quarta-feira, 24 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20008: Historiografia da presença portuguesa em África (169): “Monjur, o Gabú e a sua História”, por Jorge Vellez Caroço; Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1948 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Jorge Vellez Caroço, filho do Governador Vellez Caroço, deu provas de competência e rigor enquanto foi Diretor dos Assuntos Indígenas, e numa das suas atividades procedeu a um inquérito no Gabú. Reúne elementos à luz dos conhecimentos da época, do que se sabia ou discutia quanto às origens das populações africanas, grandes invasões, impérios do Gana e Mali, reinos Fulas.
A investigação avançou muito e a todos os que se interessam por estas matérias não se pode deixar de recomendar a tese de doutoramento de Carlos Lopes com o título "Kaabunké - Espaço, Território e Poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance Pré-Coloniais", editado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1999. Iremos apreciar a restante obra até ao período do régulo Monjur e posteriormente far-se-á referência ao trabalho de Eduardo Costa Dias sobre o regulado do Gabú entre 1900 e 1930.

Um abraço do
Mário


Monjur, o Gabú e a sua História, por Jorge Vellez Caroço (1)

Beja Santos

Em 1948, o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa publicava o trabalho “Monjur, o Gabú e a sua História” por Jorge Vellez Caroço. Jorge Vellez Caroço, filho de Jorge Frederico de Vellez Caroço, governador da Guiné entre 1921 e 1926, fora diretor de um departamento ligado aos assuntos indígenas, o seu nome aparece num conjunto de relatórios que tiveram a ver com um incidente de uma aeronave francesa que se teria despenhado em chão Felupe, nos anos 1930, esta vasta documentação, bem curiosa por sinal, está a ser estudada pela investigadora Lúcia Bayan, razão pela qual aqui não se faz referência ao seu conteúdo. Diga-se em abono da verdade que o título da obra não corresponde completamente ao conteúdo. Em 1933, no exercício das suas funções, Jorge Vellez Caroço conduziu um inquérito sobre o estado da política indígena na circunscrição civil do Gabú, mexeu em muitos papéis, fez muitas consultas, ouviu populações e consultou mesmo autoridades da África Ocidental Francesa.

Arranca a sua investigação sobre os autóctones da raça negra, fala dos negrilhos, seres de estatura abaixo da mediana, tudo mudou com as invasões dos Bantos ao Sul e os Indo-arianos ao Norte, ficaram poucos vestígios destes autóctones. Refere a seguir os negros invasores, negros da Índia, Filipinas e Oceânia, afirma claramente que os negros de África vieram de Oceânia. Constituíram uma civilização primitiva, tinham um fundo acentuadamente religioso, são-lhes atribuídos monumentos em pedra de origem bastante misteriosa que se têm descoberto em várias regiões da África Negra, caso dos edifícios do Zimbabué e das rochas gravadas da Gâmbia. Segue-se outra invasão e os negros eram já miscigenados com negrilhos e Bantos, formou-se um terceiro grupo, o dos negros sudaneses. Seria esta a origem da África Negra. Tece depois referências aos Hicsos e aos Árabes, seguem-se os Berberes. E assim se chega ao Império do Gana, que teve o seu período florescente entre os séculos IX e X, entrando em declínio no século XI sob a pressão conquistadora dos Almorávidas, que conquistaram a capital do Império em 1203. Na continuação da miscigenação apareceram os Songais, os Sereres, os Gangara e os Mandingas propriamente ditos ou Malinqués. Em novos cruzamentos aparecem dois grupos populares importantes: os Saracolés ou Soninqués e os Fulas. Estes povoaram a região do Futa-Toro e Futa-Djalon, chegando até à região do Chade. Assim se vão definindo os dois principais povos que habitaram o Gabú. O autor tem a hombridade de esclarecer que o trabalho fora elaborado 14 anos antes, formular hipóteses sobre a origem dos Fulas, faltavam-lhe estudos mais recentes.

Segue-se a influência do Islamismo na constituição de vários Estados. São essencialmente os Almorávidas, a um tempo guerreiros e missionários que se lançaram na Guerra Santa, um grupo foi para o Norte, fundou um poderoso império em Marrocos, que se estendia até à Argélia e ao Ebro e o outro desenvolveu a sua ação nas regiões sudanesas, atacou todos os agrupamentos étnicos das margens do Senegal e do Níger, lançando-se sobre o Império do Gana, que dominou. Após esta conquista, o Islão foi aceite pacificamente pelos reis Mandingas, senhores do Alto Senegal e Alto Níger, estendendo a sua ação até aos Djolas e muito mais. Quem não quis abraçar o Islamismo sujeitou-se a penosas migrações, dando origem a novos Estados. Foi o que aconteceu com os Sereres, os ancestrais dos Fulas, os Soninqués que se estabeleceram além-Senegal, no Futa-Toro.

O Império Mandinga entrara em declínio no século XVI, a hegemonia passou para os Songai ou Songoi. Quando, na segunda metade do século XVII, sucumbiu o poder marroquino, os Mandingas tentaram recuperar o seu predomínio, encontraram as maiores dificuldades, povos como os Bambaras fizeram-lhes frente. É dentro destas migrações que os Fulas avançam para as regiões de Firdu e Kabou, hoje aproximadamente a área do Gabú.

Jorge Vellez Caroço procede ao registo do Império Mandinga Malinqué ou de Mali entre os séculos XI a XVII, dizendo que este império fundado por Malinqués ou Mandingas foi o mais poderoso dos impérios indígenas que se constituíram no Sudão Ocidental. No século XIII, este império esteve submetido por pouco tempo ao poder de um rei Sôsso, depois recuperou autonomia, o império atingiu o seu apogeu e entra em declínio no século XV. É neste período, mais propriamente em 1481 que o Mansa ou Rei, vendo-se ameaçado pelas investidas dos seus inimigos, aproveitou-se da vizinhança das feitorias dos portugueses e pediu auxílio a D. João II. O monarca português procurou estabelecer amistosas relações com o Império Mandinga, estas operações de boa vontade continuarão. Os Bambaras destruíram o Império do Mali em 1670.

Procurando equacionar a presença Mandinga e Fula na região do Gabú, o autor refere-se ao reino Fula, cheio de vicissitudes. E entramos numa matéria nova, o Futa-Djalon, o Firdu e o Gabú, a correlação entre estas regiões e os seus habitantes. Fala-se novamente no Futa-Toro, que se estendia do rio Senegal e de regiões da Gâmbia até às montanhas e que teve um Estado fundado em meados do século XV por um Fula pagão, Coli Tenguela. O Futa-Djalon situa-se numa região montanhosa, ao tempo em que o autor escreveu era habitado por população da África Ocidental Francesa e constituía a maior parcela da Guiné Francesa. Dada a fertilidade do solo, das magníficas pastagens, foram atraídos Saracolés, Mandingas, Fulas e Sôssos. Desse cruzamento resultaram os Fulas do Futa que na Guiné-Bissau são conhecidos por Futa-Fulas. O Estado do Futa-Djalon foi fundado em meados do século XVIII, eram guiados por Marabús, homens de letras e estudiosos, sob a forma de um reino feudal.

Falemos agora de Firdu e Gabú. A vasta região conhecida por Kabu é contornada ao norte pelo rio Gâmbia, estende-se a oeste até às vizinhanças da embocadura do rio Casamansa, compreendendo quase todo o território do mesmo nome – rio Geba e rio Grande. Na então Guiné Portuguesa, abrangia o território que era a terra dos Djolas e Beafadas a que os Fulas chamaram Forreá, a terra dos Nalus e as atuais circunscrições de Farim, Bafatá e Gabú. É um caleidoscópico étnico difícil de assimilar, com Fulas-Cativos, Fulas-Pretos, Fulas-Forros, Soninqués, Mandingas, Djolas ou Beafadas. Importa esclarecer que a designação de Soninqués, atribuída aos Saracolés, parece ter origem no facto de professarem a religião do Deus Soni, constituíam uma força resistente ao Islamismo a que não se converteram.

Dado, na lógica do autor, o mosaico étnico da África Negra, a constituição de sucessivos impérios, o reino do Kabu, faz-se uma referência a Firdu e ao seu grande régulo Alfa Moló, estamos numa época em que o Tenente Francisco Marques Geraldes, da circunscrição de Geba, é obrigado a reprimir uma invasão de Mussá Moló, filho de Alfa, e com grande sucesso, acabara-se o grande território do Firdu. E agora o autor vai falar-nos sobre o povoamento do Gabú, a partir da ocupação Mandinga.

(continua)


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19985: Historiografia da presença portuguesa em África (167): “A Cultura do Poder, a propaganda nos Estados autoritários”, com coordenação de Alberto Pena-Rodríguez e Heloísa Paulo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016 (Mário Beja Santos)

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