1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Março de 2010:
Queridos amigos,
Sou um sortudo, já tenho as obras do Cristóvão de Aguiar, amanhã falo de A Lebre do Álvaro Guerra e depois tenho o Álamo Oliveira em cima da mesa.
É impressionante o número de escritos de açorianos (José Martins Garcia, Cristóvão de Aguiar, Álamo Oliveira... mas há mais).
Aos poucos, vai-se clarificando esta literatura pródiga da guerra da Guiné.
Uma agradável surpresa! E que venha um especialista proceder à respectiva antologia.
Um abraço do
Mário
Vestiram-se os poetas de soldados
Beja Santos
“Vestiram-se os Poetas de Soldados, Canto da Pátria em Guerra”, é o título da antologia seleccionada e prefaciada por Rodrigo Emílio, sem dúvida um dos poetas neofascistas portugueses mais importantes. A antologia foi apresentada no dia 1 de Junho de 1973, data da abertura do polémico 1.º Congresso Nacional dos Combatentes que, como escreve Riccardo Marchi em “Império, Nação, Revolução, As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1959 – 1974)” (Texto Editores, 2009), foi o último grande evento em que participaram os nacionais-revolucionários. Rodrigo Emílio insinua que há uma apreensão que lavra no espírito de todos os combatentes “só à simples ideia de que possa coincidir este acontecimento de confraternização com um período de desonra para o país”. Como é do conhecimento de todos, os neofascistas já estavam, ao tempo, em total desavença com Marcelo Caetano e a sua política federalista. Para eles, o Portugal eterno era irrevogável. A antologia intercala poemas de Fernando Pessoa, António de Navarro, Miguel Torga, Pedro Homem de Mello, Natércia Freire, Goulart Nogueira, Fernando Guedes e Couto Viana, alguns deles nomes sonantes do nacionalismo, com poesia de expedicionários apoiantes do ideal do Portugal eterno, aqueles que se sentiam unidos pelo princípio intransigente de que o Império atravessava oceanos e ia até Timor. Rodrigo Emílio (1944 – 2004) foi alferes em Moçambique e deixou uma obra poética assinalável, um misto de nacionalismo e de futurismo, recorrendo frequentemente à sátira e a imagens contundentes. A selecção orienta-se pelo verso épico, os poetas soldados glorificam a gesta do império, dizem-se prontos a morrer por ele. Logo Jorge Silveira Machado, alferes miliciano que combateu na Guiné em 1963 e foi ferido em campanha:
Deixámos tudo sobre o cais
Mas tudo veio connosco e muito mais
No silêncio descobri a hora exacta
de recolher os frutos
e o silêncio que ganhei no chão
– que um homem quando morre e quando mata
ainda tem alguns minutos
de ganhar a paz na própria mão
Só conta a hora em que se rasga a estrada
mesmo que o inimigo a tenha já cercada
a hora de soltar o fogo e criar vida
a hora de soltar a morte e vê-la erguida
à nossa volta
a hora de cerrar os dentes sobre o inimigo
Armor Pires Mota, aqui sobejamente referenciado também viu em letra de forma lançado o seu protesto:
Basta!
Ah, não me gritem, não! o que a vida é,
que dói a vida, mil vezes suja e gasta,
vós que sois heróis à mesa do café
num comodismo vão de chá-canasta.
Vinde: a bandeira está de pé!
Rasgai os pergaminhos velhos da vossa casta!
E noutro poema:
– Irmãos, quem não souber ser eterno até ao fim,
Rasgue já a bandeira, não venha atrás de mim!...
João de Matos e Silva, foi também alferes miliciano, a sua épica irmana com a de todos os outros:
Na luz incandescente que se alteia,
cai desprezado o rito da batalha.
E no estretor da morte em agonia,
desfaz-se em sombras o clarão do dia
e cala-se a metralha.
Este é o tempo, sim. Este é o tempo...
Vem da penumbra a luz surgindo embora.
Soam clarins na mata-desta-hora
que o medo não desterra.
Sinal de quase paz
num tempo que é de guerra.
De Almeida Matos, outro combatente na Guiné:
Jovem ainda, loiro de ilusões
olhar onde morava a luz do céu,
mas decidido e forte, a dar lições,
de coragem e nobreza. Assim morreu.
José Valle de Figueiredo foi um dos ideólogos do neofascismo português. Como escreveu Riccardo Marchi, o seu nome aparece associado a diferentes publicações como as revistas de 57, Cidadela e Itinerário (o livro “Vestiram-se os Poetas de Soldados” é uma edição da Cidadela) e irá comparecer, tal como Rodrigo Emílio no 1.º Congresso dos Combatentes. Combateu igualmente na Guiné, de 1967 a 1969. Temos finalmente Luís Sá Cunha, que combateu na Guiné de 1969 a 1971 e cuja lírica acarreta um aviso premonitório:
Ficou-me por destino
ser memória
da vontade que com outros pereceu
– Só o Passado se vê no espelho
da História,
sempre o Presente em presença
de si se esqueceu.
Que a Pátria Inteira
viva.
O resto, nada importa.
Que só não podemos ser
em nossas vidas
as ruínas vivas de uma Pátria Morta!
Antes desta antologia, Pinharanda Gomes coordenara “O Corpo da Pátria, antologia poética sobre a guerra no Ultramar, 1961 – 1971” (Editora Pax, Braga – 1971). Desses poetas da frente que estiveram na Guiné falaremos mais tarde.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6070: Notas de leitura (84): O Pé na Paisagem, de Filipe Leandro Martins (Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Meu camarigo Mário
Independentemente dos "epítetos" de neofascista, comunista, maoista, trotskista, nazista, socialista, "social-democratista", centrista e sei lá mais o quê, a verdade para mim é que Rodrigo Emílio é um poeta arrebatador!
Sem qualquer pretensão de critica literária da minha parte, (que para tal não tenho competência), considero o Rodrigo Emílio um poeta de primeiríssima água e muito mal conhecido.
Obrigado por aqui o trazeres.
Um abraço camarigo
Então e não mudas a inscrição para dia 26?
Aí vou meter mais um prego.
Poetas neofascistas?...
Estamos a falar de quê, de quem?
Não haverá por aí uma estranha salada?...
Neofascista, o meu bom amigo Luís Sá Cunha, em Macau desde 1984? A dirigir a excelente Revista de Cultura do Instituto Cultural de Macau?
Neofascistas, a escreverem poemas como os que o Beja Santos nos traz?
Também aprendi hoje com o Beja Santos que afinal o Marcelo Caetano
defendia o "federalismo", os neofascistas, em contradição com Marcelo, é que eram os maus da fita.
Abraço,
António Graça de Abreu
Graças à internet, somos todos uns previlegiados, em que livremente nos podemos chamar nomes uns aos outros e conhecermo-nos mutuamente, ou mesmo, ignorarmo-nos.
Com certeza que todos os que frequentam e participam neste blog e noutros aprenderam mais sobre a guerra do que os anos em que lá andamos.
É pena que apareça tão pouca literatura africana feita por africanos.
Aí sim, viamos a guerra sem ideologias e então, talvez a compreendessemos melhor.
Talvez, Beja Santos, encontre literatura africana, mesmo francófona.
Antº Rosinha
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