Mensagem de José Teixeira:
Luís: Saúde, paz e felicidade.
Já pensavas em te veres livre de mim, mas estás enganado, eh ! eh! eh!
Aí vão mais duas estórias para a malta digerir: (i) Às vezes é preciso ter sorte; (ii)abelhas, inimigas de guerra.
Um abraço
Zé Teixeira
Às vezes é preciso ter sorte
A coluna arrancou de Buba, de madrugada.
Dois pelotões tinham partido antes, a bater a zona por onde o IN costumava aparecer.
Dois pelotões seguiam pela mata, um de cada lado, à frente da coluna para refrear os ânimos dos nossos amigos.
Eu ia com o pelotão dos picadores à frente da coluna. Por segurança, seguia atrás da primeira viatura, no trilho do seu rodado, pois o seguro morreu de velho e eu não queria morrer tão novo.
Dá-se uma avaria numa viatura da rectaguarda e a coluna retém a sua marcha. Os picadores seguiram em frente e este vosso amigo sentou-se no sítio do rodado da viatura.
Dada ordem de recomeço de marcha, os picadores já iam a quilómetros. Estando o caminho livre, as viaturas aceleraram a marcha. A primeira viatura (o arrebenta-minas) ia carregada de bebidas e sacos de areia à frente e … africanos em cima. Até os assentos eram sacos de areia, o que concerteza não é novidade para os camaradas bloguistas.
Para não desatar a correr como fizeram os camaradas da segurança à coluna, sentei-me no lugar do morto, na dita rebenta-minas, mas de repente tive um rebate de consciência:
- Então tu que, servindo-te da tua categoria de enfermeiro, nunca deixas ir um colega na primeira viatura e agora colocas-te lá tu, todo refastelado! - E saltei, pondo-me à frente da viatura em marcha de corrida, para não ser atropelado.
Passados uns segundos apenas, dá-se um grande estrondo e sou projectado para o chão. Sinto algo a cair-me nas costas e pensei:
- Já estou ! É desta que vou de vez ! - Espero reacções de dor e nada. Passo a mão pelas costas e trago lama e terra.
- Alto lá, parece que escapei !
Então começam a chover pretos à minha frente. Três dos que vinha em cima da viatura. Os outros, e eram vários, também foram ao ar, mas estavam bem. Felizmente só um se feriu com alguma gravidade e um outro apareceu com um olho ao dependuro (2).
A mina rebentou do lado de onde eu tinha saltado uns momentos antes e o condutor foi ao ar e regressou ao lugar de onde saiu pela impulsão, sem qualquer ferimento.
Fiquei apavorado, sem saber o que fazer. Tinha feridos para tratar, tremia por todos os lados e a bolsa de enfermeiro tinha ficado na viatura. As minas podiam estar lá e estavam mesmo. Lá fui à viatura buscar a bolsa e entretanto apareceu outro enfermeiro.
Lavei muito bem a zona ocular do gajo, que estava cheia de lama, coloquei-lhe o olho no sítio e mandei-o para Buba para ser evacuado.
Tudo resolvido, o capitão dá ordem de marcha e . . . pum ! uma anti-pessoal rebenta debaixo de um pneu de um atrelado, também este carregado de bebidas. Tinha sido colocada na berma, fora da linha de actuação dos picadores. O atrelado ao desviar-se do buraco feito pela anti-carro foi descobri-la a cerca um metro do sítio para onde eu tinha sido projectado e naturalmente pisada por muita gente, ao atender os feridos e naquela azáfama de sacar bebidas (2).
_____________
Notas do autor
(1) Encontrei-o depois em Bissau e pude constatar que ficou bem. O nervo óptico não tinha sido afectado.
(2) Logo após o primeiro acidente foi um fartar vilanagem : toda a gente saltou para a viatura e começou a sacar bebidas. Tudo desapareceu rapidamente.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário