quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10952: Humor de caserna (28): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (1): Cansada de guerra

1. Em mensagem do dia 9 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos este pensamento voador, tão profundo, que tem que fazer parte da nossa série Humor de Caserna:





Vão por certo dizer que o Cifra, hoje, perdeu todo o seu juízo, está descarado, um autêntico desavergonhado, quase parecido com a menina Teresa, mas na nossa idade também temos que ter alguns momentos de boa disposição, e os leitores, ou leitoras, que vivem no mundo onde se fala inglês, vão pôr as mãos na cabeça e dizer:
- What the hell is these?

Onde se fala francês, vão fazer o mesmo gesto e dizer:
- Qu’est-ce que sont ces?

Onde se fala germânico, também farão o mesmo gesto, mas friamente dizem:
- Was zum teufel ist diese?

Onde se fala espanhol, também vão fazer um gesto parecido, e entre dois ou três “zzz”, dizem:
- Qué demonios es esto?

Os chineses, põem os pauzinhos de parte, se estiverem a comer, e dizem:


Perceberam? Não. Deixem lá pois o Cifra também não percebeu.

Nós os portugueses, encolhemos os ombros, e simplesmente dizemos:
- Que diabo é isto? Ou mesmo, este gajo está passado, “cá tem cabeça”?

Mas não, é o seu coração generoso que o obriga a escrever assim e podem reparar que não usa quase nenhuma palavra reles, ou rude, como usava o Curvas, alto e refilão, e pede que as digníssimas senhoras, queridas leitoras e visitantes do blogue do “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, ao Luís Graça, ao Carlos Vinhal, assim como os seus restantes editores, depois de lerem, o compreendam, e jura que não volta a fazer isto outra vez, a não ser que lhe peçam, mas tem que dizer o que lhe vai na alma, pois trata-se uma combatente “CANSADA DE GUERRA”. Os amigos, antigos combatentes, habituados a lutar e a verem corpos sofredores, nas bolanhas e savanas da Guiné, não lhes faz muita diferença, alguns até vão por certo rir-se baixinho, entre outras coisas.

O Cifra andou sempre a falar de guerra, e como era um razoável militar, mas um fraco, mesmo fraco guerreiro, e está farto de repetir estas palavras, mas tem que as dizer, pois eram verdade, e agora o seus olhos, depois de verem este desenho, ficou cheio de ternura, o seu coração quase que não aguentava, pois esta pobre combatente, de uma guerra, que o Cifra não sabe bem onde, perdeu tudo, pois o Cifra soube mais tarde que sempre viveu perdida na guerra, mas nunca perdeu a coragem, pois no meio da desgraça, ainda arranjou forças para guardar a sua G-3, algumas pistolas, uma granada ou duas, algumas balas avulso, tudo com a intenção de vender no mercado negro, e que com toda a certeza a vai ajudar a comprar alguma roupa, e começar uma vida em família com alguma paz.

A coragem e a força de viver, são as últimas coisas a morrer, e ela, sozinha, com parte da roupa já rota, amargurada com a sorte que o destino lhe reservou, com uma mão a encobrir o seu cabelo rapado de um lado, pelo raspão de uma granada de morteiro, que felizmente não a atingiu, usando uma luva de rede para se proteger dos mosquitos horríveis que havia naquelas bolanhas, que atormentava alguns militares, e até mesmo os guerrilheiros que por lá andavam a lutar uns contra os outros, e se queriam meter em tudo o que era o seu frágil e desamparado corpo.

O Cifra, quando escrevia estas singelas palavras, em sua homenagem, os seus dedos tremiam de emoção, e sempre que deparava com o desenho, ao vê-la ali sentada, talvez num qualquer cemitério abandonado, ficava assim a modos, com vontade de a abraçar, para a proteger, dar-lhe algum carinho, até dar-lhe um casaco de camuflado, já roto e coçado, com alguns buracos, do Curvas, alto e refilão, ou uma camisa, nem que fosse uma daquelas camisas da farda amarela, também já rotas e coçadas que usava lá na Guiné, o coração do Cifra era só bondade, queria cobri-la, passe o termo, do frio e livrá-la das pessoas que fazem a guerra e colocam outras pessoas, como esta pobre combatente, a viver neste mundo, às vezes injusto e selvagem, sem “eira nem beira”, desesperada, carente de tudo!

E depois, vêm dizer que a natureza é justa.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10185: Humor de caserna (27): Recepção aos piras do BCAÇ 2927 em Bissorã, em fins de outubro de 1970 (Armando Pires)

3 comentários:

Henrique Cerqueira disse...

Ai Cifra,Cifra...Andas mesmo a passar-te dos carrêtos.Dás voltas e mais voltas e não á meio des nos dizer o que aconteceu á "Menina Teresinha".Não penses que a malta se esqueceu da encomenda da Teresinha ao Cifra.
Tony continua nós cá em casa adoramos as tuas estórias.
Um abraço
Henrique e Ni

Bispo1419 disse...

Ah grande Tony!

Que coisa gostosa, este post!

Um abraço do
Manuel Joaquim

admor disse...

Caro Tony,

Ò Cifra, agora vou-me armar n´um "Curvas tripeiro" e bou-te dizer:Bota mas é p´ra cá o último capítulo da Tresinha dos "binte e um paus" qu´isto não é O Cabaleiro Andante, carago.... Atenção ao "time sharing" vais ter de dar o litro.

Um grande abraço.
Adriano Moreira