Por o nosso camarada Artur ter falado em cães e no seu sofrimento durante a nossa guerra, não posso deixar de falar de duas cadelas que existiam em Mansabá e que herdámos da CCAÇ 2403.
Uma, a Diana, era amarela, alta, elegante, um tanto aparentada com um galgo, mas mais corpolenta. Era muito independente, logo pouco sociável. Andava sempre distante da nossa Messe, embora nunca abandonasse o aquartelamento.
A outra, a Nina, era mais baixota, mais peluda, mais sociável e, pasme-se, acompanhava-nos nas patrulhas mais próximas do aquartelamento e nas colunas auto.
Qaundo via os carros a formar na parada, escolhia logo um deles para se fazer transportar. Foi inúmeras vezes a Mansoa, sempre voluntariamente, ao contrário de nós que íamos obrigados.
Quando nos acompanhava no mato, fazia-o com cuidado, não ladrava e nunca saía de junto de nós.
Ambas nos faziam jeito para ajudar a consumir as inúmeras salsichas que o Costa (Fur Vaguemestre) nos fazia o favor de servir quase todos os dias, às refeições, intervalando com o polvo e o atum.
A Nina um dia ao saltar de uma viatura, por ventura ainda em andamento, partiu uma das patas traseiras. Por infelicidade ficou também prenha na mesma altura.
Embora nunca tenha conseguido soldar a pata, levou até ao fim, com algum sofrimento, a gestação dos seus cachorrinhos, principalmente na fase final, quando já mal se arrastava.
Na hora de parir, escolheu o quarto do Branco e do Carneiro para se aliviar.
Fomos assistir ao nascimento dos cachorros e começámos a contar: um... dois... três... quatro... cinco... seis... e sete.
A fase da amamentação foi também dolorosa para ela, porque os cachorros, por serem muitos, se amontoavam por cima da pata partida e ocasionavam dores que a pobre bicha suportava com paciência.
Os cachorrinhos foram todos adoptados e a Nina foi abatida porque já deitava um cheiro pestilento. Estaria com uma doença maligna.
Ficamos só com a Diana que não era nem de longe tão afectuosa como a pobre Nina, mas na hora da refeição sempre nos fazia companhia.
Mansabá > Nesta foto o Fur Mil Trms Lourenço, o primeiro a contar da esquerda e o Fur Mil Enf Marques, o terceiro, seguram os cachorros, filhos da Nina, que adoptaram. O segundo camarada é o Fur Mil Correia e o quarto eu mesmo.
Todos os cachorros foram crescendo normalmente, mas a determinada altura começaram os acidentes. Um deles foi atropelado na parada por uma das viaturas e teve morte imediata. Outro morreu vítima de uma armadilha montada pelos Sapadores, algures nas imediações do arame farpado.
Alguns dos camaradas devem lembrar-se do surto de cólera que atingiu aquela zona da África. Tivemos que ser todos vacinados e veio ordem expressa dos Serviços de Saúde de Bissau para abater tudo o que fosse animal doméstico ou domesticado. O próprio Fur Enf tomou a seu cargo a eliminação de todos os animais, começando pelo seu próprio cachorro que como sabem era filho da Nina.
O Lourenço escondeu o dele dentro do Posto de Rádio onde o Marques não podia entrar. O pessoal da Mecânica escondeu um macaco domesticado que tinham, no fundo da pista.
Mas o Marques, implacável, ou debaixo da responsabilidade de manter a nossa saúde, acabou por matar tudo a tiro de Walter, apesar de o acusarmos de não ter piedade dos animais.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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