sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)



Guiné > Bambadinca > 1968 > Aspecto parcial do novo quartel de Bambadinca, no início da comissão do BCAÇ 2852 (1968/70). O Batalhão anterior tinha sido o BCAÇ 1904 (1966/68): foi no tempo deste batalhão que terá explodido, por acidente, o depósito de material de guerra.

Foto: © Beja Santos (2006). Todos os direitos reservados


1. A honra dos nossos camaradas é um valor que muito prezamos, mas a verdade deve estar acima de tudo: o Pimbas, diminuitivo de Pimentel Bastos, tenente-coronel e comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), partilhou connosco as coisas boas e más da guerra, esteve em Bambadinca de saudosa memória, dormiu em Missirá, passou à reserva e morreu amargurado, segundo me diz o Beja Santos que era seu amigo e admirador…


Eu já não o conheci pessoalmente. Quando fomos colocados em Bambadinca (18 de Julho de 1969) o patrão já era outro, o Pamplona Corte Real… Os oficiais superiores nunca os considerei meus camaradas, nem nunca privei com eles – porque camarada é, etimologicamente falando, quem dorme comigo no mesmo buraco, no mesmo chão, na mesma cama, na mesma caserna; nem sequer companheiros, porque nunca comi,  à mesma mesa com eles o mesmo pão (do latim cum + pane)…


Infelizmente, o Pimentel Bastos já morreu, e até por isso, não devemos manchar a sua memória… O episódio do “Ó Pimbas, não tenhas medo!” não é factual, é ficcional (vd. post de 1 de Agosto de 2006, da minha autoria > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo!)…


2. O Beja Santos, que como sabem veio a correr, como mais 20 voluntários, de Missirá em socorro de Finete (que ele julgava que estava a ser atacada) e que, chegado aí, descobriu que o ataque era a Bambadinca, e que foi o primeiro a chegar à sede do batalhão, nessa noite de 28 de Maio de 1969 (vd. post de 1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável ), vem em defesa da honra do seu comandante e seu amigo (um homem culto e sensível), garantindo-me, sob palavra de honra, que o Pimbas não estava em Bambadinca, mas sim em Bissau, de férias ou talvez em serviço, tanto faz… Logo nunca poderia ter sido ele o protagonista da humilhante cena no corredor, nas instalações dos oficiais, com o 2º comandante, de pistola em punho, a gritar: - Ó Pimbas, não tenhas medo!...


Aproveitou, o Beja Santos, no telefonema que me fez, na manhã do dia 2 de Agosto, antes de ir de férias, também para me corrigir o seguinte ponto: o major que tinha a mania de andar com pistolas Walther em punho, à cowboy, era o de operações, o Viriato (Viriato Amílcar Pires da Silva), e não o 2º comandante, major Bispo (Manuel Domingues Duarte Bispo)…


3. O meu texto, repito, é ficcionado, baseado em notas do meu Diário de um Tuga (1969-71) e fez parte de um pré-romance que comecei a escrever em 1981 e que continua incompleto (Na Guiné, longe do Vietname…)… Estas cenas, que eu anotei, contaram-me os gajos de Bambadinca, por onde passei – eu e o resto dos meus camaradas da CÇAÇ 2590/CCAÇ 12 -, a caminho de Contuboel, cinco dias depois do ataque a Bambadinca: de facto, tínhamos desembarcado no Xime, na LDG, na manhã de 2 de Junho de 1969, fomos saudados e escoltados pela companhia do Gilberto Madaíl (a CART 1746, que também estava à espera dos seus periquitos, a CCAÇ 2520, que lá ficou), passámos por Bambadinca (onde comemos a nossa ração de combate e onde ainda havia vestígios do ataque de 28 de Maio, não se falando aliás de outra coisa), tendo chegado à noite a Contuboel, via Bafatá…


Lembro-me muito bem de falar com o meu amigo e conterrâneo, o 1º cabo de transmissões de infantaria, Agnelo Pereira Ferreira – com quem, de resto, me cruzo frequemente, em férias, nos meus passeios matinais na maré vazia entre a Paria da Areia Branca e a Praia do Paimogo… ) e que me pode confirmar se o Pimbas estava ou não estava em Bambadinca nessa noite, por ocasião do ataque que ocorreu à meia noite e vinte e cinco minutos…


A maioria dos soldados dos batalhões, mesmo os da CCS, mal conheciam os seus comandantes, estando longe de saber qualquer era a sua agenda… Já os tipos das transmissões tinham, por obrigação, acompanhar as suas andanças via rádio… Compulsando a história do BCAÇ 2852, constato o seguinte, relativamente à actividade das NT no mês de Maio de 1969:


(i) dia 1, o Cmdt (Pimentel Bastos) deslocou-se ao local da Op Cabeça Rapada III;
(ii) a 8 acompanha o major de operações em visita ao Xitole e à Ponte dos Fulas;
(iii) a 12, os dois estão em Fá;
(iv) a 14, o Cmdt acompanha o Cmdt do Agr 2957 (coronel Hélio Felgas) em visita a Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole, Saltinho, Quirafo, Dulombi e Galomaro;
(v) a 24, o Cmdt deslocou-se ao Agr 2957 (com sede em Bafatá);
(vi) a 25 o Cmdt Militar e o Cmdt Agr 2957 visitam Bambadinca;
(vii) a 28, o Cmdt do Agr 2957, visita Bambadinca (depois do ataque, obviamente)…


Com esta actividade toda, não me parece razoável que o Pimental Bastos estivesse de férias, embora provavelmente já as merecesse: O BCAÇ 2825 partiu no Uíge, a 24 de Julho de 1968, e na estação seca de 1968/69 teve uma intensa actividade operacional, incluindo a Op Lança Afiada, a qual, segundo o Beja Santos, marca o princípio da desgraça do nosso tenente-coronel…

4. Eu vou inserir esta nota de esclarecimento no blogue… Como é timbre da nossa tertúlia e e de acordo com o nosso código de ética, temos o direito à verdade, devemos sempre prezar a verdade dos factos… Temos também que prezar a honra dos nossos camaradas e até daqueles que mandaram em nós (umas vezes bem, outras vezes mal, não vamos agora discutir isso)… E sobretudo temos a obrigação de respeitar a memória dos nossos mortos – de todos os nossos mortos - que, esses, já não podem infelizmente defender-se nem apresentar a sua versão dos acontecimentos…


Se algum de vocês quiser acrescentar mais elementos para esclarecimento do caso do Pimbas, estejam à vontade… Há muita malta desse tempo, e que esteve em Bambadinca ou no respectivo sector, entre 1968 e 1970: para além do Beja Santos, temos o Carlos Marques dos Santos, o Ernesto Ribeiro, o Hernâni Acácio Figueiredo, o Mário Armas de Sousa, o Paulo Raposo, o Torcato Mendonça, o Victor David, o Rui Felício, os meus camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Humberto Reis, Tony Levezinho, Joaquim Fernandes, Sousa)…


5. Fiquem, por fim, com a minha opinião: a famigerada expressão Ó Pimbas, não tenhas medo! – que o Beja Santos, por exemplo, nunca ouviu em Bambadinca – não é uma invenção minha, nem muito menos é uma infâmia que atinja a honra e o brio de um militar que eu não conheci, e que até poderia ser um homem afável e cosmopolita, sem vocação para comandar outros homens no teatro de guerra; é muito provavelmente uma expressão – satírica, grotesca, burlesca, caricatural, vicentina – que o nosso Zé Soldado criou para invectivar e ridicularizar o comportamento – muitas vezes deplorável, pouco honroso – de alguns dos nossos oficiais superiores do Exército que eram de facto militares de opereta… Falo, obviamente, dos poucos que conheci ou de quem ouvi falar...


O Pimbas não era necessariamente o tenente-coronel Pimentel Bastos, mas sim um boneco que nós, soldados, criámos, para causticar os nossos comandantes, um boneco para consumo dos programas de crítica social, na caserna, no bunker, no abrigo, na hora do lobo… Um pouco à semelhança do actual, popular e divertido, Contra-Informação da RTP 1…


De resto, muitos nós também tínhamos o nosso boneco: o Turra, o Vermelhinha, o Campanhã, o Alfero Cabral, o Camarada Sov, o major Eléctrico, o Tigre de Missirá… Temos que dar a conhecer, divulgar… e amar estes bonecos… Afinal, de contas, eles são nós, todos nós fizemos parte desta trágico-comédia…


Luís Graça

1 comentário:

Antonio Vaz disse...

Chamo-me Antonio Vaz tenho 73 anos e fui capitão milº comandante da cart 1746 no xime de janeiro 1968 até ao fim da comissão jun1969.
Como compª independente conheci vários comdt de bat.primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o comdt do 1904 tencel Branco o Fontoura e o Pimentel Bastos.Todos diferentes todos iguais.Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espirito a cultura ea simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo.Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama.Eu estimei-o