Guiné > Bissau > 1970 > Vista aérea da cidade, com o ilhéu do Rei, ao fundo, frente ao porto. Ao centro, a Praça do Império e o palácio do Governador.
Foto: © Paulo Raposo (2006)
XVII parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. 43-44 (1).
O PODER DA ORAÇÃO
Enquanto estivemos a nível de grupo de combate, por sugestão de um dos meus soldados, começámos a rezar o terço diariamente.
O meu grupo de combate foi o único que não teve baixas.
NATAL de 1969
Aproximamo-nos do segundo Natal passado na Guiné. À medida que o tempo passava parecia que os dias custavam mais a escoar e começava a crescer em nós a ansiedade do tempo passar mais depressa. Foi um Natal sem história.
MAIS UMAS FÉRIAS
As saudades de casa vão-se avolumando. Surgem em Janeiro as últimas férias. Estas férias não têm história à excepção de um caso que se passou em Bissau. Encontro um grande amigo meu, o Zé Espírito Santo, que estava instalado na Casa Gouveia, pertença de sua família, em trânsito para o mato. Foi uma festa. Nunca mais o vi. Deve ter passado um mau bocado na voragem do 25 de Abril.
NOVAMENTE o REGRESSO
No regresso destas férias, a Sra. D. Beatriz Nascimento (2) convida-me para ir jantar a casa dela. Muito atrapalhado me senti naquele jantar, pois quem estava à mesa além do dono da casa? Do Q. G. estava quase todo o Estado Maior, e do Comando-hefe o Brig Lopes dos Santos. Estava também presente o Padre Pedro Gamboa, Capelão Militar. Reconheceu-me. Ele tinha sido o orientador espiritual no Agrupamento de Escuteiros onde eu tinha andado.
Este Agrupamento estava instalado numa garagem do Palácio do Conde de Rio Maior, que gentilmente no-la cedeu, na Rua das Portas de Santo Antão, logo depois do Ateneu, [em Lisboa].
Terminado o jantar e o serão, o Brig Lopes Santos levou-me até ao Grande Hotel. Era e é uma simpatia. De caminho vai-me dizendo que na semana anterior tinha ido de heli visitar uma terra chamada Dulombi. Mais nada me acrescentou.
Deixa-me à porta do Hotel e eu fico à espera na beira do passeio que o senhor se afaste.
Qual o significado do que me disse de ter ido a Dulombi? Qual era a situação?
Passados anos, o meu cunhado António Brás Teixeira é convidado para ir como Director para um Banco em Moçambique. E lá seguiu ele, a minha irmã e os cinco filhos. Foram como se diz à Senhora da Asneira. Tudo lhes correu mal. A minha irmã perdeu dois filhos em Lourenço Marques. Um à nascença e outro com poucos meses de idade.
Quizeram fazer de África terra pagã após a descolonização, mas África está cheia de cristãos.
Ainda guardo as cartas que os meus sobrinhos me escreveram. Eram uma delícia. Ou seja, eles ditavam e a minha irmã escrevia.
Ao fim de algum tempo, o meu cunhado foi convidado pelo Governador, ao tempo o Dr. Baltazar Rebelo de Sousa, para Secretário Provincial. A tomada de posse foi no Salão Nobre do Ministério do Ultramar, sendo o ministro o Dr Silva Cunha.
Na cerimónia de posse estava presente o Brig Lopes dos Santos, então Governador de Cabo Verde. Acabados os discursos, as assinaturas e as cortesias, vou cumprimentar o nosso Brigadeiro, que exclama:
- Olha o Alferes de Dulombi!
Que memória!
Voltemos à situação de expectativa em que o Brig Lopes Santos me deixou por causa de Dulombi.
Como Madina do Boé tinha sido evacuada [em Fevereiro de 1969], a metralha que o inimigo lá descarregava tinha de ser usada noutro sítio. Assim, a zona de Galomaro, que era perfeitamente pacífica, deixou de o ser. Para lá tinha ido uma companhia de Pára-quedistas para reforçar a zona e manter o inimigo à distância.
Estávamos em Fevereiro de 1970 e contávamos, por tudo o que já tínhamos passado, ir para os arredores de Bissau, para o descanso, pois a nossa comissão terminava em Maio.
Dulombi ficava a sul de Galamaro. Será que ainda tínhamos de ir para lá? Passado pouco tempo de chegado à Companhia surge a ordem para a [CCAÇ] 2405 seguir para Dulombi para instalar um aquartelamento.
A desmoralização foi muita. Íamos para pior e bem pior.
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Nota de L.G.
(1) Vd. post anterior, de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1007: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (15): as colunas logísticas de Galomaro a Bafatá e a Bambadinca
(2) Esposa do Brigadeiro Nascimento, 2º Comandante Militar, aquando da chegada do Paulo Raposo à Bissau, em Agosto de 1968: vd. post de 5 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (4): Em Bissau com Spínola
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