Queridos amigos,
Nesta hora de rememorações, pegando no caderno onde fui registando o percurso da viagem, bem arrependido estou de não ter feito finca pé em ter começado o dia pelo Museu Félicien Rops, santo do meu culto, alguém que viveu de candeias às avessas aquele tempo de Novecentos, foi um expoente do simbolismo, desbravou caminhos estéticos e incomodou muita burguesia com o tratamento erótico da sua pintura e desenho. Mas feita a contabilidade, surpreendeu-me agradavelmente as esculturas maneiristas, outrora tratadas como arte decadente e hoje na moda, observadas como uma vanguarda reativa à escultura beata do tempo, tudo desproporcionado, como se, de tanto torcer e distorcer, a imagem religiosa tivesse maior impacto nos crentes. Por mim, se não tivesse tido a condução do dia tão rígida, teria andando a flanar pela cidadela, dali se avista um panorama memorável. A grande vantagem era o estômago, foi ao fim de um dia de correrias ter um banquete de estalo à minha espera. Agora só me falta falar-vos de Félicien Rops, do Meuse e de uma bela casa em S. Marc, a poucos quilómetros de Namur.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (121):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas ! (12)
Mário Beja Santos
Depois da visita, que tanto me surpreendeu, aos museus instalados em Les Bateliers, atravessa-se a cidade, vamos em direção a outro local de referência, o Museu de Arte Antiga, estamos na época dos acrónimos, cada um mais bombástico que o outro, agora este museu é TreM.a, visito-o sempre com imenso prazer, tal a diversidade artística que oferece. Está situado numa casa apalaçada do século XVII, bem escondido atrás dos estuques da sua fachada, que está classificada como património excecional da Valónia, abriga tesouros medievais e da Renascença, entre as obras-primas ali expostas, em que as mais antigas remontam ao século XII, avulta o Tesouro d’Oignies, uma das sete maravilhas da Bélgica, tem escultura de valor excecional e aqui se acolhe o maior repositório de obras de Henri Bles, pintor maneirista de excelência. Tem uma balaustrada moderna no corpo principal, deixo mais comentários para quando fizer uma visita em relance, o que nos traz fundamentalmente aqui são esculturas maneiristas, eram tratadas até um passado não muito longínquo como correspondentes a um período artístico de completa decadência. O que vimos visitar é um património ignorado pelo mundo académico que subitamente se tornou fonte de atração dos investigadores. Procuro nas imagens subsequentes mostrar algo que durante séculos foi alvo do desprezo estético: personagens com proporções exageradas, figuras estiradas, ancas angulosas, pescoços sinuosos, dedos afuselados… A exposição reúne um conjunto de esculturas criadas nas últimas décadas do século XVI nas oficinas de uma região que se chama de l’Entre-Sambre-et-Meuse, em plena Valónia, todo este património foi denegrido, face ao qual os investigadores nem ousavam olhar, subitamente provocam frenesim, os estudos multiplicam-se e o público acorre, é a admiração da descoberta. Lembra um pouco aquela ironia sobre o mau gosto, ele é sempre o dos nossos pais, o bom gosto é das gerações precedentes…
Fachada principal do Museu de Arte Antiga de Namur
Balaustrada moderna do Museu de Arte Antiga de Namur
A fé e a oração, um maneirismo das formas que já aponta para o barroco
Ornamentos escultóricos numa trave
O Pai e o Filho
A Ressurreição, mestre de Rochehaut, obra em carvalho policromado, 2ª metade do séc. XVI.
A lamentação pela morte de Cristo
Feita a visita à exposição da escultura maneirista, pressionados pelo tempo, quem me guia aponta permanente e freneticamente para o relógio, vou admirar em passo acelerado algumas das preciosidades do Museu de Arte Antiga, acima uma das sete maravilhas da Bélgica, o célebre Tesouro de Oignies, são cerca de 40 peças de ourivesaria pejadas de pedras preciosas, trabalho realizado na 1ª metade do século XIX, obra destinada ao priorado de Oignies.Base de um cálice esplendidamente ornamentado
Cena do anjo da Visitação, elemento de uma porta
Paisagem de Henri Bles, o museu possui a maior coleção deste pintor maneirista
Saio desgostoso do Museu de Arte Antiga, peço a quem me guia nesta viagem um tanto alucinante de museu atrás de museu, só para mirar alguns edifícios, com resignação condescente, abranda-se a marcha, estou autorizado a captar alguma maravilha deste centro histórico de Namur.
Beffroi de Namur, algo como um campanário com os sinos da cidade, nalguns casos funcionou como prisão. Trata-se de uma obra do século XIV, intervencionada dois séculos depois
Outro ângulo do beffroi de Namur, parece amparado por prédios de habitação, respeitou-se a escala, não há nada de chocante
Um belíssimo edifício de Arte Nova na principal artéria comercial de Namur.
E pronto, a viagem prossegue para o Museu Félicien Rops, depois é o passeio pelo Meuse, depois um festim em S. Marc, no final sou depositado na gare ferroviária, há abraços e lágrimas, prometo voltar lá para setembro/outubro, sabe-se lá as voltas que o mundo vai dar, e depois os imprevistos da idade, mas vontade de regressar não falta. Bem, vamos à conclusão deste magnífico dia em Namur.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 16 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24661: Os nossos seres, saberes e lazeres (590): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (120): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (11) (Mário Beja Santos)
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