sábado, 18 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23362: (Ex)citaçõs (410): O islão na Guiné-Bissau, país laico e tolerante: correntes moderadas e radicais (Cherno Baldé, Bissau)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contuboel > 16 de Dezembro de 2009 > O João Graça, médico e músico, posando ao lado do dignitário Braima Sissé. Por cima deste, a foto emodulrada de Fodé Irama Sissé, um importante letrado e membro da confraria quadriyya [, islamismo sunita, seguido pela maior parte dos mandingas da Guiné; tem o seu centro de influência em Jabicunda, a sul de Contuboel; a outra confraria tidjania, é seguida pela maior parte dos fulas].

O Braima Sissé foi apresentado ao João Graça como sendo um estudioso corânico, filho de uma importante personalidade da região, amigo dos portugueses na época colonial [, presume-se que fosse o próprio Fodé Irama Sissé].(*)

Foto (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

1. Comentário de Cherno Baldé, nosso colaborador permanente para as questões etno-linguisticas,  vive em Bissau, tem formação superior tirada na ex-União Soviética (Universidade de Kiev, Ucrânia) e em Lisboa, ISCTE- IUL

Quanto a questão do véu islâmico... é uma questão religiosa deveras melindrosa, mas também económica e financeira, de quem mais e melhor pode pagar. 

Se nos anos 60/70 os mais cotados representantes eram, em grande maioria, da etnia fula (ver Futa-Fula) que professavam a corrente Sunita da Tidjania, bem moderada, com ligações às correntes religiosas do Magreb e do Egipto (escolas islâmicas de Fez e do Cairo, nomeadamente Universidade de Al-Qarawiyyin e Al-Azhar) que formavam os nossos estudantes em matéria islâmica, actualmente a etnia mandinga/biafada apoderou-se da iniciativa do proselitismo religioso com ligações ao movimento Salafista - Wahabita do Médio Oriente (países do Golfo liderados por Qatar e Arábia Saudita) beneficiando de importantes fundos (doações) para esse efeito.

Durante os últimos anos houve uma espécie de braço de ferro das duas correntes pela liderança das comunidades em Bissau e nas principais cidades do interior, com destaque no Norte e Leste do país, mas, pelos vistos a nova corrente está a levar a melhor e com isso, também, a presença cada vez maior de jovens discípulos desta corrente é Salafista-Wahabita nas mesquitas também por eles construidas tanto nos subúrbios da capital como no resto do país. 

Apesar de tudo, ainda não passa de um fenómeno novo e pouco expressivo, tendo em conta a resistência das correntes mais antigas e tradicionais (Tidjania e Quadryya) na região Oeste africana. 

Ainda convém salientar que não se trata do caso específico de um país,  em particular, mas de toda a nossa subregião africana onde a Guiné Bissau ainda faz boa figura em termos de equidade e tolerância. 

Até quando ? Não se sabe, o mais certo é que a situação tende a piorar e só seria possivel contrariar a tendência com uma oferta maciiça de formação e educação escolar de carácter secular e não religiosa aos mais jovens a nível do pais em larga escala, acompanhada de possibilidades de emprego e/ou iniciativas individuais de auto-emprego.

Cordialmente,

Cherno Baldé (**)

PS - A confraria Xiita (com ligações ao Irão) não tem muitos adeptos na nossa subregião (África do Oeste) e mesmo a nivel do continente é pouco expressivo. Mas, eu não falei desta corrente religiosa e sim da competição dentro da corrente Sunita,  onde existem orientações moderadas (mais antigas) e outras mais radicais (Salafistas / Wahabitas) originárias do Mêdio Oriente cuja influência é cada vez mais sentida nas comunidades muçulmanas do país e da subregião.

E, claro, como qualquer actividade sociocultural, quem tem mais recursos (meios humanos, materiais e financeiros) tem mais vantagens na mobilização social das comunidades no campo religioso também. Se quisermos tomar como elemento de comparação,  direi que a politica Spinolistas "Por uma Guiné melhor" para ser credível tinha em consideração várias dimensões e nas diferentes esferas da vida das comunidades (povos) da Guiné, sem descurar, obviamente, do campo militar. A nossa"tropa-macaca" é que não conseguia entender e acompanhar uma tão repentina mudança de direção e de atitudes para com os pretos indígenas na complicada engrenagem imperial do Estado Novo. (***)

_________


(**) Último poste da série > 16  de junho de 2022 > Guiné 61/74 – P23357: (Ex)citações (409): Sobre a progressão da coluna no dia 29 de Maio, atentem no seguinte excerto do meu livro "Prece de um Combatente" (Manuel Luís R. Sousa, SAj GNR Ref, ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512/72)

(***) Vd. também excerto do livro de Frncisco Proença de Garcia -  Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974). Triplov.com.org

Vd. também postes de:


19 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6762: Antropologia (19): Os muçulmanos face ao poder colonial português e ao PAIGC (Eduardo Costa Dias)

7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A fixação em português de vocábulos de origem árabe, relacionados com o Islão, e nomeadamente africano , é um bico de obra: por exemplo confraria Quadriyya, confraria Tidjania, Salafista, Wahabita, etc.

O nosso amigo (e membro da Tabanca Grande), o antropólogo Eduardo Costa Dias, especialista do Islão da Guiné, escreve assim: confraria qadriyya e da tijâniyya...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/07/guine-6374-p6762-antropologia-19-os.html

Outro especialista, este militar, Francisco Proença de Garcia, por seu turno, escreve: confraria Tidjanya, confraria Qadiriya...

https://www.triplov.com/miguel_garcia/guine/cap3_relaciona.htm

Os dicionários de português não nos dão grande ajuda... Vou consultar o Ciberdúvidas d Língua Portuguesa...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O cristianismo também está cheio de seitas "fundamentalistas", que levam à letra o Antigo e o Novo Testamento...E têm proliferado pelo Novo (Américas) e o Velho Mundo (África e Euroásia)...O grande problema de todas as religiões, monoteístas, é a "iliteracia teológica" dos crentes...Daí a importância das madraças, sejam corânicas ou outras... O clero existe para servir de relé parasita entre a divindade e o crente...

Tens razão, Cherno, a Guiné-Bissau está, de facto, num bloco geográfico, político e económico potencialmente perigoso, a África subsariana, ocidental... É fácil deitar fogo ao capim, se a fome, a seca, a miséria, começarem a apertar... Mas, honra seja feita aos guineenses: é ainda um "oásis" de tolerância religiosa... Até quando, também não sei... Mantenhas. LG

Antº Rosinha disse...

No tempo de Spínola, alguns pais muçulmanos tinham os filhos a estudar nos missionários católicos.

Até, eventualmente, aprendiam a ajudar na missa.

Aconteceu.

Cherno Baldé disse...

Caro amigo Luis Graça,

Penso que a grafia mais conhecida e melhor aceite é "Qadiriyya e Tijaniyya".


Junto envio algumas notas historicas sobre as origens das Confrarias citadas no presente Poste.

Tariqa (Confraria ou Ordem) da Qadiriyya
Abdul Qadir Gilani, Baghdad, Iraq
Data de Nascimento: 30 de Outubro de 1077, Provincia de Gilan, no Irao.
Data de morte: 21 Fevereiro de 1166, Bagdade no Iraque.
A Qadiriyya ou Confraria de Qadir é uma Confraria sufi fundada no século XI pelo Cheikh Abd al Qadir al-Gilani cujo santuario e mausoleu encontram-se em Bagdade cidade onde viveu e ensinou durante muitos anos.
A Qadiriyya era seguida na regiao Oeste da Algéria e no Reino Cherifino (Marrocos) onde a Zawiya (escola) Qadiriyya continua a existir na antiga medina de Fés, antes de se expandir para a regiao ao sul do Sahara.
Durante o primeiro quartel do século XIX, importantes mudanças acontecem na regiao da Africa Ocidental com a instalaçao de estados ou teocracias muçulmanas na sequencia de guerras apresentadas como açoes de djihad. Estes djihads sao dirigidas por membros das élites intelectuais e religiosas dos fulas ou fulanis fortemente influenciadas pelas ideias sufistas da corrente mistica Qadiriyya que culminam na formaçao de estados teocraticos de Futa-Toro e Boundou (Senegal), Futa-Djalon (Guinée-Conakry), Macina (Mali) e os Califados de Kano e Sokoto (Nigéria).
A Qadiriyya foi a primeira Tariqa (Confraria) introduzida no Mali e ela desempenhou um papel importante na expansao do islao nesta regiao no século XIX.

Tariqa (Confraria ou Ordem) da Tijaniyya
Abou Abbas Ahmed ibn Mohamed Tijani, vulgarmente conhecido por Ahmed Tijani, nasceu em 1737 ou 1738 em Ain Madhi (Algéria), e morreu em 22 de Setembro de 1815 em Fés (Marrocos). Foi o fundador da Confraria Tijaniyya. Iniciou seus estudos coranicos muito cedo e depois partiu para a cidade de Fés para aprofundar seus conhecimentos na universidade Al-Quaraouiyne. Mais tarde realizou diversas viagens nos paises do Magreb, Egipto e Arabia Saudita. Descendente de pais de origem Marroquina que teriam deixado Marrocos na sequencia das guerras com o reino de Portugal.
Ahmed Tijani morreu em Fès em 1815. Seus ensinamentos continuam a se expandir depois da sua morte, atingindo uma larga audiencia na regiao ao sul do Sahara (Senegal, Nigéria, Niger, Mali, Mauritania, Burkina, Guinée, Guiné-Bissau, Costa de Marfim, Tchade, RCA, Camaroes etc, graças as viagens dos seus companheiros visando expandir esta corrente de pensamento islamico.

Fonte Wikipedia.

Cherno Baldé

Valdemar Silva disse...

Rosinha
Haveria filhos de muçulmanos a estudar nos missionários católicos, que logicamente também aprenderiam hábitos da religião cristã/católica. Julgo não haveria escolas para o ensino oficial e de religião muçulmana.
Mas apreender ajudar à missa católica não seria de espantar, de espantar foi o pedido para eu, quando no regresso de férias, trazer "fio doro com cruz pra minha mujer" feito por um soldado fula, que parecia ser o mais cumpridor das orações muçulmanas diárias do meu Pelotão.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Por falarmos de sunitas e xiitas... Há um ramo do xiismo, os ismaelistas, que serão cerca de 15 milhões em todo o mundo... Em Portgal, há um comunidade de 8 mil, na sua maioria "retornados", que em 1974 vieram de Moçambique... Muitos não deviam conhecer Portugal. Esta comunidade está muito bem integrada em Portugal, tem uma bom nível de educação e é próspera...

(...) "Ramo do xiismo, o ismaelismo (Shia Imami Ismaili) partilha com as restantes correntes do Islão a shahad, testemunho de fé: não há Deus senão Deus. Os fiéis veneram o profeta, submetem-se a Alá. Distingue-os, sobretudo, o facto de serem a única comunidade muçulmana liderada por um Imã vivo, presente, manifesto e com descendência direta do profeta Mohamed (Maomé) – o príncipe Karim Aga Khan IV, Sua Alteza, para os crentes." (...)

https://www.noticiasmagazine.pt/2018/comunidade-ismaelita-portugal-estamos-viver-um-acontecimento-milenar/historias/228081/

Tabanca Grande Luís Graça disse...


A Fundação Aga Khan (AKF) Portugal

(...) foi fundada há 35 anos para promover a coesão social em comunidades moldadas pela migração. Atualmente, a AKF Portugal é talvez a única instituição no país que aborda os desafios do desenvolvimento em todo o ciclo de vida humano, desde o desenvolvimento na primeira infância até ao bem-estar dos seniores. O objetivo passa por melhorar a qualidade de vida, através do fortalecimento da inclusão social, cultural e económica com o intuito de promover uma sociedade pluralista com uma ética cosmopolita em que todos saiam beneficiados. (Veja o vídeo: O trabalho da Fundação Aga Khan em Portugal). (...)

https://www.akdn.org/pt/onde-estamos/europa/portugal

https://www.youtube.com/watch?v=3_FuGmJMS4c