quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > O terceiro e penúltimo Comandante da Companhia (Capitão Q. P. Moura Soares) e o Comandante do Batalhão 2852, Tenente-Coronel Pimentel Bastos, também conhecido por Pimbas.

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > O comandante do BCAÇ 2852 em visita ao aquartelamento, em construção, de Mansambo, e à famigerada fonte (em cima) - talvez em Novembro ou Dezembro de 1968. Por motivo de doença o terceiro Cmdt da Cart 2339 foi substituído, em Dezembro de 196, pelo quarto e último Comandante, o Capitão Q. P. Laranjeira Henriques, 28 anos, 3ª Comissão no Ultramar.

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > Material IN apreendido pelas NT.

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > CART 2339 > 1968 > Um Capitão (Lima) e três Alferes periquitos em Fá. O Capitão Lima foi o segundodos quatros comandantes que a companhia teve.

Fotos e texto: © Torcato Mendonça (2006)

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes (1)

O Torcato foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69.

Fotos falantes (2)

Fotos do Alf Mil Cardoso, enviadas pelo Marques dos Santos (4 fotos) (Como o Cardoso aparece em algumas destas fotos, o autor não é, logicamente, ele. Certo é terem-me sido enviadas pelo Marques dos Santos. Vou enviar-lhe uma cópia do CD).

Um Capitão e três Alferes periquitos em Fá. Este Capitão (Lima) era o 2º comandante que tivemos. O primeiro (Cap Mil Meira de Carvalho), logo em Évora, devido a doença, teve que abandonar a Companhia. Aconteceu o mesmo a um Alferes.

A outra foto é já em Mansambo: material IN apreendido pelas NT.

O terceiro Comandante da Companhia (Capitão Q.P. Moura Soares) e o Comandante do Batalhão 2852, Tenente-Coronel Pimentel Bastos.

Trata-se de uma visita ao aquartelamento, em construção, de Mansambo, e à famigerada fonte - talvez em Novembro ou Dezembro de 1968. Isto porque, devido a doença o terceiro Cmdt da Cart 2339, foi substituído, em Dezembro de 1968 pelo quarto e último Comandante. Quanto a mim o verdadeiro Comandante [da nossa CART 2339], Capitão Q.P. Laranjeira Henriques, 28 anos, 3ª Comissão [no Ultramar]!).

Tenente-Coronel Pimentel Bastos

Falemos um pouco dele. Chegamos à Guiné em Janeiro de 68. Depois de breve estadia na Capital, mandaram-nos para o Leste. Fomos para Fá, como Companhia de intervenção do BART 1904, com sede em Bambadinca – Sector L1. O seu Comandante era o Tenente-Coronel Branco.

Fizemos o treino operacional no Xime, onde estava a Companhia 1746, comandada pelo Cap Mil Vaz. Um dos Alferes era o Madaíl (já falado aqui neste Blogue). Depois fomos à nossa vida. A primeira Operação foi destruir o Galo Corubal. Louvor à CART 2339 pelo Cmdt do BART 1904.

Talvez no último trimestre de 68, o Batalhão 1904 foi rendido pelo Batalhão 2852. Era seu Comandante o Tenente-coronel Pimentel Bastos.

A 2339 estava sedeada em Mansambo, empenhada na construção do aquartelamento, a fazer patrulhas e operações, a proteger as Tabancas da zona. Por isso passávamos muito pouco tempo em Bambadinca, Bafatá ou Nova Lamego. Só lá íamos para reabastecimentos, operações ou, a Bafatá, passar um dia, como prémio por algum ronco, correio ou compra de vacas no Sonaco.

Era uma vida, em Mansambo e nas tabancas, sem o mínimo de condições – alimentares, higiénicas, médicas ou outras - que nos proporcionassem o mínimo de conforto.

Bambadinca era uma maravilha para nós. Vivia-se lá um clima de tranquilidade e de bom convívio. Para isso contribuía o Comandante e vários militares. Como a segurança era boa, estavam lá as esposas do comandante, do médico e do tenente da Secretaria.

Estive várias vezes em Bambadinca, por um dia ou dois, no intervalo de colunas, operações ou similares. Verifiquei sempre o óptimo e descansado ambiente que se vivia no Bar/Messe de oficiais e no resto do quartel. Não tive curiosidade em conhecer a povoação, instalações dentro do quartel ou outras. As minhas viagens iam até a certos locais da tabanca, acompanhado do Lali, Sukel ou outro. Tanto assim que não me recordo da escola, menos da professora ou dos comerciantes.

A calma vivida era tão boa que quando as portas batiam eu fazia um movimento. Os do Batalhão sorriam. Nós não tínhamos portas e o som era parecido a uma saída de arma pesada, coisa desconhecida para a maioria deles. Até um dia, pois! (2) ...

Voltando ao Tenente-coronel Pimentel Bastos, além de ser pessoa faladora e de óptimo trato, tentava quer ele quer a esposa e mesmo outros militares proporcionar um ambiente agradável. Como militar não o julgo e espero não o fazer com ninguém. Ele e outros eram profissionais. Muitos não estavam preparados para aquela guerra, creio mesmo que para nenhuma. Eram militares para outros desígnios. Os milicianos, sargentos e oficiais eram iguais, muitos não estavam minimamente preparados. Mas esses não tinham que estar.

Naquele tempo, de 1968 até meados de 1969, viver em Bambadinca era bom, para quem fazia a guerra na Guiné. Isso gerou o laxismo da defesa, o não tratamento das informações e não se compreenderem certos sinais do IN. Gerou-se assim, um irreal clima de confiança. Eles não atacam Bambadinca. Mas atacaram e a defesa não estava acautelada. Houve uma resposta fraca, cenas que eram evitáveis. Comportamentos correctos e determinantes pela parte de alguns militares. Outros, não cumpriram! O major pode ter dado tiros para o ar... agora berrar pelo Pimbas? Creio que não.

Nós, em Mansambo, ouvimos o ataque e pensamos ser na Moricanhe. O rádio informou: ataque a Bambadinca e a ordem de irmos, no dia seguinte, ao Batalhão. Foi o Cmdt da 2339 e dois grupos de combate pois um ficava lá. Ficou esse Grupo em precárias condições (para ser leve) no pontão, semi-destruído na estrada para o Xime (Rio Udunduma, 3º Grupo de Combate do Marques dos Santos).

Estávamos na época das chuvas. Vivia-se em Bambadinca, se bem me lembro, um mau ambiente e uma certa desorientação. Regressámos a Mansambo preocupados quer com o nosso grupo que tinha ficado no pontão quer com o que se tinha passado.

Bambadinca nunca mais foi a mesma. Este ataque deixou marcas profundas. O bater das portas começou a ter outro significado. A carreira de certos militares profissionais ficou afectada. O Tenente-coronel Pimentel Bastos ficou com a sua carreira cortada. Regressou à Metrópole em 4 de Dezembro de 1969, no Uíge. Nós, os da 2339, vínhamos lá. Pela última vez, comandou-nos porque era o Comandante Militar das tropas embarcadas.

Não falo mais sobre o ataque ao Batalhão 2852. Para terminar digo que a Administração Colonial gostou ao que aconteceu aos militares. Talvez alguns militares também.

Um dos profissionais que estava no seu posto, melhor na sua cama, na noite do ataque, fez uma operação a meu lado na zona do Xime. Foi a 1ª em que o Malan Mané serviu de guia. Deu barraca porque o Malan se perdeu e nós estávamos detectados. Mas o dito Oficial profissional estava apavorado, desorientado e não sabia o que fazer. Na reunião antes da operação sabia quando, em frente dos alferes, berrou com o Cap Mil que comandava a Companhia do Xime. O Capitão Miliciano disse-lhe:
- Meu Major, eu sou Professor do Liceu.- Voltou a dizer-lho em reunião no mato quando, e bem, regressámos ao Xime.

O Tenente-coronel Pimentel Bastos, no dia que fez 50 ou 51 anos, foi numa operação com malta da 2339. Não fui com ele porque o paludismo foi mais forte. Á volta dele estavam quatro ou cinco militares do meu grupo, houve tiroteio e ele era mais um…! Deixou resolver a situação, por quem tinha que o fazer e a isso estava habituado. No regresso, em Mansambo, disse-me calmamente:
- Não era necessária tanta gente á minha volta.
- Não sei de nada, meu Comandante.- Sorrimos, claro. Ele ainda acrescentou:
- Os rapazes merecem uns dias fora disto, temos que falar.

Não era um guerreiro, era um militar igual a tantos. Nas horas mortas era poeta. Assinava PIMBAS (3).

A última vez que o vi foi em Lisboa, no desembarque a 10 de Dezembro de 1969.

Encontrei por acaso a esposa, D. Alzira, em Lisboa e soube que o marido estava bem.
Recordo a D. Alzira (confesso que já não me lembrava do nome, vi-o no blogue) e relato um episódio que se passou comigo. Antes digo que era uma Senhora com quem gostava de falar. Geralmente, enquanto aprontavam a coluna eu metia combustível no bar e falávamos. Certo dia cheguei a Bambadinca vindo das autodefesas. Tínhamos passado uma má, uma péssima temporada. Falta de comida e bebida, tabaco, correio, roupa. Felizmente tivemos a visita do General Spínola e, passados poucos dias, fomos rendidos.

Depois do duche, de vestir roupa limpa, de me desinfectar com uma boa dose de uísques, fui ao bar. Uma bebida fresca, comer uma sandes de fiambre era um luxo. Estava lá a esposa do Comandante. Cumprimentei-a, pedi os comes e bebes, olhei para as revistas que estavam em cima da mesa. Talvez a Flama e outras da época. Vi um homem com um fato de astronauta e a legenda, não recordo, falava do homem e da Lua. A D. Alzira disse-me:
- Está a ver, o homem já andou na Lua! - Calou-se talvez devido á cara que fiz.

Confesso que pensei:
- O clima apanhou-a ou bebi demais. -Ela acrescentou:
- Na metrópole viram em directo.- Aí tive pena dela:
- Passou-se…!

O militar do bar deu-me a bebida fresca, a comida, e safou-me.
- Olhe, na minha casa nem se deitaram. O meu alferes tem estado no mato? Veja aí nas revistas.

Claro que vi e li. Acabámos a rir e eu fui, depois de mais um copo, ler o meu correio.

Eram situações caricatas. Só quem lá esteve e as viveu compreende o que valia um cigarro, uma bebida gelada, uma meia – daí – garrafa de uisque e outras coisas tão simples. Além de – isso mesmo… – uma bajuda, mesmo que já tivesse na segunda volta dos cem mil. O isolamento era terrível.

Guerra estúpida a causar sofrimento a tantos. A defender interesses de minorias poderosas, a servir as políticas de uma mão cheia de loucos. Ontem e hoje, é igual. Passado tanto tempo sofre-se ainda na Guiné e no antigo Império. Sofrem hoje outros povos, vítimas de ditadores, loucos e detentores de novos impérios. Em cada dia que passa, fruto da recordação ora trazida, da notícia lida, ouvida ou vista, aumenta em mim a repulsa da resolução dos problemas pela força das armas.

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postd e 26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou ?

(2) Vd. post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)

(...) "Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros... Esse ataque ficou célebre: os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS... Um caso exemplar, divertido e hilariante, da guerra da Guiné... A sorte dos gajos de Bambadinca foi os canhões s/r terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uma semana depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados no Sector L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda estavam sem pinga de sangue..."Podíamos ter morrido todos", dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã... Fomos depois nós , para lá, com os nossos nharros, e em 18 meses nem um tirinho: que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, que já estava "libertada"... Eu faria o mesmo, na minha terra...Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico:"Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros". (...)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006)

(3) Vd. posts de:

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)
30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)

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