segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16883: Notas de leitura (914): “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Não se pode ficar insensível à natureza das análises que Luís Barbosa Vicente faz ao seu país, é corajoso ao pôr em cima da mesa os custos da política sem regras, as intrigas institucionais, a falta de solidariedade entre os órgãos de soberania e o tremendo impasse político em que vive a Guiné-Bissau. Aponta remédios, socorre-se da sua profissão de gestor de projetos e de formador e consultor para sugerir uma reforma da Administração Pública que dê segurança e competência aos quadros e administrativos, dignidade para que a Função Pública e a vida das autarquias ganhe vivacidade; por outro lado aponta novos caminhos para a participação pública. Observações rigorosas, contundentes, de um guineense que vive em Rio Maior, sem descurar a sua pátria.

Um abraço do
Mário


Olhares sobre a Guiné-Bissau depois das eleições de 2014, até hoje (2)

Beja Santos

A obra intitula-se “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016. O autor é guineense e desenvolve ampla atividade como gestor de projetos e desenvolvimento e, igualmente, como formador e consultor da União Europeia.

No texto anterior, deu-se conta da sua análise sobre as profundas contradições existentes ao nível das instituições de soberania guineenses, e como é que elas têm sido marcantes depois das eleições de 2014, até à atualidade.

Luís Vicente entende que todos estes desencontros permanentes em que a Guiné-Bissau incorre também derivam do abandono do legado político do PAIGC, e que foi a alavanca da luta pela independência. E explana o tema da unidade, as propostas programáticas de Cabral, a dinâmica da organização política e a vontade de mobilização interna para progredir para o desenvolvimento e para novas patamares da civilização e da cultura dos homens livres, pós-colonialismo.

O autor atribui uma enorme importância a um desligamento entre a entidade política que é o PAIGC com os grupos constituintes da sociedade civil, é como se a entidade política vivesse num circuito fechado, em que cada um militante aspira a uma fatia maior para a consumação dos seus interesses.

E assim se retoma a questão da unidade. Quando o autor regressou à Guiné depois das eleições de 2014, sentiu que os seus interlocutores tinham uma preocupação comum: unidade, coesão e urgência no estabelecimento das prioridades para o arranque do país, bem como com a reorganização do aparelho de Estado. Seguidamente, analisa os constrangimentos e desafios que se põem à Administração Pública e lembra que todo o enviesamento procede do período subsequente à independência da Guiné-Bissau.

Um membro do PAIGC, logo a seguir a Outubro de 1974, deu conta da relativa indiferença por parte dos membros do governo quanto à necessidade de estabelecer procedimentos administrativos para uso da máquina do Estado. Naquele primeiro governo de Luís Cabral nada estava escrito sobre a sua estrutura e muito menos quanto aos titulares dos seus diferentes órgãos. Sabia-se apenas quem estava em determinado cargo, o resto era mistério. Extrapolando para os dias de hoje, observa o autor: “A maior parte dos serviços funcionam por autorrecriação dos seus dirigentes, funcionários e técnicos, sem quaisquer normas de procedimentos administrativas e de controlo previamente definidos, daí existirem falhas de comunicação entre as administração do mesmo serviço público e serviços diferentes incluindo a relação entre o cidadão, o Estado e a Administração Pública”. Em cada governo, quem chega altera a sua maneira a estrutura do cargo que vai desempenhar, seja assessor-conselheiro, diretor de gabinete. Vive-se a instabilidade crónica.

Todas as críticas dos cidadãos ao funcionamento da Administração acabam por ter fundamento: a justiça continuar a funcionar mal, não garante ao indivíduo o seu papel de defensor da causa pública; existem funcionários públicos a mais e sem qualificação, isto num estado que consome mais de metade da riqueza nacional com os encargos com a Administração Pública. E finaliza o autor: “Não existe um diploma que regule de forma global, sistemática e coerente, o modo de proceder da Administração Pública perante os particulares, o que se traduz na vigência de ambiguidades que prejudicam os particulares e põem em causa um bom e regular funcionamento da Administração”. Ele defende um plano de modernização administrativa e governação eletrónica da Guiné-Bissau e explana abundantemente sobre o modelo, dando como exemplo o que fez no quadro da cooperação entre o município do Rio Maior e a Câmara Municipal de Bissau – é nos termos de uma experiência uma matéria digna da maior intenção dos quadros políticos guineenses.

Por fim, o autor faz propostas para o novo paradigma do desenvolvimento assente nos pilares da ética, da responsabilização dos agentes públicos, na valorização da diplomacia económica e numa nova dinâmica da cooperação, detalhando as potencialidades do setor mineiro na Guiné-Bissau.

Olha-se para este ensaio como uma indesmentível prova de boa vontade de um guineense que pretende ver a Guiné-Bissau trilhar caminhos mais largos na boa governação, no exercício da cidadania, na ética política e na valorização dos mercados, em nome de uma riqueza melhor distribuída.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16872: Notas de leitura (913): “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Mais uma boa leitura de BS, bom para quem gosta de acompanhar.
Só que eu penso que aqui é mais um guineense, a desfazer nas governações de todos os governos da Guiné, sem dar nem o benefício da dúvida a qualquer dos governantes destes anos todos de independência.

Só o Amílcar é que foi bom, mas não durou pouco.

Pior foi Angola e Moçambique...e outros africanos, cujos cidadãos se mataram mais uns aos outros do que os guineenses entre si.

Governar, ninguém se orientou, e quanto mais recursos naturais, mais desgovernação.