sexta-feira, 26 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20012: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (12): Comemorando os 20 mil postes, com um excerto das memórias (boas e más) do Paulo Santiago, no Saltinho, como comandante do Pel Caç Nat 53 (1970/72)... Em que se fala dos banhos à fula no Corubal, de uma perna esfacelada por um coice de morteiro e cosida a sangue frio, e ainda dos foguetões 122mm...


O famoso "Jacto do Povo" (, na gíria do PAIGC), o foguetão ou foguete  de 122 mm, que terá sido utilizado pela primeira vez 24 de outubro de 1969 contra Bedanda e só depois em novembro de 1969, numa flagelação contra Bolama, segundo o nosso especialista em artilharia , o nosso camarada e amigo Nuno Rubim. Felizmente para nós, era um arma pouco precisa e fiável e a Guiné, tirando Bissau, a BA 12 em Bissalanca e Bafatá não tinha grandes alvos, civis ou miitares, apropriados...Afinal, a História com H grande, também se faz com a pequena história...



Guiné > Região de Bafatá  > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > c. jan / fev 1971 > O comandante do Pel Caç Nat 53 (1970/72), Paulo Santiago, tomando o seu banho à fula no Rio Corubal.

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Paulo Santiago, Pombal, 2007. Foto: LG
1. Comemorando os vinte mil postes publicados em 15 anos, justamente em 21/7/2019 (*),  facto que passou despercebido à generalidade dos nossos leitores, voltamos a reproduzir um texto de memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho e Contabane, 1970/72) (**):

Em 6 de Janeiro de 1971, fiz vinte e três anos de idade e um ano de tropa. Tinha entrado para o "calhau" em Mafra [, a EPI,], precisamente no dia em que fiz vinte e dois anos, foi o pior aniversário da minha vida, completamente perdido naquele labirinto de escadas e corredores.

Este 6 de Janeiro no Saltinho foi bem bebido, muito whisky a acompanhar umas rodelas de tomate com sal.

Em 21 de Janeiro, aí pelas 21,00 horas, entra um militar da CCAÇ 2701 pelo bar de Sargentos e Oficiais e informa, meio esbaforido, que um dos sentinelas está a avistar uma pequena luz numa curva do rio Corubal, situada aí a uns 500 metros na margem oposta à do quartel.

Saímos todos a correr em direcção ao posto de sentinela, verificando haver de facto uma pequena luz a mover-se no local indicado. Acrescento que a zona em causa daria uma boa base de fogos para uma flagelação ao Saltinho, com uma posterior retirada pelo rio. O abrigo do [Pel Caç Nat] 53 ficava ali ao lado, e foi onde me dirigi, agarrando no morteiro 60 e duas granadas.

Procuro um local, com visibilidade para a curva do rio, instalo o morteiro, joelho direito em terra, mão direita no tubo, calculo a inclinação e aí vai granada. Tudo foi feito com rapidez, esquecendo-me que a zona do Saltinho, contrariamente à maior parte da Guiné, era rochosa, o que resultou em azar. Não vi, estava escuro, o prato da arma ficou assente num afloramento de rocha. À saída da granada o prato desliza na pedra, atingindo-me a perna direita acima do joelho. A pancada foi tão forte que caí para o lado, cheio de dores, pensei logo ter ossos partidos.

O Cap Clemente e o Alf Julião, da CCAÇ 2701, que estavam ao meu lado, agarram-me ao colo e trazem-me para o Posto médico, onde me deitam na marquesa. Felizmente o osso ficou à vista, mas não estava partido. Havia que coser a perna, trabalho para o Fur Mil Enf Freire.

Como não havia anestesia, estavam quatro matulões a imobilizar-me e eu a sentir a agulha a coser-me, a repuxar músculos e peles. Hoje suporto a dor com alguma rusticidade, deverão ser
ainda resquícios do que passei naquela noite. Levei exteriormente quinze pontos e fiquei
inoperacional um mês e poucos dias.

No dia seguinte, deveria ficar de cama, não consegui e rebentei de imediato com um dos pontos. Agarrado a uma pseudo-bengala lá vim beber uns copos para o bar. Foi um mês de grandes exageros (ainda mais) com as bebidas. O maior problema passou a ser o banho, não podia mergulhar no rio, então protegia o penso com um plástico, sentava-me à beira da rio e, com uma bacia, ia virando água por cima da cabeça, um banho à fula.

Chegamos ao Carnaval e resolvem fazer um baile na escola que ficava junto do quartel, ficando eu a beber uns copos no bar . Por volta das vinte horas, ouço várias saídas de arma que não sei determinar. Venho agarrado à bengala dar uma espreitadela à parada, vejo o rasto de vários foguetões (?) dirigindo-se na direcção de Aldeia Formosa, ouço o estrondo dos rebentamentos, repetindo-se de imediato a mesma cena, várias saídas, o rasto dos foguetes e respectivos rebentamentos.

Chega entretanto o pessoal que andava no baile, ficando também a assistir aquela chuva de foguetes e a ouvir os rebentamentos. Aparece o Fur Rui, das Transmissões, informando que o quartel de Aldeia Formosa acaba de perguntar se estávamos a ser atacados, e quais as armas utilizadas no ataque.

Chegou-se à conclusão que as granadas estavam a cair em zona entre Saltinho e Quebo
e a arma era desconhecida. Passados alguns dias veio informação do Com-Chefe: naquele ataque falhado a Aldeia Formosa, o IN tinha utilizado pela primeira vez Foguetes Katyusha, também
conhecidos por Órgãos de Estaline

O foguete 122 mm, o Grad
 (na terminologia do PAIGC
ou "jato do povo").
Foto: Nuno Rubim (2007)
2. Nota do editor LG:

O pretexto é termos chegado aos 20 mil postes e aos 15 anos a blogar (***),  sem esquecer os cerca de 11,2 milhões de "visitantes" e os quase 800 membros (registados) da Tabanca Grande... Mas, como o tempo é curto, e o relógio não pára, e não há patacão para festas, vamos lá ao que interessa, para  refrescar a nossa memória e corrigir a memória futura...

Na realidade, os tais foguetões ou foguetes 122 mm,  já se teriam estreado antes, no TO da Guiné, em Bolama, em 3/11/1969, ou em Bissorã, em 1/5/1970, segundo a tese do nosso camarada Armando Pires (****), o que o Paulo Santiago contesta, em comentário ao poste P9337:

(...) "Não quero contrariar o camarada Armando Pires, mas não estamos a falar da mesma arma, isto é certo. A Katiusha, Orgãos de Estaline, BM 21 Grad,chamemos-lhe um destes nomes, à escolha, é uma arma, conjunto de tubos de lançamento de foguetes, colocada numa viatura pesada. Tem de haver uma picada para a viatura se deslocar, não pode ser levada às  costas. Assim, não estou a ver nenhuma possibilidade de uma viatura pesada, do PAIGC, se deslocar no interior da Guiné para atacar Mansoa, Bissorã, Bolama. Um quartel, perto da fronteira, com alguma dimensão de espaço, caso de Aldeia Formosa, o ataque foi possível, mas com resultados nulos (para o IN). Também não estou a ver um ataque de Katiusha (4 foguetes) lançar apenas três (Bolama) num alvo de grande dimensão.

A info do COMCHEFE  foi que aquele ataque direccionado para Aldeia Formosa, tinha sido o primeiro com a utilização dos Órgãos de Estaline. É só." (****)

Oiçamos também aqui o nosso especialista de armamento, o Luís Dias: havia dois tipos de "foguetão 122 mm", o foguete (míssil) no calibre 122mm, desenvolvido em 1963,  o 122mm BM-21 GRAD, de lançamento múltiplo, e uma variante, o foguete 9P132/BM-21-P,  também de calibre 122mm (mais curto que o modelo standard) a ser lançado por um único tubo – o lançador 9M28/DKZ-B.  (*****)

(...) "A arma Katyusha era originalmente a denominação para os foguetões utilizados pelos multi-lançadores, que eram transportados em diversos tipos de camiões. Depois da guerra, os soviéticos aperfeiçoaram estes multi-lançadores, com o surgimento do míssil 122mm BM-21 GRAD, colocados em viaturas diversas e com diverso número de tubos.

 Aperfeiçoaram também um míssil portátil, na origem do anterior, mas ligeiramente mais curto, com o mesmo calibre, com a denominação 9P132/BM-21-P, que era lançado pelo uni-tubo 9M28/DKZ-B e era este o míssil mais utilizado nos ataques por foguetões na Guiné, pelo menos dentro do território, tendo sido, inclusive, capturadas diversas rampas de lançamento do tipo referido, conforme diversas fotos existente" (...)

O Nuno Rubim (, um abraço para ele, e as suas melhoras!) também prefere chamar-lhe foguete, embora ficasse conhecido, entre nós, no TO da Guiné, como "foguetão 122mm".  Terá sido utilizado pela primeira vez, em Bedanda, antes de Bolama, Cacine e Cufar (******).

__________



(*****) Vd. poste de 1 de janeiro de  2012 > Guiné 63/74 – P9344: Armamento (7): O foguetão de 122 mm (Luís Dias)

(...) O lançador de foguetes Katyusha é uma arma de artilharia (lançador de foguetes múltiplos) desenvolvida e utilizada pelo Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial. Foi apelidado na época de "Órgão de Estaline" pelas tropas alemãs (em alemão: Stalinorgel) em referência ao dirigente soviético com o mesmo nome. Já o nome Katyusha foi dado pelo Exército Vermelho,  retirado de uma música famosa durante o período da guerra, que contava a história de uma jovem russa (Katyuhsa, diminutivo russo para Catarina) cujo namorado estava longe em virtude da guerra. 

(...) O desenvolvimento dos foguetes lançados por artilharia na URSS iniciou-se em finais dos anos 40, a fim de se substituírem ou complementarem os Katyusha de 82mm, 132mm e 300mm, da II Guerra Mundial. A fábrica estatal, situada em Tula, sob a liderança de A. Ganichev, apresentou um foguete (míssil) no calibre 122mm, em 1963, denominado 122mm BM-21 GRAD. Ao longo de 1964 foram produzidos diversos tipos desta série e a serem transportados em camiões e outros veículos de vários tipos e dimensões, com diversos conjuntos e combinações de lançamento múltiplo. 

Também foi fabricado o Foguete 9P132/BM-21-P, no calibre 122mm (mais curto que o modelo standard, embora também pudesse ser usado por um multi-tubo), a ser lançado por um único tubo – o lançador 9M28/DKZ-B." (...)

(******) Vd. poste de 10 de junho de  2007 > Guiné 63/74 - P1828: Armamento do PAIGC (3): O Foguetão 122 mm ou a arma especial Grad (Nuno Rubim)

5 comentários:

Cesar Dias disse...

Esse 122, a maioría de nós só o recordamos em fragmentos, diziam que tinham caixas de cinco porque foi sempre esse o numero nos ataques a Mansoa e creio que a Mansabá, lá só presenciei um ataque de cinco.
Abraço

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sobre a tipologia, a evolução e a designação do armamento do PAIGC, vd. poste de 7 de julho de 2008 >

Guiné 63/74 - P3032: PAIGC: Instrução, táctica e logística (13): Supintrep, nº 32, Junho de 1971 (XIII Parte): Armamento (A. Marques Lopes)


Foguetão 122 mm > GRAAD ou JACTO DO POVO

Morteiro 120 mm > BADORA

Canhão S/R B-10 > BEDIS
Canhão S/R 75 mm > TECHONGO

Lança Granadas-Foguete PANCEROVKA P-27 > BAZOOKA BICHAN, LANÇA GRANDE, PAU DE PILA, BAZOOKA
CHINÊS
Lança Granadas-Foguete RPG-2 > BAZOOKA CHINA, BAZOOKA LIGEIRO, LANÇA PEQUENO
Lança Granadas-Foguete 8,9 cm (M20 B1) > BAZOOKA CUBANA

Metralhadora Pesada DEGTYAREV (DSHK) Cal. 12,7 mm M-38/56 > DEKA, DESSEQUE, DCK,
Metralhadora Pesada GORYOUNOV Cal. 7,62 mm M-943 SG > TRIPÉ, GORRO NOVO
Metralhadora Pesada ZB – 37 ZDROJOVSKA > TRIPÉ, TRIPÉ BESSA

Metralhadora Ligeira DEGTYAREV DP Cal. 7,62 mm > BIPÉ DISCO ou DISCO BIPÉ SOVIÉTICO
Metralhadora Ligeira DEGTYAREV RDP Cal. 7,62 mm > BIPÉ CHECO, BIPÉ PACHANGA
Metralhadora Ligeira M-52 Cal. 7,62 mm > BIPÉ CAUDO, BIPÉ MAQUESSEN
Metralhadora Ligeira BORSIG Cal. 7,92 mm > BIPÉ

Espingarda Automática KALASHNIKOV (AK) Cal. 7,62 mm > AKA ou ACAG3, PM SOVIÉTICO
Espingarda Automática SIMONOV (SKS) Cal. 7.62 mm > CARABINA AUTOMÁTICA ou CHIME AUTOMÁTICA, CANHE BALE (JOL), CARABINA SINECE, CARABINA CHINESA, E.S.A SIMA
Espingarda M-52 Cal. 7,62 mm > CARABINA CHECA
Espingarda MAUSER K98K > MAUSER
Espingarda Semi-automática M-52 Cal. 7,62 mm > CHIME AUTOMÁTICA, CARABINA BOMBARDEIRA

Carabina MOSIN-NAGANT M-944 > CARABINA RÔSSIA (SOVIÉTICA)

Pistola-Metralhadora M-23 > MERENGUE
Pistola-Metralhadora M-25 > MERENGUE ou RICON RICO
Pistola-Metralhadora SHPAGIN Cal. 7,62 mm M-941 (PPSH)> PA[T]CHANGA, METRO ou METAR

Pistola-Metralhadora SUDAYEV Cal. 7,62 mm M-943 (PPS) > PM de FERRO,
DECÉTRIS, MODELO PACHANGA, PM CHINESA
Pistola-Metralhadora THOMPSON Cal. 11,4 mm > RICO JAZ[Z]-THOMPSON
Pistola-Metralhadora BERETTA N-38/42 e M-38ª> BERETTA
Pistola-Metralhadora SHMEISSER MP-38 e MP-40 > COPTER
Pistola CESKA ZBROJOVKA Cal. 7,65 mm > PISTOLA SEMI-AUTOMÁTICA
Pistola CESKA ZBROJOVKA Cal. 6,35 mm > PISTOLA SEMI-AUTOMÁTICA PEQUENA

Carlos Vinhal disse...

Corroborando a afirmação do camarada César Dias, na História da Unidade da CART 2732 consta no dia 16 de Dezembro de 1970 o seguinte:
GR IN não estimado flagelou a segurança dos trabalhos da estrada com 5 tiros de morteiro 60, sem consequências.
"Pelas 19h20 IN flagelou o aquartelamento de Mansabá com foguetões".
Ainda na HU da CART 2732, no dia 16 de Janeiro de 1971, consta:
"Pelas 17h30, GR IN flagelou aquartelamento de Mansabá com 2 foguetões vindos da direcção oeste tendo ambos sido curtos, um a cerca de 300 e outro a 500 metros do limite do aquartelamento. As NT reagiram com 14 tiros do Pel Art 8,8".
Não me lembro de voltarmos a ser atacados com este tipo de arma.
Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA da CART 2732
Leça da Palmeira

paulo santiago disse...

Na lista acima vem,Espingarda Automática SIMONOV (SKS)...tenho ideia que aquela arma não é automática.

Santiago

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Paulo, acho que tens razão, era semi-automática...

Espingarda semi-automática Simonov SKS-45, calibre 7,62 x 39mm M43, 1945 (Origem: ex-URSS).


9 DE NOVEMBRO DE 2014
Guiné 63/74 - P13864: Armamento que equipava um bigrupo do PAIGC em novembro de 1970 (Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74)