1. Em mensagem do dia 9 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos este pensamento voador, tão profundo, que tem que fazer parte da nossa série Humor de Caserna:
Vão por certo dizer que o Cifra, hoje, perdeu todo o seu
juízo, está descarado, um autêntico desavergonhado, quase
parecido com a menina Teresa, mas na nossa idade também temos
que ter alguns momentos de boa disposição, e os leitores, ou
leitoras, que vivem no mundo onde se fala inglês, vão pôr as
mãos na cabeça e dizer:
- What the hell is these?
Onde se fala francês, vão fazer o mesmo gesto e dizer:
-
Qu’est-ce que sont ces?
Onde se fala germânico, também farão o mesmo gesto, mas
friamente dizem:
- Was zum teufel ist diese?
Onde se fala espanhol, também vão fazer um gesto parecido, e
entre dois ou três “zzz”, dizem:
- Qué demonios es esto?
Os chineses, põem os pauzinhos de parte, se estiverem a
comer, e dizem:
Perceberam? Não. Deixem lá pois o Cifra também não
percebeu.
Nós os portugueses, encolhemos os ombros, e simplesmente
dizemos:
- Que diabo é isto? Ou mesmo, este gajo está
passado, “cá tem cabeça”?
Mas não, é o seu coração generoso que o obriga a escrever
assim e podem reparar que não usa quase nenhuma palavra reles,
ou rude, como usava o Curvas, alto e refilão, e pede que as
digníssimas senhoras, queridas leitoras e visitantes do blogue
do “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, ao Luís Graça, ao Carlos
Vinhal, assim como os seus
restantes editores, depois
de lerem, o compreendam, e
jura que não volta a fazer
isto outra vez, a não ser
que lhe peçam, mas tem que
dizer o que lhe vai na
alma, pois trata-se uma
combatente “CANSADA DE
GUERRA”. Os amigos, antigos
combatentes, habituados a
lutar e a verem corpos
sofredores, nas bolanhas e
savanas da Guiné, não lhes
faz muita diferença, alguns
até vão por certo rir-se
baixinho, entre outras
coisas.
O Cifra andou sempre a falar de guerra, e como era um
razoável militar, mas um fraco, mesmo fraco guerreiro, e está
farto de repetir estas palavras, mas tem que as dizer, pois eram
verdade, e agora o seus olhos, depois de verem este desenho,
ficou cheio de ternura, o seu coração quase que não aguentava,
pois esta pobre combatente, de uma guerra, que o Cifra não sabe
bem onde, perdeu tudo, pois o Cifra soube mais tarde que sempre
viveu perdida na guerra, mas nunca perdeu a coragem, pois no
meio da desgraça, ainda arranjou forças para guardar a sua
G-3, algumas pistolas, uma granada ou duas, algumas balas avulso, tudo com a intenção de vender no mercado negro, e que com
toda a certeza a vai ajudar a comprar alguma roupa, e começar
uma vida em família com alguma paz.
A coragem e a força de viver, são as últimas coisas a
morrer, e ela, sozinha, com parte da roupa já rota, amargurada
com a sorte que o destino lhe reservou, com uma mão a encobrir o
seu cabelo rapado de um lado, pelo raspão de uma granada de
morteiro, que felizmente não a atingiu, usando uma luva de rede para se proteger dos mosquitos horríveis que havia naquelas
bolanhas, que atormentava alguns militares, e até mesmo os
guerrilheiros que por lá andavam a lutar uns contra os outros,
e se queriam meter em tudo o que era o seu frágil e desamparado
corpo.
O Cifra, quando
escrevia estas
singelas palavras, em
sua homenagem, os seus
dedos tremiam de
emoção, e sempre que
deparava com o
desenho, ao vê-la ali
sentada, talvez num
qualquer cemitério
abandonado, ficava
assim a modos, com
vontade de a abraçar,
para a proteger, dar-lhe algum carinho, até dar-lhe um casaco de
camuflado, já roto e coçado, com alguns buracos, do Curvas, alto
e refilão, ou uma camisa, nem que fosse uma daquelas camisas da
farda amarela, também já rotas e coçadas que usava lá na Guiné,
o coração do Cifra era só bondade, queria cobri-la, passe o
termo, do frio e livrá-la das pessoas que fazem a guerra e
colocam outras pessoas, como esta pobre combatente, a viver
neste mundo, às vezes injusto e selvagem, sem “eira nem beira”,
desesperada, carente de tudo!
E depois, vêm dizer que a natureza é justa.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 23 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10185: Humor de caserna (27): Recepção aos piras do BCAÇ 2927 em Bissorã, em fins de outubro de 1970 (Armando Pires)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Ai Cifra,Cifra...Andas mesmo a passar-te dos carrêtos.Dás voltas e mais voltas e não á meio des nos dizer o que aconteceu á "Menina Teresinha".Não penses que a malta se esqueceu da encomenda da Teresinha ao Cifra.
Tony continua nós cá em casa adoramos as tuas estórias.
Um abraço
Henrique e Ni
Ah grande Tony!
Que coisa gostosa, este post!
Um abraço do
Manuel Joaquim
Caro Tony,
Ò Cifra, agora vou-me armar n´um "Curvas tripeiro" e bou-te dizer:Bota mas é p´ra cá o último capítulo da Tresinha dos "binte e um paus" qu´isto não é O Cabaleiro Andante, carago.... Atenção ao "time sharing" vais ter de dar o litro.
Um grande abraço.
Adriano Moreira
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