quinta-feira, 1 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6089: Os nossos regressos (21): No dia 1 de Abril de 1970, a CCAÇ 2381 finalmente despede-se em Parada Militar (Arménio Estorninho)

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 25 de Março de 2010:

Camaradas Carlos Vinhal e Co-Editores,
Faço votos de uma sã saúde e boa disposição.

Finalmente a 01 de Abril de 1970, a Parada Militar de despedida no Quartel dos Adidos, em Brá – Bissau.
Dia 1 de Abril de 2010 comemora-se a passagem do quadragésimo ano.

Há certas coisas na vida que são irreversíveis e tentava imaginar o que se passara, há quem lhe chame destino.

Antes de entrar no Navio, as imagens dos sítios por onde andei, gravadas na minha memória e sentia uma vontade de partir, tendo dito adeus Guiné, vou partir para junto dos meus e um dia hei-de voltar. Na descrição, o sentimento das palavras e imagens legendadas complementam-se.

Sendo a 03/Abr/70, a viagem de regresso no NTT Niassa e estando prevista a chegada para 09/Abr/70, na Estação Marítima de Alcântara, em Lisboa.


Parte 1

A sensação do regresso a casa dá-se aquando da Parada Militar, em Brá, e conjugando com o jantar de despedida, notando-se em quase todos a tomada de consciência e uma grande ansiedade (foto 1).
O tempo de comissão de serviço militar, obrigara-nos a uma forçada ausência familiar, alguns eram casados e com filhos, outros as paragens nos estudos e/ou nas carreiras profissionais. A partir de agora era a preparação de um mudar de vida, que teria uma forma de estar diferente e também perspectivando-se a reorganização da família.

Foto 1 > Bissau > Brá > Quartel do Adidos > 01/Abr/1970 > Parada Militar de despedida, na circunstância a CCaç 2381 “Os Maiorais,” apresentada pelo ex-Cap Mil Inf Eduardo Moutinho F. Santos e estando pela direita do Porta-Bandeira.

Do NTT Niassa saíra um forte buzinão, muitos vieram para o convés dar o último olhar de despedida, tirando fotos e/ou filmando, em que fixavam imagens para recordar (fotos 2 a 7). Saímos de uma guerra, em que a alma de uma forma geral ficara toda esfarrapada e há situações em que ainda hoje é difícil remendá-la.

Foto 2 > Bissau> Porto de Bissau> Base da Marinha> LDM e LDG> 1970;

Foto 3 > Bissau > Porto de Bissau> Base da Marinha > LFPs> 1970

Foto 4 > Bissau > Porto de Bissau> 1970 > Do Cais Pidjiguiti, vista para a Marginal, Edifícios Públicos e Restaurante/Bar “O Pelicano.”

Foto 5 > Bissau > Porto de Bissau > Cais Pidjiguiti, 1970 > Vista para a Marginal e Praça da Fortaleza da Amura.

Foto 6 > Bissau > Fortaleza da Amura, 1970 > Praça - Jardim e Fachada Principal da Fortaleza da Amura.

Foto 7 > Bissau > Fortaleza da Amura, 1970 > Fachada Lateral da Fortaleza (virada ao Porto), vimos canhões e metralhadora.

Contudo o navio afastou-se do Cais, ficando a Bombordo o Ilhéu do Rei, aí ancorando e aguardando por algo do qual não tive conhecimento. No primeiro dia, nem ao mais pintado escapara começando a haver algum incómodo com o enjoo.

Chegado o momento conveniente para zarpar, o Porto de Bissau ficara para trás, com rota pelo Canal do Geba e a devida entrada no Oceano Atlântico. Saímos de uma terra para a qual não pedimos para ali estar e ficara-nos a saudade (foto 8).

Foto 8 > NTT Niassa > No início da viagem de regresso > 03 de Abril de 1970. Um último olhar, não sendo fácil falar daquela terra e há sempre um sopro de saudade.


Parte 2 – A seguir as coisas complicaram-se nas camaratas, arejamentos inadequados, vomitados e exalação de odor repugnante, o balançar do navio que forçava aos que ali chegassem a ter sintomas de enjoo. Nos beliches aos acamados diziam-lhes que quando chegassem a terra tinham o médico para os tratar (No Algarve é a gozação do pescador “o marracho” para o montanheiro). Por antes viajar de barco, tive a precaução em me posicionar a meio do convés porque era a zona de menor balanço (fotos 9 a 11).

Foto 9 > NTT Niassa > No Convés e Amurada > Abril de 1970. Eu estou sentado acompanhado dos camaradas Alfredo Tomás e Leonel Valente da CCaç 2381.

Foto 10 > NTT Niassa> No Convés > Abril de 1970. Eu na imagem, para mostrar um monte de latas e o estado de conservação deplorável do equipamento que estava fora de actividade, oxidado e tapado com tinta já podre.

Por conseguinte seguiu-se o acumular das más condições sanitárias das camaratas, não havendo limpezas era uma imundice, que comentários “simplesmente desumano.” As idas às camaratas eram de uma forma geral esporádicas e só para ajudar os amigos e acamados, levando-lhes alimentos e ao mesmo tempo para controlar os pretensos.
Quando íamos aos balneários, ficávamos na expectativa de tomar um duche de água doce e aparecia a incongruência de água salgada, o “lux” não se adequava ao banho e o corpo ficava com salitre.
Relativamente à comida, era distribuída uma terrina para cada grupo de dez e comia-se com o prato na mão dispersando pelo convés.

Quando o NTT Niassa se afastou da costa africana seguindo o rumo do quadrante Norte, foi em parte do percurso acompanhado por um Navio da Marinha de Guerra.
O Niassa, chegara a navegar com vagas altas, em que ora adornava para estibordo ora para bombordo e assim como metia a proa a cortar as ondas, com o ir a baixo, depois lá acima e vice-versa, e nos porões era o ranger (choro) da estrutura dos reforços do casco.

Quanto aos passatempos: - Para nos localizarmos a grosso modo, “o nosso radar pessoal” tinha como referências as captações das emissoras dos rádios dos países do Continente Africano, das ilhas Canárias, da ilha da Madeira e por fim da Metrópole.
- Durante o dia pelo convés eram as conversas desgarradas, olhar para o mar e ver os seus atractivos, jogos de cartas da sueca, do rámy e à lerpa.
-Observamos golfinhos, grandes peixes - voadores, alcatrazes, barcos que estavam na faina da pesca e as ilhas Canárias.
Pela noite de um modo geral era a pretensão de ver cinema, mas houve avaria na máquina de projectar e “foi-se à vida.”

Foto 11 > Camaradas da CCaç 2381, eu, o 1.º Cabo Silva, Quarteleiro e Mecânico de Armas, o Soldado com o nome de guerra “O Coisinho” e o Soldado Corneteiro, Francisco Maria.

Aproximamo-nos da Metrópole ao anoitecer do dia 08/Abr/70, e começamos a avistar os relâmpagos do Farol do Cabo Sines. Mas haviam uns “conhecedores na arte de marear” e logo afirmaram que era o Farol do Cabo de S. Vicente, ao que lhes retorqui que não poderia ser, dado que esse dá uma série de três relâmpagos e o que viamos não dava. Sabia-o porque sendo meu hábito fazer comparação com o Farol de Alfanzina, no meu Concelho, sendo de categoria inferior e só dá uma série de dois relâmpagos.
No próprio Navio tive a preocupação do esclarecimento de um marinheiro, de qual o Farol que estávamos a ver e ele respondera que era o Farol de Sines, a seguir será o Farol do Cabo Espichel e por fim chegamos à Barra de Lisboa.

Assim foi, quando a noite ia alta chegamos defronte da Barra do Porto de Lisboa, entre o Farol de S. Julião e o Farol do Búzio, o navio sofre fortes balanços de proa/popa e de bombordo/estibordo, motivados pelas fortes correntes que se fazem sentir na barra do Tejo.
Fora aguardada a chegada do Piloto de Barra, porque compete a este conduzir a pilotagem do navio e a entrada no Porto. Depois navegou por debaixo da Ponte e fundeou no estuário (no Mar da Palha). Por fim quando já era dia, o navio desceu o rio Tejo, voltando a passar por debaixo da ponte Salazar, seguindo-se as manobras de acostagem e a atracagem na Gare da Estação Marítima de Alcântara.

Os militares desejavam de todo verem os seus, juntavam-se em grupos de conterrâneos, dependuram-se aqui e acolá, em tudo o que era possível e acenando com bandeiras, estandartes com escritos e outros meios. Fiz uma reportagem fotográfica muito completa da recepção ao contingente militar e apresento uma resenha de sequências de imagens (fotos12 a 19), dando a oportunidade para os meus camaradas de viagem e familiares, agora recordarem e penso que sejam únicas.
Os familiares e amigos dos militares, predispunham-se também para que melhor se identificassem, eram os acenos, os chamar uma "algaraviada" de e para lá.

Foto 12 > Porto de Lisboa > NTT Niassa > Sob a Ponte Salazar > 09/Abr/1970. Manobra de aproximação à Gare da Estação Marítima de Alcântara, o camarada com o pano é da CCaç 2381 e os outros são de diversas Companhias.

Foto 13 > Porto de Lisboa > NTT Niassa > Estação Marítima de Alcântara > 09/Abr/70 > Momento da tentativa de acostagem na Gare, com a emoção para visualização dos seus.

Foto 14 > Porto de Lisboa > Placa da Estação Marítima de Alcântara > 09/Abril/1970 > Multidão aguardando a chegada de Militares, em fundo a Ponte Salazar (25 de Abril)

Foto 15 > Porto de Lisboa> Placa da Estação Marítima de Alcântara > 09/Abril/1970 > Multidão aguardando a chegada de Militares, apresentando dísticos.

Foto 16 > Porto de Lisboa > Placa da Estação Marítima de Alcântara > 09/Abril/1970 > Multidão aguardando a chegada de Militares, apresentando dísticos.

Quanto a mim e aos meus familiares, não havia qualquer identificação, tornando-se difícil encontrarmo-nos. Como fui três vezes ao navio buscar os meus pertences, enquanto isso fazia guarda de permuta com outro camarada e dava uma volta pela zona. Mas tardava o desejado encontro, por isso já desesperado e não sabendo o que deveria fazer, eis que num ápice “Eureka” encontrei a minha namorada, ao mesmo tempo que ela me viu, apareceu a restante família. Tudo foi solucionado e houve um final feliz.

Por conseguinte se não me fiz entender sobre o cruzeiro de luxo e nos termos técnicos da arte de marear, peço imensa desculpa de tal ignorância porque sou montanheiro dos Salicos/Alfanzina, da Freguesia e Concelho de Lagoa, no Barlavento do Algarve.

Com cordiais cumprimentos para todos os Editores do Blogue
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas,
CCaç2381 “Os Maiorais”

Fotos e legendas: © Américo Estorninho (2010). Direitos reservados
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5857: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (4): Operação Grande Ronco (2)

Vd. último poste da série de 31 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6082: Os nossos regressos (20): A impressionante chegada a Figo Maduro na noite de 22 de Março de 1972 (António Tavares)

3 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro António

Não precisas de pedir desculpa.
O relato está escorreito e a reportagem fotográfica, com as imagens de lá, à partida, durante a viagem e de cá, à chegada, estão bem conseguidas.
Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Caro Camarada e Amigo. Boa descricao e boas fotos. Depois de ter iniciado este comentário com:"Camarada e Amigo",veio-me ao pensamento,que,na verdade,de um "Maioral" para outro "Maioral",sinto mais vontade,se nao levas a mal, de te tratar por Irmao! Terá mesmo passado 40 ANOS? Parece mentira! Um grande abrazo.

Anónimo disse...

Caro Arménio Estorninho
O teu regresso da Guiné transportou-me à minha ida:

Em 24 de Maio 1969, por volta do meio-dia, deixo o Porto de Lisboa no N/M Niassa, rumo à Guiné. Foi emocionante e comovente, ver aquela moldura humana de familiares e amigos a despedirem-se. No cais, eram uns com lenços nas mãos a acenar, outros com lenços nos olhos, no nariz, na boca, outros deitavam as mãos à cabeça, enquanto outros apertavam a barriga, cada familiar e amigo expressava queixume e desespero com o sentimento de gesto diferenciado. Um quadro impressionante que me fez cogitar e questionar.

Vivi o mesmo suplício que tu viveste, em relação ao “conforto” das instalações do transporte no N/M Niassa, uma nojeira, uma autêntica promiscuidade.
Parabéns pela tua reportagem fotográfica, muito bem conseguida.

Um abraço

José Corceiro