de ser acusado de "zelota" (?!), venho chamar a atenção para a repetição das imagens da cidade de Bolama, em vez do que suponho serem duas fotografias de pontes e uma do aeroporto de Bissalanca, a fazer fé na legenda do Mário Beja Santos, que diz:

Estas três imagens foram retiradas da revista Ecos da Guiné, as duas primeiras têm valor sentimental para mim e para o Luís Graça, e seguramente para todos aqueles que faziam o itinerário entre Bambadinca e Xime; quanto à terceira imagem, ela permite avaliar a indigência do campo de aviação em Bissalanca, quem queria chegar à Guiné não aterrava em Bissalanca, o itinerário mais frequentado era ir a Paris e daqui seguir para Dacar, daqui seguia-se de automóvel até Ziguinchor e depois escolhia-se o ponto de chegada. Este era o aeroporto no início da década de 1950.