sábado, 16 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4354: Tabanca Grande (142): Joaquim Macau, camarada do último morto em emboscada do PAIGC (2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616, Xitole, 1973)

1. Mensagem do nosso novo tertuliano Joaquim Macau, 1.º Cabo Radiotelegrafista da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616, que esteve em 1973/74 no Xitole, com data de 11 de Maio de 2009:

Luís Graça, administradores e co-editores do blogue

Em 27 de Março último enviei-vos um e-mail, não sei se chegou ao destino, que agora reenvio um pouco mais desenvolvido e com algumas fotografias que documentam o que falo.

Sou, Joaquim Macau, natural e residente em Santana do Campo, uma pequena aldeia do concelho de Arraiolos, fui 1.º Cabo Radiotelegrafista e pertenci à 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616/73, tal como os ex-alferes Renato Adrião e José Zeferino (*).

Os acontecimentos de 15 de Maio de 1974 (**) foram exactamente como eles descreveram, com uma pequena diferença, a granada de RPG que atingiu o Domingos Ribeiro (Pé de Gesso), como nós amigavelmente o tratávamos, penso que foi nas costas e não no peito, é um pormenor pouco importante ser no peito ou nas costas, recordo-me perfeitamente que a parte do corpo atingida ficou totalmente desfeita.

O Domingos já estava bem abrigado, mas ao procurar entrar em contacto com o quartel para informar do ataque e pedir reforços, o rádio AVP1 que sempre utilizavam daquela zona e em perfeitas condições, naquele fatídico dia não funcionou. O Domingos saiu do abrigo para ir ao carro buscar o RACAL, e quando já estava encostado ao carro e a tocar-lhe, foi quando a granada lhe rebentou nas costas e as desfez completamente.

Foi daquele local que outro camarada que não recordo o nome me informou do ataque que tinham sofrido, da morte do "Pé de Gesso" e vários feridos, alguns bastante graves.

Informado o Comandante da Companhia do ocorrido, partiu imediatamente outro Gr Comb para reforço e socorro das vitimas.

Após o regresso ao quartel, foi decidido pelo Comandante da Companhia, voltarmos ao local fazer o reconhecimento, o Horta e o Lourenço, salvo erro os dois telefonistas que estavam no quartel, depois de verem o estado em que ficou o corpo do Domingos, ficaram ainda mais abatidos que eu. Fui eu no lugar de um deles à zona da curva da morte, local onde aconteceu a tragédia.

Pelo que vi no local da emboscada e pelo estado em que ficou o corpo do Domingos, o Abreu dos Santos não tem razão nenhuma quando fala em precipitação e tiros longínquos.

O Domingos disponibilizava-se com frequência para sair em lugar de outro camarada qualquer, o que aconteceu várias vezes. Era serviço que fazia com algum à-vontade, mas naquele dia parecia pressentir o perigo. Quando estava a preparar o equipamento para sair, dizia-nos:
- Hoje não sei o que tenho, não me sinto bem - Parecia pressentir o que iria acontecer de seguida.

Esta fotografia é do Domingos esta à civil, mas como vêem é no quartel em Xitole. Se entenderem publicá-la, por mim não me oponho, mas não tenho permissão da família nem possibilidade de a contactar.

Fotografia do Domingos Ribeiro, Soldado de Transmissões da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616, morto na emboscada de 15 de Maio de 1974

Recordam-se deste reservatório? Muitas vezes nem água tinha para um pequeno banho, para os soldados. Para Furriéis, sargentos e oficiais havia sempre água disponível, motivo de discordância e atrito sempre que não tínhamos água.

Eu, observado atentamente por um camarada de quem não sei o nome, num sítio que todos vão reconhecer.

Eu, o Horta de camuflado e o Reis de óculos escuros

Das raríssimas vezes, senão a única, que um passarito deste tipo pousou naquela pista durante a nossa curta mas desgraçada estadia em Xitole. Uma parte do pessoal das Transmissões, em primeiro plano.  Da esquerda para a direita, eu, o Reis, 1.º Cabo Cripto, o Martins, 1.º Cabo Cripto e também fotógrafo, o Fur Mil de Transmissões de quem não me recordo o nome. Atrás, não tenho a certeza, mas penso ser o Lourenço Soldado de Transmissões.

Eu, em tronco nu com o 1.º Cabo Telegrafista da Companhia que fomos substituir.

Eu e o Reis junto ao retiro que herdámos.


Aos familiares do Domingos Ribeiro peço desculpa por este pequeno abuso, mas estas fotos fazem parte da história da guerra da Guiné, como tal se entenderem publicá-las estamos certamente desculpados.

Aos camaradas aqui retratados, também peço desculpa por poderem aparecer publicamente sem terem autorizado tal ousadia, mas o tempo já passado, será seguramente o melhor cirurgião plástico do mundo.

Aos administradores, editores e co-editores do blogue, se entenderem haver matéria para tal, por mim, podem usar como quiserem, continuem com o vosso árduo trabalho que ele é bastante importante para o conhecimento público da guerra na Guiné.

Para todos um grande abraço, particularmente para o pessoal da 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4616,escrevam, devíamos todos, procurar uma forma de nos encontrarmos e realizarmos o nosso 1.º convívio.

Joaquim Macau


2. Comentário de CV:

Caro camarada Joaquim Macau
Bem-vindo à Tabanca.

Antes de mais, e para ficares bem na fotografia, quando puderes manda uma foto tua actual, e se tiveres por aí alguna das antigas, a partir da qual se possa fazer uma antiga tipo passe, manda-a também.

Infelizmente a tua Companhia ficou tristemente célebre pela morte do nosso camarada Domingos Ribeiro, que perdeu a vida em combate, numa emboscada, já depois do 25 de Abril. Qual era o vosso estado de espírito quando, um mês mais tarde, entregaram Xitole ao PAIGC? Como foram as vossas relações com eles?

Se nos puderes pormenorizar estas e outras interrogações, descreveres como era o dia-a-dia vivido com os nossos ex-antagonistas, como se portavam eles em relação a nós, etc.

Continuamos com poucos relatos do pós 25A. Como viveram vocês os acontecimentos?

Caro Joaquim Macau, tens aqui muito assunto para escreveres as tuas memórias.

Deixo-te, em nome da Tertúlia e dos Editores um abraço de boas-vindas. Contamos contigo.

Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2565: Tabanca Grande (57): José Zeferino, Alf Mil At Inf , 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616 (Xitole, 1973/74)

(**) Vd. postes de:

27 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2588: Historiografia de uma guerra (3): a última emboscada do PAIGC, na ponte do Rio Jagarajá, em 15 de Maio de 1974 (José Zeferino)
e
2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2712: O Nosso Livro de Visitas (9): Picada Mansambo-Xitole: a emboscada do PAIGC, em 15 de Maio de 1974 (Renato Adrião, Austrália)

Vd. último poste da série de 15 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4350: Tabanca Grande (141): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73)

1 comentário:

José Zeferino disse...

Foi com satisfação que tomei conhecimento do post do Joaquim Macau, pois não me sentindo, como é evidente, isolado na nossa tertúlia, é bom ter alguém com a mesma origem: a 2ª CCAÇ do 4616

.
Tenho só a lembrar ao Macau que a “curva da morte” ficava perto da Ponte dos Fulas e que a emboscada de 15 de Maio deu-se no limite do nosso sector, com Mamsambo, no pontão do rio Jagaraja

.
O Domingos, continuo crer que foi atingido no peito. A sua G3,toda distorcida, só foi recuperada 15 dias depois, na mesma zona, quando de uma nova segurança à


nossa habitual coluna de abastecimento. Se estava a usa-la com bandoleira podia tê-la pelas costas - a preocupação dele seria o Rádio - e então o Macau pode ter razão.


O Macau também se deve lembrar que também o alferes Aguiar faleceu, já no HMB.Tinha accionado uma mina nessa emboscada.



O Allouette III na foto fez parte da unica formação aérea que pousou naquele heliporto antes do 25 de Abril e no nosso tempo. Tinha transportado o general Bettencourt Rodrigues em


visita ao Xitole.O meu GC estava ,na altura, destacado na Ponte dos Fulas onde o nosso general também foi.


Quanto ao problema da água creio que tem razão. Havia mais dificuldade em manter os níveis no depósito que servia mais pessoal. Pessoalmente só por uma ocasião


tive falta , durante um dia , mas o bidon que servia ,creio que 2 pessoas , era de fácil enchimento. No entanto não tive qualquer queixa dos camaradas do meu GC.


Um grande abraço para o Macau e para todos tertulianos.

José Zeferino