Abelhas, inimigas de guerra
Por José Teixeira (ex- 1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).
A primeira vez que caímos num ataque de abelhas foi o caos.
A coluna com trinta viaturas carregadas e três obuses de 14 mm, protegida pela CCAÇ 2381 e pelos pelotões da Companhia do Capitão Rei, estacionada em Aldeia Formosa que nos tinha vindo buscar a Buba, ficou na sua maior parte à mercê do IN, perto de Sinchã Cherno.
Só que este, o IN, não tinha na sua agenda atacar naquele local, mas mais à frente. Atacou só no dia seguinte depois de nos fazer um morto numa A/C [mina anticarro] comandada que rebentou só na quinta viatura, a do rádio.
Também eu, aqui, fui um homem de sorte. O milícia que ia a meu lado, ao ver as abelhas aos milhões, agarrou-me por um braço e metemo-nos atrás de um arbusto:
- Fermero fica quieto, abelha, não faz mal ! Não meche, não respira, nem que lhe passe um c... pela boca.
Assim quieto senti-as à minha volta. Pude ver os meus colegas todos a fugir, a sacudir, a coçar e a desaparecer. Ficaram apenas as viaturas e os obuses, na picada. Passados alguns minutos, foram começando a aparecer e tudo voltou ao normal. Eu apenas com duas picadelas, ria-me dos colegas que apareceram a gemer por todos os lados, mas aprendi a lição e preparei-me para um possível segundo ataque que sucedeu meses depois.
Andávamos a montar segurança à engenharia que construía a estrada Buba / Aldeia Formosa. Sentado ao lado do manobrador do caterpillar apreciava como esta máquina derrubava árvores gigantescas, quando de lá de cima cai um grande enxame. Formou-se uma nuvem e toda a gente a gritar pernas para que vos quero. Até uma cadelinha, nossa mascote, que nos acompanhava desapareceu, até hoje. Numa fracção de segundos vejo-me só.
Quico atravessado na cabeça, para me proteger do zumbido, braços cruzados, impávido e sereno (a tremer por todos os lados), sentado no caterpillar a aguardar o ataque. Imaginem o Zé Teixeira como que vestido com um fato novo. Fiquei coberto de abelhas da cabeça aos pés. Só o zumbido me incomodava.
Passado algum tempo começaram a levantar, pois eu não dava luta e com este gajo é melhor não se meterem. Deixaram-me sem uma beliscadura. Os camaradas foram-se aproximando todos picados. Ficaram mais espantados que eu, por me verem são e salvo de um ataque de abelhas. Pomada para toda a gente. Tive inclusive de injectar anti-histamínicos ao Ferraz para evitar a morte por asfixia devido ao facto de ser alérgico.
Ainda hoje tenho mais medo das formigas, mas essas tem outras histórias já contadas.
Zé Teixeira
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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