terça-feira, 30 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6073: Ainda o desastre do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (7): Dos 47 afogados foram resgatados 11 cadáveres pelos fuzileiros (Rui Ferrão, 10º DFE, 1967/69)





Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (1970/72) > O Rio Corubal não traz só trágicas recordações para os militares portugueses... Em sítios aprazíveis  como o Saltinho, dava para tomar um banho  retemperador, como se vê aqui na foto, com o Alf Mil Paulo Santiago, comandante do Pel Caç Nat 53, a nadar,  tendo a seu lado o Alf Mil Julião, o Fur Mil Josué, o Alf Mil Mota e 1º Sarg Picado, pertencentes à CCAÇ 2701 (1970/72).

Foto: © Paulo Santiago (2006) . Direitos reservados





1. Mensagem, com data de ontem,  de Rui Ferrão, residente em Vendas Novas,  ex-fuzileiro especial, pertencente ao 10º DFE (1967/69), a quem já endereçámos  em tempos o convite para se juntar, na Tabanca Grande, aos amigos e camaradas da Guiné:

Assunto - A verdade dos factos

Amigo e camarada Luís Graça, em primeiro lugar quero saudar toda a equipa que coordena todo este trabalho. Digamos que é um trabalho, e é também uma terapia para quem andou pelas terras da Guiné, em condições por vezes adversas à vivência do ser humano. Efectivamente quando nós entramos no Blogue e começamos a “desfolhar” não nos apetece parar, são horas e horas de pesquisa.

No meu caso particular, há relativamente pouco tempo descobri este vosso trabalho e o que me traz  aqui hoje é o seguinte: Os camaradas que aqui vêm contar as suas histórias,  quer sejam em combate, quer sejam em convívio, ou qualquer que sejam as circunstâncias, contem apenas aquilo que se passou com eles próprios e não venham falar de assuntos já em terceira ou quarta mão, que assim corre-se o risco de estarmos a elaborar em erros, que põem em causa a verdade dos factos, passados naquela ex-província portuguesa .

Vou contar um caso que, aliás, não tem nada a ver com o vosso trabalho, saiu já a alguns meses no jornal Correio da Manhã, no suplemento de domingo, onde se publica rubrica “A minha guerra”, onde um indivíduo aborda o caso dos nossos camaradas falecidos no acidente do Corubal e diz o seguinte, (cito as suas palavras) (**):

Estava no cais do Pijiguiti á espera que o resto do batalhão desembarcasse, vindo da metrópole, quando vejo uma lancha da marinha que depositou no cais, ao pé de nós, 47 caixotes de madeira tosca, que continham os corpos dos camaradas falecidos no desastre da jangada no rio Corubal, no sudeste do território, durante a evacuação de Madina do Boé.(**)

Ora bem, pertenci ao Destacamento nº 10 de Fuzileiros Especiais e foi deste Destacamento que saíram duas secções, passados alguns dias, para o local do acidente, com a missão de recolher os corpos a boiar no referido rio. Dos 47 afogados, foram resgatados 11 cadáveres, que foram sepultados com todas as honras militares na margem do rio, os restantes ficaram dispersos pelo rio à mercê dos crocodilos e doutras espécies afins.
Chamo aqui atenção, como é possível um indivíduo acabado de chegar à Guiné sem ter o mínimo de conhecimento do que é que se passou e vem para um jornal comentar um assunto do qual não estava devidamente informado,  afirmando que viu as 47 urnas dos soldados afogados no Corubal ?

É completamente falso, daquele acidente não vieram urnas nenhumas para Bissau com militares mortos, poderia ser eventualmente de outro ponto da Guiné.

Mais a diante no mesmo suplemento diz o indivíduo, volto a citar:

Destaco nessa zona (chão Fula) uma forte actividade inimiga que só num ataque havia já produzido 72 baixas. Os corpos dos militares e civis reunidos no posto de socorros produziam na valeta da rua um apreciável caudal de sangue. (**)

Meus amigos,  nós sabemos que 72 pessoas mortas é muita gente mas para produzir um caudal de sangue, será para impressionar os menos atentos? Deixo à consideração.

A guerra nas ex-províncias ultramarinas faz parte da nossa história recente e nós temos o dever e o direito de a narrar nos jornais, na internete, na televisão etc.etc. mas com verdade.

Agradeço o convite que o meu amigo me fez, para que faça parte da tabanca, quando tiver mais um pouco de vagar vou naturalmente aderir.

Camarada Luís Graça,  se o meu amigo achar que tem interesse, publica, de contrário fica o reparo e o meu desabafo. (***)

Um abraço, Rui Ferrão


___________

Notas de L.G.:

(*) 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5902: FAP (48): A guerra Páras-Fuzos, vista por um fuzileiro (Rui Ferrão)


4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Rui Ferrão.

Pessoalmente fico mais esclarecido sobre esse infeliz acidente ocorrido no rio Corubal que vitimou um grande número de camaradas nossos.

O Correio da Manhã pode publicar o que entende mas devia haver algum cuidado nesta série de “a minha guerra”, já não é a primeira vez que aparecem “heróis”, que viram o que ninguém viu, foram onde ninguém foi etc…

Já é a segunda vez que ouço “bravatas” desse tipo contadas por camaradas no blogue, como não compro o dito jornal não posso ter outra opinião, deveria ser feita a observação ao dito jornal por quem viveu esse trágico acidente, para que houvesse cuidado na abordagem da Guerra Colonial, não sendo assim, induz em erro os que o lêem, e desprestigia quem o faz.

Um abraço

Manuel Marinho

Luís Graça disse...

Não competindo com a "comunicação social" que tem de publicar e vender para sobreviver (e olhem que a profissão de jornalista já teve melhores dias...), nós, bloguistas - pelo menos, os dos nosso blogue - temos uma vantagem: estamos sujeitos ao escrutínio dos nossos pares, dos camaradas do nosso tempo, dos camaradas que nos antecederam e dos camaradas que nos substituiram...

Relativamente à Guiné, do período da guerra colonial (1963/74), é difícil "cometer galgas"... Facilmente se cai no ridículo quando se falta, deliberadamente, à verdade... Aqui é mais fácil apanhar um mentiroso a escrever do que um coxo a correr...

José Marcelino Martins disse...

Caro Rui Ferrão

O desastre do Che-che está presente, sempre, ma minha memória. Não estava junto do rio, mas estava a escassos quilómetros do local. Eu pertenci à CCaç 5, que ficou como "porta de saída/entrada para o Boé" a partir do dia 6 de Abril de 1969.
O texto referido no Correio da Manhã, é de autoria de um oficial superior do nosso exército. Protestei junto do jornal e "enormidade" da referência aos caixões com os restos dos nossos camaradas falecidos no desastre.
Responderam, perguntando qual a minha patente militar. Como respondi que tinha servido como Furriel Miliciano, acharam por bem dar o assunto por encerrado.
Ainda escrevi um texto, publicado neste blogue, intitulado TRIBUTO AOS SOLDADOS AFRICANOS, mas ficou no fundo dos bites de algum computador.
Numa referencia ao assunto e, desta vez, publicada no Publico, há uma referencia de que houve um "vai vem" de helis que transportaram os corpos do ria para a "tal" vala comum, que não foi detectada.
Eu estava em Canjadude onde, pelo menos no regresso, o Gen Spínola parou, depois de ter ido render honras militares, aos corpos que conseguiram recuperar, tendo os mesmos sido sepultados nas margem do rio.

Na altura fiquei com a sensação de que os corpos foram enterrados no local em que foram encontrados. Era natural que estivessem dispersos ao longo do rio.

Surge, agora, a possibilidade da vala comum. Questão: Recordas-te em que situação e como foram enterrados os corpos que foi possível recuperar?

Há, num vídeo, o depoimento dum elemento do que diz saber onde se encontram sepultados os corpos que eles, PAIGC, foram encontrando e sepultando nas margens do rio, "acima da linha de água", para que as cheias não os deixessem, de novo, a descoberto.

Um abraço

José Martins

Rui Ferrão disse...

Amigo José Martins, em relação à tua pergunta, se podia adiantar mais alguma coisa sobre o local, ou como foram sepultados os corpos recuperados? Pois quanto a isso não sei mais nada,na altura estava em Bissau, sei apenas que foram recuperados 11 corpos, por elementos do DFE 10 (Eu pertencia ao DEF 10 mas não fiz parte dessa operação), foram então sepultados algures na margem do rio,com todas as honras militares. Participaram também na operação a Força Aérea e o Exército. Dos restantes afogados como dizes, ter sido o PAIGC a localizar alguns e os ter sepultado, disso não tenho conhecimento. Sei que, Liga dos Combatentes tem feito um bom trabalho, na recuperação dos restos mortais dos nossos camaradas que tiveram a infelicidade de lá ficar. No caso particular do acidente do Cheche, já foram ao local mas não conseguiram localizar o sítio exacto onde eles estarão sepultados, o que julgo não ser uma tarefa fácil, mas, suponho que a Liga não vai baixar os braços.

Uma boa Páscoa para todos, são os meus desejos sinceros, Rui Ferrão