Texto do João Parreira (ex-Furriel Miliciano) (CART 730 e Comandos, Bissorã e Brá, 1964/66) (1)
Caro Luís Graça & Camaradas:
Estava em Bissorã, nos idos anos de 1965, e naquele dia resolvi pelo cair da tarde ir até à tabanca da Binto Danfa, que era a minha lavadeira...
Já depois de ter feito conversa gira (ai que ricos momentos!) convenci-a a tirar a foto.
Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > O Parreira e a Danfa © João Parreira (2006)
Mais tarde chegaram três soldados da minha secção a que se juntaram alguns africanos que posaram para a foto...
E não é que no dia seguinte o Capitão mandou-me chamar e passou-me uma valente piçada por andar à noite nas tabancas na companhia de soldados!!! Fiquei revoltado, mas tive que aguentar e calar.
Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > © João Parreira (2006)
Com 2 bajudas e o Furriel Ribeiro (transmissões) e, por trás, o Furriel Amadeu (minas e armadilhas) que mais tarde ficou a tratar da nossa alimentação...
Ao Furriel SAM Nelson que tinha o curso de vagomestre enfiaram-lhe uma G-3 nas mãos e passou a operacional e assim a ter de ir para o mato.
Guiné > Regiãodo Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > © João Parreira (2006)
Nesta altura o Nelson ainda não sabia a sorte que o esperava e eu não cheguei a usar o pilão
Guiné > Regiãodo Oio > Bissorã > 1965 > CART 730 > © João Parreira (2006)
E agora que ando por Bissorã, aqui fica o relato de uma operação naquela zona.
Bissorã > 9 de Janeiro de 1965, Sábado > Operação em Cancongo
Saímos (CART 730) do aquartelamento de Bissorã ao fim da tarde e fomos até ao Olossato, donde partimos às 22H00 para a operação. No caminho para o objectivo avistou-se ao longe uma enorme tabanca pelo que a Companhia, em fila de pirilau, dirigiu-se para ela.
À medida que íamos avançando e dado o silêncio total, pareceu-nos que se encontrava abandonada. Assim era de facto, pelo que os soldados, ou descontrolados ou com ordem
de algum oficial, pois nunca cheguei a averiguar, começaram a revistá-la numa grande
desorganização, com grande alarido e alvoroço, e seguidamente incendiaram-na.
Com os Furriéis Prates (que foi para Brá, para os comandos, mas desistiu), e o Reis (da manutenção-auto), em amena conversa na ponte Bissorã-Barro, tendo como fundo uma manada de vacas.
Guiné > Regiãodo Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > © João Parreira (2006)
Com as labaredas, na escuridão da noite, a avistarem-se a vários quilómetros de distância o Capitão não sei o que é que lhe teria passado pela cabeça, mandou-me chamar a mim e ao Alf Mil Francisco Ferreira que chefiava o meu Pelotão, e disse-nos - acho que como pretexto para não argumentarmos - que, como tinhamos os dois o COE [Curso de Operações Especiais], levássemos os guias e fossemos atacar as casas de mato de Catancó, que ficavam a alguns quilómetros mais à frente. Ele ficaria ali com os restantes Pelotões.
Como o Alf Mil Ferreira nada disse, respondi-lhe que não era prudente pois as chamas denunciavam a nossa presença, e o IN podia estar mais à frente a montar-nos uma emboscada. No entanto ele olhou para o Alf Mil Ferreira depois para mim, e em resposta disse-me para obedecer à ordem que tinha dado.
Como ordens são ordens e não se podem discutir, como nos diziam, e uma vez que fazia parte da 1ª Secção lá fui à frente do Pelotão com os guias.
Estávamos já embrenhados na floresta quando de repente os guias pararam e apontaram na direcção de palhotas que se viam ao longe e onde se podia ouvir,
embora tenuamente, o ruído de vários utensílios que não conseguimos identificar, e notava-se grande agitação, o que não era de estranhar depois do espalhafato e das labaredas que ainda se podiam ver no ar.
Assim a prudência aconselhou-nos a não atacar e montámos de imediato uma emboscada.
Passados cerca de 30 minutos, quando tudo estava calmo e em silêncio total entrámos nelas cautelosamente e iniciámos as buscas de palhota a palhota, mas não encontrámos nenhum material de guerra.
Para não complicar mais a situação e não dar conhecimento ao IN da nossa posição,
decidiu-se que as mesmas não fossem incendiadas e regressámos ao seio da Companhia onde relatámos ao Capitão o que tinha acontecido e ele então deu ordem de regressar a Bissorã.
Nesta altura soube que a revista à tabanca foi infrutífera pois não foi descoberto nenhum material, contudo numa das moranças saíu um africano já velho e porventura mais lento, que foi feito prisioneiro.
Já de regresso, e quase de imediato, eram cerca das 03h00, quando ouvimos barulho que nos pareceu de animais a aproximar-se e, subitamente, apareceu uma manada de vacas que saindo do mato passou perto de nós, e no meio delas escondia-se o IN que,
como é natural, nos atacou.
Com o Furriel enfermeiro Zaupa da Silva junto à tabuleta Olossato-Farim. Distâncias: Olossato: 11 km; Farim: 43 km.
Tenho pena de não me recordar o que continha o cesto que a pequenita tinha à cabeça.
Guiné > Regiãodo Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > © João Parreira (2006)
Como resultado o meu Pelotão que seguia à frente da Companhia sofreu 4 feridos com estilhaços de granadas:
- Alf Mil Francisco Ferreira (Comandante de Pelotão, com gravidade, tendo sido levado para o Hospital;
- Sold José Maria S. Gonçalves (evacuado para o HMP - Hospital Militar Principal);
- Fur Mil Parreira (ferido num braço);
- Sold José Francisco Maçarico Gonçalves (ferido num braço).
O Fur Enfº Zaupa fez-nos de imediato um tratamento sumário.
Guiné > Bissau > Fevereiro de 1965 > O Furriel Miliciano Comando João Parreira, já depois de ter saído da CART 730... "Esta foto foi tirada numa esplanada em frente ao Hotel Portugal, creio que se chamava Café Universal".
© João Parreira (2005)
Naquele momento, e ao ver aqueles camaradas tão ensanguentados, fiquei tão exaltado com o Capitão que, sem medir as consequências, lhe disse frontalmente que a culpa era toda dele e que por isso ia sair da Companhia (2).
Ele ficou a olhar para mim com um ar estupefacto, mas não disse nada. No Olossato, apesar do ferimento não ter sido grave, fui tratado pelo Ten médico que depois me deu uma injecção de Anatoxina, dos Laboratórios Berna.
O certo é que a ferida infectou e teve que ser o Ten médico Jaime Afonso, da CART 730, a curar-me.
Um abraço
João Parreira
____________
(1) Vd post de 3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
Segundo o Virgínio Briote, o João Parreira é "uma das lendas vivas dos velhos comandos de Brá. Andou pela Guiné toda, viu camaradas a morrer mesmo ao lado dele, foi evacuado no mesmo heli que transportou para Bissau o corpo do Furriel Morais" (...).
(2) Vd post de 6 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLI: O 'puto' Parreira, do grupo de comandos Apaches (1965/66)
O Mário Dias e o João Parreira pertenceram ambos ao grupo de comandos Apaches que saiu do 2º curso de comandos realizado na Guiné, em Brá. "Entre nós era conhecido por puto Parreira pela sua aparência um pouco imberbe que, aliás, ainda hoje conserva" (MD).
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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