segunda-feira, 8 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19659: Notas de leitura (1166): “A nossa guerra, dois anos de muita luta, Guiné 1964/66 – CCaç 675”, por Belmiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autores, 2017 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Março de 2019:

Queridos amigos,
Recomendo vivamente a leitura da obra assinada por Belmiro Tavares e JERO. Não se pode ficar insensível à fidelidade, à camaradagem e solidariedade que estes homens mantêm entre si, extravasa encontros regulares, entreajudam-se, procuram-se depois da natural diáspora em que no fim da comissão (1966) muita gente procurou dar outros rumos à vida. Toda a documentação sobre a Companhia de Binta é motivo de estudo: como fora possível chegar a tanto abandono aquele ponto da região norte, tão sensível, já que Guidage era um quase ponto de fronteira, ali perto passava um corredor por onde as forças do PAIGC iam até Sambuiá e depois ao Morés?
Pode-se avaliar que havia um certo equilíbrio de armamento entre guerrilheiros e contra guerrilheiros; e estão aqui os dados flagrantes da condição de milhares de guineenses forçados a abandonar as suas tabancas para não serem colhidos entre os dois fogos e permanentemente intimidados pela guerrilha; e ressalta uma história sublime, a relação com o Capitão do Quadrado, momentos há, na leitura deste cartapácio, e nos outros livros que têm a ver com Tomé Pinto e os seus homens na Guiné em que somos forçados a reconhecer que muitas vezes a realidade é mais potente e grandiosa que os voos da imaginação, em literatura memorial.

Um abraço do
Mário


Binta, Guiné, A Companhia do Capitão do Quadrado, novas memórias (3)

Beja Santos

O livro intitula-se “A nossa guerra, dois anos de muita luta, Guiné 1964/66 – CCaç 675”, por Belmiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autores, 2017. A capa é surpreendente, como se escreve: “Uma bonita abatis na estrada de Farim. Esta não cumprira a sua missão: impedir a passagem; as viaturas passavam por baixo!”. No blogue, já tive oportunidade de me debruçar sobre três livros referentes ao historial da CCaç 675: primeiro, o galvanizante “Diário de JERO”, um relato feito pelo enfermeiro da Companhia de tudo quanto se vai passando, e tudo quanto se vai passando gravita à volta de um oficial bem-amado, Alípio Tomé Pinto, que irá ficar conhecido pelo nome de “Capitão do Quadrado”, um documento publicado à sorrelfa em 1965, podia ter custado a carreira deste oficial que chegou a general; seguiu-se outra obra “Golpes de Mão’s”, se apresentava como o segundo volume do diário, leitura estimulante, mas não chegava ao sopro anímico do primeiro; terceiro, a biografia do general Tomé Pinto, da responsabilidade da jornalista e investigadora Sarah Adamoupoulos. O impulsionador deste quarto documento é um homem sentimental que ainda hoje nos impressiona tanto pela memória dos acontecimentos vividos, como pela sua arte de contar, não é a primeira vez que o oiço de voz embargada e lágrimas a bailar nos olhos, Binta e arredores não lhe saem do coração.

O fôlego, o ritmo da escrita do primeiro ano da comissão, vai conhecer quebras acentuadas na narrativa do segundo ano. A primeira condicionante é de que um homem não é de ferro, era inteiramente impossível manter aquela passada vertiginosa em limpezas de estrada, acolhimento das populações em fuga, fazer patrulhamentos ofensivos, operações e colunas de reabastecimento a Guidage. A segunda passará com uma alteração logística de tomo, a CCAÇ 675 é forçada a manter um pelotão em Guidage, começa a história do cavalo do inglês, o devaneio de que se pode fazer o mesmo com muito menos.

Fazem-se colunas, volta-se a Sambuiá, mantêm-se as batidas constantes. Na nota do diário de 12 de maio de 1965 lembram-se os três mortos, o que se passou, a frescura física já não é a mesma, a vida operacional vai-se mitigando, entenderam os autores apresentar uma galeria de retratos dos que mais se sobressaíram, uns mais desenvoltos ou desenrascados, outros introvertidos, são notas ternas sobre o Lua, o Aguardente, o Engrácia, o Moreira, o Eurico, o Vendas Novas, e muitos outros. O médico da Companhia também tem honras de destaque. O diário é mais sóbrio, resumido, aliás começam a aparecer súmulas mensais. O moral da tropa é oscilante, por motivos fúteis surgem quezílias. Um dos narradores, Belmiro Tavares, conta a morte do Nascimento que pisara uma mina antipessoal. Em Guidage, aconteceu algo de tétrico, fugira um prisioneiro, alguns soldados do pelotão espancaram até à morte o soldado Fó Gomes, houve decisão do tribunal militar. A guerrilha não perdeu totalmente a iniciativa, em agosto de 1965 ataca Guidage. O Capitão do Quadrado volta de férias e logo a seguir parte para fazer o curso do Estado-Maior, o novo Comandante é o Tenente Cruz. Partiu o BCAV 490, chegou o BART 733, vão começar os contenciosos com o Major Azevedo. Chegou a luz elétrica a Binta, as batidas e patrulhamentos entre Binta e Guidage são constantes, há consciência de que o PAIGC quer aumentar a perturbação com a afluência das populações que abandonam o Senegal e que pretendem acolher-se ao setor de Binta. Nisto, explode uma bomba numa festa em Farim, mortos e feridos aos montes, a maioria crianças e mulheres. Um velhinho Dakota faz várias viagens por essa noite para recolher os feridos às centenas. A PIDE executa prisões, o gerente da Sociedade Comercial Ultramarina em Farim, um madeireiro, o bailarino, um chefe do grupo de milícias, mas também funcionários da Administração de Farim, do Centro de Saúde, da Central Elétrica. Volta-se a Sanjalo, há notícias de um acampamento clandestino. Segue-se a história do soldado Joaquim Lopes Henriques que ficou com um braço esfacelado, uma história que ficou para a vida inteira. Crescem as tensões entre a CCAÇ 675 e o Major Azevedo. E assim se chega a 1966. Já não há diário, há resumos mensais, suspira-se pelo final da comissão. Recorda-se com saudade o soldado n.º 108 Mamadu Bangoran, um Fula valoroso, comportara-se heroicamente retirando das chamas vítimas de uma mina anticarro entre labaredas e ferros retorcidos, não temendo a explosão do depósito de gasolina, retirou todo o material de guerra que por ali se espalhava. O Capitão do Quadrado chamou-o para o elogiar e Bangoran que era um muçulmano heterodoxo pediu licença a Tomé Pinto para se embebedar.

A CCAÇ 675 passou à disponibilidade em 4 de maio de 1966 mas está viva da costa, as páginas finais deste cartapácio relatam encontros, episódios pessoais, lançamento de livros, gente que se dispersou pelas sete partidas do mundo, falecimentos, doenças. Todos os acontecimentos à volta do Capitão do Quadrado são pretexto para ajuntamento dos seus homens, caso do lançamento da sua biografia que ocorreu em Lisboa em abril de 2016. O álbum fotográfico completa a obra. Foram dois anos de muita luta, escrevem insistentemente os autores, e dizem concretamente porquê. Mas o que sobressai, o que ficará para todo o sempre é um caso particular de devoção ao Comandante de Companhia, isto para já não esquecer aqueles primeiros meses de turbilhão que transformaram a região de Binta de corredor livre do PAIGC num caso de êxito de contraguerrilha, e por isso se percebe muito bem a ligação inquebrantável entre o Capitão do Quadrado e os seus devotados militares.
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1 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19639: Notas de leitura (1165): “A nossa guerra, dois anos de muita luta, Guiné 1964/66 – CCaç 675”, por Belmiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autores, 2017 (2) (Mário Beja Santos)

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