sexta-feira, 29 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25316: Notas de leitura (1679): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Traça-se aqui o quadro das tentativas (muitas delas fracassadas) de renovar a frota aérea, reconhecidamente antiquada e muito inadequada tanto àquele tipo de guerra como aos lugares; os autores descrevem as iniciativas de aquisição, logo os Boeing 707, procurou-se um substituto mais eficaz para o DO-27, muita conversa com as autoridades francesas, sem proveito; entretanto, adquiriram-se mais Alouette III e um ato de sabotagem da ARA na Base Aérea de Tancos redundou num desaire sem precedentes no fornecimento de aeronaves; os autores ilustram sempre a propósito os quadros das operações, os locais de implantação das FARP, as operações helitransportadas, etc. Há que reconhecer que o trabalho de Matthew Hurley e José Matos ficará como referência não só para os pergaminhos da Força Aérea na Guiné como para o conhecimento de como se lutou, no lado português, com que meios, com que corajosos pilotos, enfermeiras, isto para já não falar de forças especiais e naquela multiplicidade de serviços em que o DO marcou presença também com o tal correio que transportava afetos entre os dois continentes.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.




Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

Continuando no quadro expositivo das mudanças operadas na Zona Aérea de 1968 a 1971, os autores recordam a importância dos números. Nesse período, e tendo em conta as três categorias de transporte (assalto, missões gerais e evacuação de feridos) o seu total foi de 22.899 das 40.639 surtidas, como vem nos relatórios. Não deixa de ser um número impressionante para uma força que muito lutava para manter uma frota de cerca de 400 aeronaves operacionais, embora algumas outras tenham chegado a Bissalanca e acabaram por aliviar a pressão constante. Spínola reclamava mais aeronaves desde outubro de 1968, momento em que apresentou um pedido de 8 Fiat adicionais, 4 T-6 e 6 DO-27, juntamente com dois tipos novos de pedidos: 6 helicópteros Sud Aviation SA330 ‘Puma’, e 3 transportes Noratlas (mais tarde 4), Spínola pôs particular ênfase nos helicópteros adicionais de modo a fazer-se uma exploração das áreas ocupadas pelos grupos inimigos, e igualmente apelou a uma frota que garantisse a disponibilidade de 12 Alouette III. A maioria dos seus pedidos foi satisfeita no final de 1970, com exceção dos helicópteros, recebeu 6 novos Alouette III no lugar dos ‘Pumas’, e 4 Fiat dos 8 solicitados. No total, estes reforços aumentaram o número de Fiat em Bissalanca para 10 e o número de Alouette III para 14.

A introdução de Noratlas veio proporcionar um impulso imediato à capacidade de transporte da Zona Aérea. Esta aeronave construída em França era “muito estável, robusta e, portanto, bem-comportada face às turbulências, como convém em África”, como observou o General Rui Tavares Monteiro, ex-Comandante da 1.ª Região Aérea. O Noratlas havia sido projetado para ambientes austeros, com treino de aterragem destinado a operações em campos difíceis e com fácil manuseamento da carga através das portas articuladas da abertura traseira. Também poderia transportar o dobro da carga, ou 50% de mais tropa do que os C-47 que já serviam na Guiné; e a sua entrada na vida operacional libertou os veneráveis Dakotas para bombardeamentos noturnos adicionais e missões de reconhecimento fotográfico.

Ocorreram também outras mudanças. As operações de ataque aumentaram temporariamente dada uma avaliação operacional dos bombardeiros médios B-26 Invader, adquiridos clandestinamente por Portugal em 1965. Duas destas aeronaves foram destacadas para a BA 12 entre março e junho de 1971, onde realizaram 55 bombardeamentos, missões de vigilância, reconhecimento e apoio à instrumentação, incluindo também a participação em, pelo menos, nove operações de ataque da Zona Aérea. Além disso, a partir de fevereiro de 1970, o P2V-5 Neptune regressou ao teatro da Guiné quando um dos bombardeiros da patrulha marítima foi destacado para a base de trânsito da Ilha do Sal. Mas a melhoria mais significativa resultou da compra de dois aviões Boeing 707 para transporte aéreo transoceânico. Até 1971, a Força Aérea contava com a sua frota envelhecida de DC-6 com motor a pistão, eram aeronaves propensas a falhas do motor e outros problemas de manutenção; mas os embargos de armas dos Estados Unidos e do Reino Unido tinham limitado as opções de substituição.

Em agosto de 1970, contudo, o presidente Richard Nixon relaxou as restrições que regiam a venda de artigos não letais de dupla utilização que são preponderantemente utilizados para uso civil para Portugal. Isto levou a negociações complicadas que permitiram a aquisição dos Boeing e os primeiros 707 chegaram a Portugal a 16 de outubro de 1971, posteriormente, em 14 de janeiro de 1972, deu-se uma segunda aquisição. A introdução do 707 melhorou imediatamente a capacidade de Lisboa para reforçar os teatros de guerra africanos, e a Guiné não foi exceção.

“Uma das duas aeronaves estava sempre em missão”, observou o historiador John Cann, e “a confiabilidade e flexibilidade do avião fizeram a diferença dramática no quadro logístico”. Apesar das novas aquisições, a maioria das aeronaves da Zona Aérea eram inadequadas para as missões atribuídas, de acordo com uma avaliação do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, em 1971. Incluíam os antiquados T-6, que não foram projetados nem destinados ao serviço de combate prolongado, e os DO-27, cuja capacidade de carga apenas podia satisfazer metade das necessidades do Comandante do Teatro de Operações. Ambos os tipos também foram considerados excessivamente vulneráveis e difíceis de manter.

Em abril de 1971, a Comissão Técnica da Força Aérea iniciou um estudo de opções de substituição; em última análise, era recomendado um único tipo de fuselagem para substituir ambas as aeronaves: o Reims FTB-337G “Milirôle”, um derivado francês do Cessna “Skymaster” então ao usado na Força Aérea dos Estados Unidos em serviços de observação e controlo aéreo avançado. A capacidade de carga do Milirôle e a acomodação de passageiros eram comparáveis ao DO-27, e as suas capacidades de descolagem e aterragem rápidas eram apenas ligeiramente inferiores ao DO-27. No entanto, o Milirôle ultrapassou tanto o T-6 como o DO-27 em alcance, altitude e resistência, tornando-se mais atrativo quanto a vigilância e a posto de comando. Para missões de ataque ligeiro, o Milirôle podia transportar mini-canhões de 7,62 mm, pequenas bombas ou foguetes de quatro suportes sob as asas e o seu dispêndio de utilização por hora era menos de metade do DO-27 ou T-6. Em 1972, a FAP identificou a necessidade de se pedirem 114 aeronaves, incluindo 24 para substituir os 11 DO-27 e 7 T-6 então atribuídos a Bissalanca.

Parecia haver um desfecho feliz nas negociações com a França, no entanto nenhuma das novas aeronaves foi entregue a Portugal enquanto durou a guerra na Guiné.

Apesar dos recentes reforços, a Zona Aérea carecia de helicópteros adicionais e, em dezembro de 1970, o ministro da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo relatou um pedido para 36 Alouette III para a Guiné, mais do que o dobro do número então atribuído. As perspetivas de obter esse objetivo caíram muito, após um ato espetacular de sabotagem em Portugal metropolitano, em 8 de março de 1971. Ao amanhecer, membros da organização Ação Revolucionário Armada (braço armado do Partido Comunista Português) infiltrou-se na Base Aérea de Tancos. Quatro sabotadores, um deles recruta da Força Aérea na base, detonou 20 explosivos dentro de um único hangar de manutenção então em uso (o outro estava em obras). 14 das 28 aeronaves embaladas foram totalmente destruídas ou ficaram seriamente danificadas sem possibilidade de reparação, incluindo um novo helicóptero Puma e quatro Alouette III, enquanto cinco aeronaves leves de asa fixa foram destruídas e três danificados. A sabotagem afetou diretamente o reforço que estava destinado à Guiné e, mais tarde, foi caracterizada como a maior catástrofe singular da luta militar ao longo de 10 anos, na opinião de um alto funcionário sénior dos serviços secretos portugueses.

Implantação das FARP/Exército Popular em 1970, não contando com as milícias locais (Matthew M. Hurley baseado em relatórios oficiais)
Operações independentes de ataque, entre 1969 e 1971. (Matthew M. Hurley baseado em documentação oficial portuguesa)
Operações helitransportadas entre agosto de 1968 e dezembro de 1971. (Matthew M. Hurley baseado em documentação oficial portuguesa)
Entre agosto de 1968 e finais de 1971, a Zona Aérea levou a efeito 160 operações helitransportadas (Coleção Hélder Ferreira)
O DO-27 era a aeronave mais utilizada de 1966 a 1973, por ser versátil, era incumbida numa enorme variedade de missões, desde a evacuação de feridos, transporte de pessoas, Posto de Comando Volante e mesmo apoio de fogo (Coleção Virgílio Teixeira)

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 22 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25296: Notas de leitura (1677): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 de Março de 2024 > Guiné 61/74 - P25305: Notas de leitura (1678): "Lay Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Lua de Marfim Editora, 2018, 90 pp.) (Luís Graça)

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