1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2020:
Queridos amigos,
Foi obra, pôr em sequência cronológica, entre 1966 e 1974, as atividades desenvolvidas por um conjunto de Unidades Militares que puseram de pé o quartel de Biambe, que aqui lutaram e muito sofreram, que refizeram o quartel, que acompanharam reordenamentos, que viveram o drama do duplo controlo, e que naquele ponto estratégico estiveram sempre na mira de uma guerrilha bem motivada, não longe do santuário do Morés.
Aqui igualmente se desenham, em termos corográficos, as ligações de Biambe com Encheia e Bissorã, é elevada a lista dos sinistrados com minas anti-pessoal, mas também minas anticarro e nenhuma das unidades que por ali passou foi poupada a flagelações grandes e compridas. Épico o nascimento do quartel e a 26 de julho o aquartelamento de Bissum foi entregue ao PAIGC, o mesmo acontecendo no dia 31 com o aquartelamento de Inquida. O que se entregou estava limpo e arrumado. A 7 de setembro entregou-se Biambe. "O único acontecimento digno de relevo foi o desgosto demonstrado pela população que se manifestou ruidosamente no adeus aos militares. Estavam apreensivos e temerosos porque não sabiam como seria o dia seguinte".
O trabalho de Manuel Costa Lobo incentiva-nos a repensar nos benefícios historiográficos que era coligir outras histórias, de molde a angariarmos testemunhos dos antigos combatentes, os que escreveram e os que porventura terão orgulho em serem convocados para dar o seu contributo.
Um abraço do
Mário
Um levantamento ímpar: toda a história de Biambe (1966/1974), sítio de coragem e martírio (2)
Mário Beja Santos
Por uso e costume, o antigo combatente fala da sua experiência, comenta o lugar ou lugares em que permaneceu, fala do quotidiano, a guerra está sempre presente. Há também as histórias de unidade, passadas todas estas décadas ainda há quem as esteja a cotejar, é um dever de memória que mais cedo ou mais tarde nos abala a consciência.
A raridade de haver narrativa de como se constituiu um aquartelamento e fazer figurar todos os que lá estiveram, honrar o esforço, homenagear o heroísmo, abraçar quem figurou na gesta coletiva, naquele lugar e por todo o tempo da guerra. "Biambe e os Biambenses", por Manuel Costa Lobo, 5livros.pt (telemóvel 919 455 444), 2019, é um documento exemplar, uma faina de coligir a implantação de um aquartelamento em 1966, numa das regiões mais ásperas da luta armada, nas fímbrias do Morés, ali ganhou esporas de valentia a CCAV 1485, seguir-se-ão outras unidades até se chegar à missão final, que marcará a partida das forças portuguesas na região.
Não é literatura memorial, é um registo dos dados disponíveis destas unidades envolvidas a que se vão averbar testemunhos e ilustrar com imagens, muitas delas pessoais. Biambe era lugar estratégico para evitar infiltrações do PAIGC na ilha de Bissau.
Está feito o registo da CCAV 1485 e da CART 1688, chegou a hora de pôr em cena mais unidades militares, logo a CCAÇ 2464 que permaneceu em Biambe de 15 de fevereiro a 8 de junho de 1969, teve pois uma curta estadia, o treino operacional foi feito em sobreposição com a CART 1688, um dos seus pelotões foi para o destacamento de Encheia, destacamento que também era reforçado com um outro pelotão da CCAÇ 2444. Não para a via-sacra das flagelações, as minas antipessoal fazem vítimas, responde-se bem aos ataques, fez-se um golpe de mão a uma base de guerrilha conhecida por Biambinho ou Biambifoi, os guerrilheiros tinham retirado deixando lá apenas velhos, doentes e feridos, na última retirada foram colhidos por uma tempestade de fogo, segue-se outra emboscada já perto de Biambe, só com a chegada dos Fiat é que findou o tiroteio.
Está feito o registo da CCAV 1485 e da CART 1688, chegou a hora de pôr em cena mais unidades militares, logo a CCAÇ 2464 que permaneceu em Biambe de 15 de fevereiro a 8 de junho de 1969, teve pois uma curta estadia, o treino operacional foi feito em sobreposição com a CART 1688, um dos seus pelotões foi para o destacamento de Encheia, destacamento que também era reforçado com um outro pelotão da CCAÇ 2444. Não para a via-sacra das flagelações, as minas antipessoal fazem vítimas, responde-se bem aos ataques, fez-se um golpe de mão a uma base de guerrilha conhecida por Biambinho ou Biambifoi, os guerrilheiros tinham retirado deixando lá apenas velhos, doentes e feridos, na última retirada foram colhidos por uma tempestade de fogo, segue-se outra emboscada já perto de Biambe, só com a chegada dos Fiat é que findou o tiroteio.
É neste contexto que surge um problema de desobediência ao Capitão Prata levou a um pelotão a ter-se negado a sair, acusando-o de incompetente.
Escreve-se na obra que “Durante a permanência em Encheia, do Capitão Prata e sua comitiva, houve muitas atuações que ultrapassaram os limites da falta de segurança, nas operações efetuadas em locais muito perigosos houve atuações junto das populações das tabancas limítrofes detestadas pelos residentes, em suma houve uma atuação que saía fora de todas as normas de um correto comando e de uma normal convivência com as populações nativas”.
E, mais adiante:
“Deste facto resultou que, no dia seguinte, o Comandante-Chefe, General António de Spínola, tenha visitado Encheia com uma mensagem apaziguadora, enaltecendo as qualidades dos soldados açorianos e sobrepondo a coragem do capitão às suas falhas nas questões de segurança, dando o assunto como encerrado sem punições para ninguém”.
Mas o sarrabulho não ficou por aqui, houve queixa da população civil, no dia seguinte chegou um major como instrutor do auto de averiguações ao capitão e a outro réu. No dia seguinte, em plena manhã, uma flagelação com quatro morteiradas, Encheia é flagelada dois dias depois. Sabe-se, entretanto, o resultado das averiguações, o pelotão desobediente da CCAÇ 2444 fora castigado.
Manuel Costa Lobo inclui o depoimento do radiotelegrafista José Maria Claro a quem foi amputada a perna esquerda decorrente do rebentamento de uma mina antipessoal, ele escreveu a um camarada, António Graça Nobre, um belíssimo depoimento, pungente, que assim termina:
Manuel Costa Lobo inclui o depoimento do radiotelegrafista José Maria Claro a quem foi amputada a perna esquerda decorrente do rebentamento de uma mina antipessoal, ele escreveu a um camarada, António Graça Nobre, um belíssimo depoimento, pungente, que assim termina:
“Dia 7 de abril, dia trágico para mim, depois de estar duas horas de serviço no rádio fui tentar adormecer. Ao fim de meia hora acordaram-me para que fosse formar a coluna para sair, mas voltei a adormecer. Daí a meia hora, voltaram a acordar-me e disseram que o pelotão já estava à minha espera há uma hora. Até este dia protegi os meus camaradas, pedindo auxílio à Força Aérea, e neste dia, até pedi a minha própria evacuação, com a consternação de todos os colegas do curso, posicionados nos postos do nosso sector”.
Quem está a testemunhar é o ex-Alferes António José Vale que descreve também, e com imensa intensidade, um grande ataque a Biambe em 7 de junho. Nesse mês de junho e até finais de novembro temos novo protagonista, a CCAÇ 2531. Registo de novas flagelações, há igualmente reações. É tempo de reconstrução do quartel, as casernas começavam a acusar o desgaste, foi por aqui que começaram as obras, fez-se novo edifício do comando (secretaria, gabinete do comandante, os quartos deste e do 1.º sargento, o bar, a messe de oficiais e sargentos), mais tarde os balneários. Procede-se ao reordenamento da tabanca.
É um soma e segue de ataques e respostas, a guerrilha podia ver incendiadas as suas instalações, reinstalava-se depressa, sobretudo no Queré e no Iusse. Chegou a hora de aparecerem os foguetões, o Alferes José Manuel Guedes Freire Rodrigues foi condecorado com a Cruz de Guerra 3.ª classe.
Entra no terreno a CCAÇ 2780, chegou a hora do autor fazer jus aos seus registos, estarão no Biambe entre novembro de 1970 e agosto de 1972, terá muito para contar, ele é Furriel Enfermeiro.
Entra no terreno a CCAÇ 2780, chegou a hora do autor fazer jus aos seus registos, estarão no Biambe entre novembro de 1970 e agosto de 1972, terá muito para contar, ele é Furriel Enfermeiro.
É minucioso no seu registo, terno a descrever as aflições que presenciou, as operações efetuadas, os meses passam-se, as obras continuam, abrem-se picadas, a vida é bastante dura no destacamento de Inquida, fala da sua preparação, nunca percebeu como foi selecionado para enfermeiro, fala do seu currículo, das peripécias que viveu e de como se desenvencilhava de situações melindrosas:
“Um homem andava em cima de uma árvore no seu trabalho usando uma catana como instrumento. Por qualquer motivo imprevisto ter-lhe-á falhado o movimento e atingiu o próprio pénis. Quando chegou ao posto médico vinha com aquele órgão a pingar sangue. A solução que encontrámos foi dar-lhe uma injeção de um produto coagulante e para evitarmos ter que lhe mexer improvisámos uma lata de conserva de pêssego, enchemo-la de água oxigenada e mandámos o indivíduo mergulhá-lo ali. Assim se procedeu à desinfeção do dito".
"Noutra vez apareceu-me outro homem com um pé ao dependuro, só preso pela pele, com os ossos (tíbia e fíbula) completamente separados pela fratura. Não tivemos outra solução senão fazer uma imobilização muito cautelosa por meio de talas, chamar o meio aéreo e evacuá-lo para Bissau. Passados uns tempos regressou agarrado a um varapau com uma manifesta incapacidade de mobilização”.
Narra a rendição pela CCAÇ 4610, conta a história de dois militares que foram caçar e acabaram prisioneiros do PAIGC, serão libertos após a independência da Guiné-Bissau, na troca com os prisioneiros do PAIGC que estavam detidos na Ilha das Galinhas.
E caminhamos para o fim da história de Biambe na guerra, a 3.ª Companhia do BCAÇ 4610/72 permanecerá em Biambe de agosto de 1972 a julho de 1974. Aqui se escreve que Biambe tinha pela frente uma força hostil que atuava com as secções em Biambe, Biur, Quinhaque e Quitamo, 2 grupos de infantaria, uma bateria de artilharia ligeiro e um grupo de sapadores; no Queré tinham um grupo reforçado com 1 ou 2 morteiros 82.
E caminhamos para o fim da história de Biambe na guerra, a 3.ª Companhia do BCAÇ 4610/72 permanecerá em Biambe de agosto de 1972 a julho de 1974. Aqui se escreve que Biambe tinha pela frente uma força hostil que atuava com as secções em Biambe, Biur, Quinhaque e Quitamo, 2 grupos de infantaria, uma bateria de artilharia ligeiro e um grupo de sapadores; no Queré tinham um grupo reforçado com 1 ou 2 morteiros 82.
A unidade militar apanha a transição para a chegada dos mísseis Strella, uma flagelação em maio de 1973 levou à morte de sete crianças num disparo de morteiro 82.
O último episódio é a presença da 3.ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8320/73.
Na conclusão, o autor lembra o sacrifício que todos tiveram que suportar, agradece os testemunhos de quem com ele colaborou na elaboração de todo este histórico de Biambe e assim põe termo à sua iniciativa:
Na conclusão, o autor lembra o sacrifício que todos tiveram que suportar, agradece os testemunhos de quem com ele colaborou na elaboração de todo este histórico de Biambe e assim põe termo à sua iniciativa:
“Tudo aquilo que aqui foi escrito traduz a minha maneira de ver, de sentir e de interpretar. Muitos dirão que não foi bem assim, que foi mais assado. Embora a guerra fosse a mesma, cada um viveu uma experiência pessoal muito própria, com cores, cheiros e intensidades muito diversas, tenho consciência de que me dei por inteiro neste testemunho e que não ocultei o que sei”.
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Nota do editor
Último poste da série de 2 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21507: Notas de leitura (1321): "Biambe e os Biambenses", por Manuel Costa Lobo; 5livros.pt, 2019 - Um levantamento ímpar: toda a história de Biambe (1966/1974), sítio de coragem e martírio (1) (Mário Beja Santos)
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