Caro Luis, Carlos, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca Grande
As estórias são motivos de prazer quando delas não resultam lembranças que nos traumatizam.
Ao longo destes meses em que me expus com as minhas estórias, tentei ser o mais próximo daquilo que se passou ao tempo. Um ou outro facto, data ou acontecimento a memória nem sempre fiel, foi e é objecto de dúvida e imprecisão. Mas essas nunca foram relevantes no contexto das mesmas estórias.
Do que relatei efectivamente houve trauma em alguns acontecimentos.
Nenhum de nós passou por eles de forma ligeira.
Neste contexto fico feliz, que não tenha praticado nenhum acto, que me desonrasse como militar e como homem.
Um abraço para todos
Juvenal Amado
ATAQUE A CAMPATA
O nosso camarada ex-Alferes Dias, traz ao poste 4466 (**) o relato dessa sangrenta noite, com o rigor de quem se habituou durante aqueles anos, a ter que fazer relatórios sobre a operacionalidade das tropas sobre o seu comando.
O Dias foi um oficial operacional responsável pelos os seus soldados, combateu, arriscou a vida possivelmente convencido que esse era o caminho mais certo para não ter baixas.
Era norma operacional, que o trabalho desenvolvido nas patrulhas e nas operações, afastava o IN e reduzia o sangue derramado.
Efectivamente também lá estive nessa noite e depois na reconstrução da aldeia.
Connosco para Galomaro veio um guerrilheiro ferido, que veio a falecer tal era a gravidade dos seus ferimentos.
Juntamente veio um menino gravemente queimado, que ficou a viver no quartel até praticamente ao fim da nossa comissão. O seu sofrimento bem como o cuidado com que foi tratado pelo pessoal médico da CCS, foi por mim aflorado em jeito de comentário numa estória, que relata uma patrulha nocturna.
Quanto ao jovem prisioneiro posteriormente mencionado, foi um episódio, que tenho guardado estes anos todos, porque me chocou a forma como ele foi tratado.
Seria filho de um homem grande de uma aldeia relativamente perto, ou foram buscar logo o pai que apareceu no quartel a exigir uma arma para matá-lo e assim lavar a honra dele e da sua família.
O homem queria estar nas boas graças das autoridades nem que, para isso tivesse que verter o sangue do seu sangue.
Quanto ao filho, não faço ideia nenhuma do que lhe aconteceu, mas eu e mais camaradas, ainda que fugazmente, assistimos a parte do tratamento que ele levou durante o interrogatório.
Mais não assistimos, pois os interrogadores ao se aperceberem de que nós os estávamos a observar, deram-nos violenta ordem para recolhermos ao abrigo.
O interrogatório foi feito na traseira do quarto do Comandante, por conseguinte, virado para a porta do meu abrigo.
Recordo como, na altura, fiquei agoniado ao ver a cara inchada e as canelas, do prisioneiro, a escorrer sangue.
Ainda hoje lamento, mas nada podia fazer, aquela gente estava acima da lei.
Dirão que os fins justificavam os meios.
Um soldado combate, defende-se ou ataca, mas não tortura.
Não estive de acordo na altura e continuo a não estar de acordo agora. Resta-me a consolação de que nenhum militar do 3872 participou nesse acto.
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Foto do ex-Alf Mil Vasconcelos
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Foto do ex-Alf Mil Médico Vieira Coelho
Um abraço
Juvenal Amado
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4450: Estórias do Juvenal Amado (16): Borrasca no Pilão
(**) Vd. poste 5 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4466: O Grupo Especial do Marcelino da Mata em Galomaro (Luís Dias)
1 comentário:
Caro Juvenal
"um soldado combate, defende-se ou ataca, mas não tortura".
Gostei.
Vai um abraço
José Dinis
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