quarta-feira, 13 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4332: Os Nossos Camaradas Guineenses (8): Braima Baldé, ex-Alf Cmd Graduado, BCA (1938-1975) (Amadu Djaló / Virgínio Briote)

1. O Alferes Comando Graduado Braima Baldé, do BCA - Batalhão de de Comandos Africanos, foi executado pelo PAIGC a seguir à independência, em 1975, em Bambadinca, de acordo com uma lista, já antiga, publicada no nosso blogue pelo nosso camarada, ex-Furriel Comando João Parreira (na foto, à esquerda, em 1965), e confirmada depois por uma outra, do Virgínio Briote, nosso co-editor, baseada no livro de Manuel Amaro Bernardo (*):

Vd. poste de 23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

(…) Da 1ª Companhia de Comandos Africanos (para além Tenente Justo e do Tenente Jamanca):

Capitão Cmd Zacarias Sayegh;
Tenente Cmd Thomaz Camará (ex-1º cabo cmd 60/E dos Fantasmas – em Cumeré(;
Alferes Cmd Braima Baldé;
Alferes Cmd Demba Tcham Seca;
Alferes Cmd João Uloma ;
Alferes Cmd António Samba Juma Jaló;
1º Sarg Cmd Fodé Baió;
1º Sarg Cmd Fodé Embaló;
2º Sarg Cmd José Manuel Sedjali Embaló;
2º Sarg Cmd Quebá Dabó (...)


Na altura, o nosso editor, Luís Graça, escreveu o seguinte que marcou de maneira inequívoca e definitiva a nossa posição sobre um dossiê fracturante e doloroso:

(...) Texto do João Pareira que, juntamente com o Virgínio Briote e o Mário Dias, representa o melhor da primeira geração de comandos da Guiné, os velhos comandos de Brá, os três mosqueteiros, como eu lhes chamei. Agradeço-lhe o gesto e até a coragem. Não é fácil falar dos nossos mortos, e sobretudo de alguns dos nossos mortos. Por pudor, por vergonha, por culpa...

Alguns destes homens com quem o João Parreira, o Mário Dias e o Virgínio Briote privaram e que eram comandos como eles, eu também conheci, circunstancialmente: refiro-me aos da 1ª Companhia de Comandos Africanos que foram hóspedes, em Fá, do meu e nosso amigo e camarada Jorge Cabral. Já aqui os evoquei, tal como os vi e conheci em 1970.

Julgo que muitos deles foram heróis, embora perdedores e amorais. Lamento, mesmo assim, que tenham, morrido sem dignidade nem glória. E nem sequer tenham sido enterrados, com a dignidade que qualquer ser humano merece: é uma das 14 obras de misericórdia que constam do Evangelho dos cristãos (São Mateus). Nenhuma revolução ou movimento social pode, de resto, justificar a execução sumária de um ser humano nem a existência de valas comuns....

É importante, por isso, que esta lista seja publicada no nosso blogue: eles fazem parte dos nossos camaradas e dos nossos mortos, mesmo que incómodos, mesmo que alguns de nós tenham criticado o seu comportamento como militares e como homens. De alguma maneira, é como exumar os cadáveres que estão nas valas comuns das nossas guerras civis... (Reparem que os espanhóis ainda não o fizeram, e já não o farão, em relação às vítimas da guerra civil de 1936-39, e nomeadamente às vítimas que morreram às mãos dos vencedores!...).

O nosso gesto, para já, é meramente simbólico. Mas acho que um dia teremos que ir rezar, no Cumeré, no poilão de Bambadinca ou algures na orla de uma bolanha, por estes nossos mortos mal amados... Nossos, de Portugal e da Guiné... Nunca haverá paz na Guiné se os mortos da guerra colonial e das suas sequelas não repousarem em paz...

Os comandos africanos que serviram o Exército Português, que pertenciam ao Exército Português, e foram executados pelo PAIGC (11 da 1ª Companhia, 19 da 2ª e 8 da 3ª, num total de 38), são ainda um assunto tabu, passados mais de 30 anos, sobre o fim da guerra... Por isso, obrigado, João, porque tu, como bom comando ousaste lutar e vencer o velho tabu" (...)


2. O filho do Braima Baldé (que vive em Vialonga, Alverca) mandou em tempos, ao nosso editor, o seguinte mail:

From: Balde Serifo [mailto:serifo_balde@msn.com ]
Sent: quarta-feira, 6 de Fevereiro de 2008 13:00
To: Luís Graça
Subject: Alferes Cmd Braima Baldé

Antes de mais gostaria de lhe felicitar o seu blogue, que tive a felicidade de conhecer.

Sou o filho do Alferes Cmd Braima Baldé, que infelizmente não tive a felicidade de conhecer devido às vicissitudes da guerra.

Gostaria de saber mais coisas sobre ele no caso de o professor ter privado com ele.

Resido em Lisboa, e o meu email é serifo_balde@msn.com,
Telemóvel: 963312294.

Obrigado por tudo, professor, e agradeço muito a sua compreensão (...)


3. Ontem o criador do nosso blogue estava em condições de dar algumas notícias ao Serifo, sobre o pai que ele nunca conheceu:

Meu caro Serifo:

Como lhe acabei de dizer ao telefone, o seu pedido de informações sobre o seu pai, o nosso camarada Braima Baldé, não ficou esquecido. Mais de um ano depois, conseguimos recolher alguma informação, que deve ser nova para si. Trata-se do depoimento de um antigo camarada dele, de seu nome Amadu Djaló, também ele ex-Alferes Comando Graduado, como o seu pai, tendo pertencido ambos ao antigo Batalhão de Comandos Africanos e lutado juntos...


O depoimento foi recolhido pelo meu camarada e amigo, Virgínio Briote, nosso co-editor, antigo Alferes Comando. O Amadu (foto à direita, em Bafatá, em 1966), apesar de uma vida amargurada e atribulada, vive em Lisboa, com duas filhas, tendo tido a sorte de escapar para Portugal, na época pós-independência. É membro, recente, da nossa Tabanca Grande.

Receba as nossas melhores saudações e a certeza de que o seu pai foi um bom guineense, que serviu com lealdade as autoridades portuguesas da época, e que não merecia o destino que os seus miseráveis inimigos lhe deram. Como filho, guarde sempre a melhor memória de seu pai.

Este depoimento será também publicado no nosso blogue, na série Os Nossos Camaradas Guineenses. Espero um dia poder conhecê-lo pessoalmente e apresentá-lo ao Virgínio Briote e ao Amadu Djaló [, foto à esquerda, junto ao Monumento aos Mortos do Ultramar, em Belém]. Sobre este camarada do seu pai e nosso camarada, pode ler no nosso blogue vários textos recentes (**)(...)


Um abraço do fundador e editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Luís Graça


3. Depoimento sobre o Alferes Comando Graduado Braima Baldé, pelo seu camarada Amadu Djaló (nascido em Bafatá, em 1940)

(Recolhido por Virgínio Brione, Lisboa, Maio de 2009; foto à esquerda)


Tinham acabado os comandos do CTIG, em finais de Junho de 1966, e regressei à CCS do Q.G. Uns meses mais tarde, fui transferido para Bafatá, para o BCav 757, conhecido pelo “sete de espadas”, comandado pelo tenente-coronel Moura Cardoso. Foi nessa altura que conheci o Braima.

O Braima era 1º cabo, tal como eu, embora mais antigo dois anos (incorporação de 1960), pertencia à B.A.C. e estava destacado no esquadrão de Bafatá. Não conheço os motivos mas soube que o Braima tinha sido louvado e recebido o prémio Governador da Guiné.

O Braima pertencia à família real do Corubal. A característica mais forte da personalidade dele era ser uma pessoa muito reservada. Quando a gente falava uns com os outros, o Braima podia estar junto de nós, mas era como se não estivesse, especialmente se estivéssemos nas brincadeiras. Nunca ouvi ninguém queixar-se dele.

Em 1969, com a chegada de Spínola, deu-se a formação dos comandos africanos. Primeiro, houve um curso de quadros ministrado em Brá, sob o comando do capitão Barbosa Henriques, de que eu e o Tomás Camará fomos monitores. Foi nessa altura que nos ficámos a conhecer melhor, embora nunca tivéssemos sido amigos íntimos.

Acabado o curso, regressámos às nossas unidades e ficámos a aguardar que nos chamassem para o curso de formação da 1ª CCmds Africanos, da qual, já como furriéis graduados fizemos parte.

O Braima foi graduado em 1º sargento. Entrámos juntos, embora em companhias diferentes. Fomos a Conacri, estivemos em Mansabá a dar o 4º curso de comandos e fomos a Kumbamory, cada um a comandar o seu grupo. Ao Braima calhou-lhe ir no agrupamento onde ia o major Almeida Bruno. Conta-se a história que, nesta operação, o Braima pode ter salvado a vida do major Bruno [, hoje general reformado].

Quando este, de pé, avistou uns militares, chamou-os, julgando que eram nossos. Eram páras senegaleses. O Braima apercebeu-se, gritou-lhe que se abaixasse, e segundos depois foram alvejados com rajadas.

No regresso, já em Guidage, o major Bruno [ antes ajudante de campo do Spínola, depois comandante do BCA] tirou os galões de um alferes europeu e colocou-os nos ombros do Braima.

Quando se deu o 25 de Abril., o PAIGC atribuiu-lhe um cargo numa secretaria em Bambadinca. Não foi só ao Braima, ao alferes Sada Candé, também dos comandos, o PAIGC encarregou-o de uma missão no Senegal.

Tive conhecimento que os dois foram executados, juntamente com muitos outros companheiros nossos, em 1975, em dia e local que desconheço.


4. O Serifo Baldé acaba de nos enviar a seguinte mensagem de agradecimento:


Caro professor:

Muito obrigado por estas informações que me passavam despercebidas, ficarei lhe eternamente grato.

Estarei sempre ao seu dispor assim que o entender..

Mais uma vez, está de parabéns pelo seu blogue, a nossa família (Comandos) agradece.

Um grande abraço, tudo de bom para si e aos seus...

Serifo Baldé


______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2839: Ainda os Comandos fuzilados a seguir à independência (I): O Justo Nascimento e os outros (Carlos B. Silva / Virgínio Briote)

Vd. postes relacionados:

14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2760: Notas de leitura (8): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros... ou a guerra que não estava perdida (A.Graça de Abreu)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2713: Notas de leitura (7): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros: Resposta a um Combatente (M. Amaro Bernardo)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2711: Notas de leitura (6): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de M. Amaro Bernardo (Mário Fitas)

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos)

19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)



(**) Sobre o ex-Alf Cmd graduado Amadu Djaló, vd. postes de:


22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4067: Os nossos camaradas guineenses (3): Amadu Djaló, Fula de Bafatá, comando da 1ª CCA, preso, exilado... (Virgínio Briote)

25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4076: Os nossos camaradas guineenses (4): Amadu Djaló, com marcas no corpo e na alma (Virgínio Briote)

27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4086: Os nossos camaradas guineenses (5): O making of do livro do Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4102: Os nossos camaradas guineenses (6): Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)

21 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4229: Os nossos camaradas guineenses (7): Amadu Djaló, as memórias do Comando Africano continuam (Virgínio Briote)

2 comentários:

Anónimo disse...

A foto à esquerda é do Amadu Djaló, em Belém, tirada há pouco tempo. A outra, a da dª é também do Amadu e foi tirada e Bafatá, em 1966. Não conseguimos até agora arranjar uma foto do Braima Baldé.
vbriote

Ze Teixeira disse...

O Sada Candé foi assassinado em Bambadinca. O ano passado, a malta que participou no Simpósio de Guilige teve oportunidade de conhecer a sua filha Cadidjatu Candé que trabalha da AD.

Luta para conseguier a pensão de sangue a que deveria ter direito pelo facto de o seu pai ter sido morto - fusilado ou assassinado com um prego enfiado na cabeça, como me contou um sobrinho há j´´a muitos anos, este tamém já falecido.
Infelizmente, foi julgado e condenado em tribunal popular, pelo que não há registo oficial, da forma como morreu,se tal fora possível à época.Logo não parece haver condições para se conseguir do Ministério do Exército português, a tal pensão a que a família tem direito, pois o Candé foi um grande lutador pela pátria Portuguesa, com otantos outros, os quais não devemos nunca esquecer.