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Queridos amigos,
Sou um sortudo, já tenho as obras do Cristóvão de Aguiar, amanhã falo de A Lebre do Álvaro Guerra e depois tenho o Álamo Oliveira em cima da mesa.
É impressionante o número de escritos de açorianos (José Martins Garcia, Cristóvão de Aguiar, Álamo Oliveira... mas há mais).
Aos poucos, vai-se clarificando esta literatura pródiga da guerra da Guiné.
Uma agradável surpresa! E que venha um especialista proceder à respectiva antologia.
Um abraço do
Mário
Vestiram-se os poetas de soldados
Beja Santos
Deixámos tudo sobre o cais
Mas tudo veio connosco e muito mais
No silêncio descobri a hora exacta
de recolher os frutos
e o silêncio que ganhei no chão
– que um homem quando morre e quando mata
ainda tem alguns minutos
de ganhar a paz na própria mão
Só conta a hora em que se rasga a estrada
mesmo que o inimigo a tenha já cercada
a hora de soltar o fogo e criar vida
a hora de soltar a morte e vê-la erguida
à nossa volta
a hora de cerrar os dentes sobre o inimigo
Armor Pires Mota, aqui sobejamente referenciado também viu em letra de forma lançado o seu protesto:
Basta!
Ah, não me gritem, não! o que a vida é,
que dói a vida, mil vezes suja e gasta,
vós que sois heróis à mesa do café
num comodismo vão de chá-canasta.
Vinde: a bandeira está de pé!
Rasgai os pergaminhos velhos da vossa casta!
E noutro poema:
– Irmãos, quem não souber ser eterno até ao fim,
Rasgue já a bandeira, não venha atrás de mim!...
João de Matos e Silva, foi também alferes miliciano, a sua épica irmana com a de todos os outros:
Na luz incandescente que se alteia,
cai desprezado o rito da batalha.
E no estretor da morte em agonia,
desfaz-se em sombras o clarão do dia
e cala-se a metralha.
Este é o tempo, sim. Este é o tempo...
Vem da penumbra a luz surgindo embora.
Soam clarins na mata-desta-hora
que o medo não desterra.
Sinal de quase paz
num tempo que é de guerra.
De Almeida Matos, outro combatente na Guiné:
Jovem ainda, loiro de ilusões
olhar onde morava a luz do céu,
mas decidido e forte, a dar lições,
de coragem e nobreza. Assim morreu.
José Valle de Figueiredo foi um dos ideólogos do neofascismo português. Como escreveu Riccardo Marchi, o seu nome aparece associado a diferentes publicações como as revistas de 57, Cidadela e Itinerário (o livro “Vestiram-se os Poetas de Soldados” é uma edição da Cidadela) e irá comparecer, tal como Rodrigo Emílio no 1.º Congresso dos Combatentes. Combateu igualmente na Guiné, de 1967 a 1969. Temos finalmente Luís Sá Cunha, que combateu na Guiné de 1969 a 1971 e cuja lírica acarreta um aviso premonitório:
Ficou-me por destino
ser memória
da vontade que com outros pereceu
– Só o Passado se vê no espelho
da História,
sempre o Presente em presença
de si se esqueceu.
Que a Pátria Inteira
viva.
O resto, nada importa.
Que só não podemos ser
em nossas vidas
as ruínas vivas de uma Pátria Morta!
Antes desta antologia, Pinharanda Gomes coordenara “O Corpo da Pátria, antologia poética sobre a guerra no Ultramar, 1961 – 1971” (Editora Pax, Braga – 1971). Desses poetas da frente que estiveram na Guiné falaremos mais tarde.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6070: Notas de leitura (84): O Pé na Paisagem, de Filipe Leandro Martins (Beja Santos)
3 comentários:
Meu camarigo Mário
Independentemente dos "epítetos" de neofascista, comunista, maoista, trotskista, nazista, socialista, "social-democratista", centrista e sei lá mais o quê, a verdade para mim é que Rodrigo Emílio é um poeta arrebatador!
Sem qualquer pretensão de critica literária da minha parte, (que para tal não tenho competência), considero o Rodrigo Emílio um poeta de primeiríssima água e muito mal conhecido.
Obrigado por aqui o trazeres.
Um abraço camarigo
Então e não mudas a inscrição para dia 26?
Aí vou meter mais um prego.
Poetas neofascistas?...
Estamos a falar de quê, de quem?
Não haverá por aí uma estranha salada?...
Neofascista, o meu bom amigo Luís Sá Cunha, em Macau desde 1984? A dirigir a excelente Revista de Cultura do Instituto Cultural de Macau?
Neofascistas, a escreverem poemas como os que o Beja Santos nos traz?
Também aprendi hoje com o Beja Santos que afinal o Marcelo Caetano
defendia o "federalismo", os neofascistas, em contradição com Marcelo, é que eram os maus da fita.
Abraço,
António Graça de Abreu
Graças à internet, somos todos uns previlegiados, em que livremente nos podemos chamar nomes uns aos outros e conhecermo-nos mutuamente, ou mesmo, ignorarmo-nos.
Com certeza que todos os que frequentam e participam neste blog e noutros aprenderam mais sobre a guerra do que os anos em que lá andamos.
É pena que apareça tão pouca literatura africana feita por africanos.
Aí sim, viamos a guerra sem ideologias e então, talvez a compreendessemos melhor.
Talvez, Beja Santos, encontre literatura africana, mesmo francófona.
Antº Rosinha
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