Amigo M. Ribeiro: Aqui vai o que te disse, um texto e uma fotografia (é a única que tenho), desta Senhora Enfermeira Pára por quem nutro muito carinho, para eventual publicação no vosso blogue da Guiné (o qual tenho acompanhado com muito interesse), dado que esta Senhora deve ser conhecida por muito pessoal que combateu o PAIGC.
Os meus melhores cumprimentos para todo o pessoal do blogue do Luís Graça e, em especial, ao Mário Fitas e ao Jorge Félix, porque sem a ajuda deles não sei se algum dia reencontraria o único Anjo de Guarda que comigo se cruzou na minha vida militar.
NOTA: A Dª Ivone autorizou a publicação da foto.
Um abraço Amigo,
António Brandão
2. Uma Enfermeira Pára, de todos nós (*)
Texto: António Brandão
Estávamos em 2006, estávamos em Junho, no local e dia do reencontro com os nossos mortos, Belém/Lisboa, dia 10. Desde as primeiras comemorações que tinha vontade de lá ir, mas por razões várias, uma delas a distância, nunca tinha acontecido.
Estava só, sentia-me, no entanto, rodeado de amigos. Amigos que nunca vira na vida, mas que sabia serem meus camaradas e também tinham estado lá, em Angola, Guiné ou Moçambique.
Nesse ano as circunstâncias conjugaram-se em sentido contrário, corri o memorial... tanta juventude desperdiçada, tantos camaradas, tantos amigos... Encontrei-os quase todos, com o pensamento distante, sem definição. Os olhos humedeceram-se-me pelo sem número de recordações, mas lá arranjei forças para percorrer todas aquelas frias placas de mármore. Aqui e ali tirava uma ou outra fotografia, à placa do Varinho, do Lebres, do Vale Leitão, do Fonseca... Rogério... Eusébio...Tantos (demais para o meu gosto).
Cruzei-me com muita gente, uns mais velhos, outros menos. Outros ainda, tão velhos quanto eu. Neles, sob aquelas boinas que o tempo se encarregou de desbotar, tentei reconhecer uma cara. Não reconhecia ninguém, até que, num momento qualquer, encontrei um camarada especial. Um camarada que, a seu modo, batalhou nas três frentes da guerra, ao lado de todos nós. Com todos e por todos.
Tinha uma Boina Verde, um corpo frágil, elegante, e era um dos convidados de Honra das celebrações. O convidado n.º 98 e o seu nome é Maria Ivone Reis.
Apresentei-me, dizendo-lhe quem era, onde estivera, o meu posto e, com a voz embargada, pedi-lhe autorização para tirar uma fotografia ao seu lado, ao que a Senhora acedeu. Era esta Senhora, uma das nossas queridas enfermeiras pára-quedistas.
Recrutei um voluntário entre o pessoal que na altura por ali circulava. O mesmo, talvez por que se ter apercebido das palavras que havíamos trocado, prontificou-se a fazer de fotógrafo e, assim, este tão agradável momento ficou registado numa foto (caro camarada voluntário, caso estejas a ler estas palavras, agradeço-te a gentileza que tiveste).
Depois disto, despedimo-nos.
Na altura ainda pensei em pedir a direcção à Senhora, para lhe remeter a fotografia, mas um certo preconceito meu, pessoal, determinou que isso pudesse ser por ela considerado um atrevimento e fiquei calado.
Desde então, voltei sempre nesse dia às cerimónias, em 2007 e 2008 procurei essa garbosa Capitã, agora reformada, em vão. Desde então fui vivendo com a revolta de não lhe ter pedido, pelo menos, o seu endereço postal. Não me perdoava desta minha atitude.
O tempo foi passando e um belo dia, como sou frequente leitor assíduo do vosso blogue, vi publicada no poste P3914 (da autoria do Mário Fitas) (**), uma fotografia de uma Enfermeira Pára-quedista, que o Jorge Félix identifica como sendo a então Alferes Ivone. Ao ler este nome, mais do que ver a fotografia, produziu-se em mim um clic na minha memória, não me era um nome, de maneira alguma, estranho.
De imediato recorri aos serviços da minha secretária particular, minha confidente, minha esposa e mãe dos meus filhos, e aos da minha filha Marta (uma menina com a idade do 25 de Abril, que, numa missão de um ano, prestada em Quinhamel, em 2001, a população local lhe dizia que ela era branca por fora, mas negra por dentro), pedindo-lhes para compararem as 2 fotos (a minha e a do Mário Fitas) e me emitirem as suas conclusões.
Coloquei então as 2 fotos lado a lado, e perguntei-lhes se havia possibilidade de ser a mesma pessoa, apesar das dezenas de anos que as separavam. A resposta foi positiva, quase não tinham dúvidas, só diziam: “Olha para as mãos, são as mesmas”.
Passada a 1ª prova, recorri ao especialista do blogue em Helis, Fotografia, Vídeo e, também, em identificação de Enfermeiras Páras, o Jorge Félix. Para o efeito, em 18 de Fevereiro último, mandei-lhe um recorte da cara e, na “volta" do correio, recebi uma resposta cheia de ternura:
Caro Brandão, é a Ivone. Está linda. Já deve "ir" nos 70 anitos. Boa imagem. Vou guardá-la no meu arquivo pessoal.
Um abraço Jorge Félix.
O resto foi rápido, saber o seu número de telefone, ligar-lhe e cumprimentá-la, resumir-lhe a estória, marcar um encontro em casa dela, em Lisboa, e entregar-lhe a fotografia. Tudo em cerca de dois meses.
Por volta do dia 20 de Abril, a Dª Maria Ivone Reis, acompanhada da sua sobrinha, recebia-me a mim e aquela que é minha mulher há 38 anos. Apenas reparei em duas coisas em casa dela (que me perdoe a inconfidência), numa parede, devidamente encaixilhado, estava um pequeno mapa da Guiné, todo ele marcado por tudo quanto era sítio com pionés, assinalando os lugares para onde tinha sido solicitada.
Recordei-me então de um poste do Virgínio Briote, em que apresentava um pequeno mapa que mais parecia estar com o sarampo, ou ter levado um tiro de caçadeira. Uma outra coisa que vi, estava em cima de um pequeno móvel, entre outros objectos, um Nord Atlas e um outro avião, que me pareceu um Dakota (como não sou especialista da “arte”, pode ser outro avião qualquer).
Gostaria, ao terminar, de agradecer publicamente à querida Enfermeira Pára-quedista Ivone Reis, o ter-me facultado esta fotografia do P3914 (**), que guardarei com muito carinho.
Para ela e para todas as outras queridas Anjos da Guarda, pelas suas disponibilidades nas missões que tão bem souberam desempenhar:
O meu grande Xi,
António Brandão
Foto da esquerda: a Enfermeira Pára-quedista M. Ivone Reis, identificada pelo Jorge Félix - ex-Alf Pil Al III -, membro da nossa Tabanca Grande.
Foto da direita: A M. Ivone R., no dia 10 de Junho de 2006, ao lado do Brandão.
Fotos: António Brandão (à direita); Mário Fitas (à esquerda)
_______
Notas de MR:
(*) Vd. último poste da série em:
7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4295: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (9): O dia-a-dia de uma Enf Pára-quedista na Guiné (Giselda Pessoa)
(**) Sobre a série "As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas", vd. os restantes postes anteriores:
20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3914: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (1): Uma brincadeira (machista...) em terra dos Lassas (Mário Fitas)
24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3931: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (2): Elementos para a sua história (1961-1974) (Cor Manuel A. Bernardo)
28 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3952: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (3): No fim do mundo (Giselda Pessoa)
7 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3994: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (4): Uma civil, e transmontana de Sabrosa, na tropa (Giselda Pessoa)
8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3999: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (5): Justamente recordadas no Dia Internacional da Mulher (Miguel Pessoa)
14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4029: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (6): O anjo da guarda do Zé de Guidaje (Giselda Pessoa)
21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4065: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (7): Os tomates do Capelão da BA 12, Bissalanca... e outras frutas (Miguel Pessoa)
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