sexta-feira, 2 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6096: Meu pai, meu velho, meu camarada (20): Nunca te esqueças de escrever à tua mãe (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 29 de Março de 2010:

Caros Luis, Vinhal, Magalhães e restantes tabanqueiros
É uma pequena homenagem que faço ao meu pai.

Um abraço
Juvenal Amado



MEU PAI MEU AMIGO

“Nunca te esqueças de escrever à tua mãe”.



O meu pai à esquerda

Estas foram as suas últimas palavras quando me abraçou, naquela madrugada fria de Dezembro, à porta de armas do RI 2 em Abrantes.

Assim foi, nunca passei uma semana em que não escrevesse para a minha mãe, no fim mandava beijos e abraços para o meu pai e irmãos. Ele estava lá sempre em segundo plano, mas garantindo que tudo se passava como o previsto.

Era um homem afável com um elevado sentido de humor.

Foi Soldado de Artilharia Antiaérea e Defesa de Costa na Trafaria onde prestou serviço à volta de 1946.

Sobre a sua passagem pela vida militar, conheci as estórias dos desenfianços e do pouco apego à instituição militar bem como à disciplina que ela impunha.

Desenhador de profissão, ilustrava estórias de cowboys e índios para nos divertir. Chegou a fazer banda desenhada e inúmeros cartazes para os bombeiros e outras associações que deles necessitavam para campanhas de recolha de fundos.

Também fez parte de grupos musicais que abrilhantavam os bailes das associações. Tocava bateria e compunha assim o orçamento familiar com mais uns “cobres”.

Vagamente lembro-me com quatro ou cinco anos dormir com o seu casaco por cima, atrás do palco quando já não aguentava mais o sono.

Mais tarde ensinou-me os princípios básicos da sua profissão, os seus ideais sobre um país novo e livre, fui aprendendo observando-o ao longo dos anos que privei com ele em casa e no emprego.

A nossa relação foi distante enquanto eu fui garoto, o que era natural, pois a figura do pai era sempre austera e menos acessível que a mãe, mas foi fortíssima na minha idade adulta especialmente após o meu regresso da Guiné.

Identificávamo-nos no essencial no plano social e político, gostávamos em grande parte dos mesmos petiscos, filmes e escritores, deferíamos no gosto musical como era natural, mas acima de tudo o que gostávamos mais, era de estarmos juntos.

Qualquer mesa, qualquer café ou um pouco de pão e queijo era o suficiente para saborearmos um copo e o prazer de estarmos juntos. A minha mãe muitas vezes dizia: "tal pai tal filho".

Não me lembro de ele ter pedido algo que fosse só para si.

No dia do Pai percorri a memória e a saudade que tenho dele.
Nunca lhe disse o quanto o amava, talvez convencido que isso estava à vista desarmada.
Sinto que não gozei o suficiente a sua companhia

A sua morte no dia 13 de Janeiro de 1995 foi o acontecimento mais triste da minha vida e hoje lembrei-me de que nunca lhe escrevi uma carta.

Juvenal Amado
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6006: O 6º aniversário do nosso Blogue (9): O Blogue, o futuro, os nossos encontros, os dias em que não me sinto fora de prazo... (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 24 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5154: Meu pai, meu velho, meu camarada (19): Cabo Verde, 1942: Plano de defesa do arquipélago, de Santos Costa (José Martins)

13 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Hélder Valério disse...

Caro Juvenal

É bem verdade o que dizes.
Fica-se (eu fiquei) quase sempre com a idéia que não demos a devida e merecida atenção aos nossos velhos.
Também eu, quando o pai morreu, senti que o que mais me custou foi de facto essa sensação de não estado com ele mais tempo.
Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Estimados Editores

Não sei o que aconteceu, só submeti uma vez, o conteúdo do meu comentário e editou-se em triplicado.

Um abraço

José Corceiro

Anónimo disse...

Caro Juvenal,

É como dizes. Temos a sensação que não tivemos (temos) tempo suficiente para estar com o nosso pai.

Felizmente o meu pai ainda é deste mundo. Está na terrinha à espera da minha visita. É assim todos os anos.

Um abraço amigo,
José Câmara

PS: José Corceiro, por favor não te preocupes com o que aconteceu.
Quando acabei de ler o que escrevestes já sabia tudo de cor e salteado.
Tanto assim que quase repeti o que dissestes. E não tinha ficado nada mau.
É que é mesmo lindo a harmonia e cumplicidades entre pais e filhos.

Anónimo disse...

Caro Juvenal
Gostei de ler tudo o que escreves-te sobre o teu pai.
Infelizmente nunca vivi momentos felizes com o meu pai pois ele faleceu quando eu tinha 20 meses de idade.
Como eu te invejo...
A veneração que tinhas pelo Homem Grande é notável
Parabéns
Abraço Fraterno
Luís Borrega

MANUELMAIA disse...

CARO JUVENAL,

FRANCAMENTE BONITO ESTE TEU GESTO.
CONFESSO QUE GOSTEI BASTANTE.
ABRAÇO

MANUELMAIA

Carlos Vinhal disse...

Foram eliminadas duas mensagens de José da Câmara que estavam repetidas

CV

Anónimo disse...

Bela Homenagem ao Pai.
Não conheci o meu, tinha apenas oito meses quando o meu Pai faleceu.
Cumprimentos
Filomena

Joaquim Mexia Alves disse...

Que queres que te diga camarigo Juvenal, se não que me fizeste recordar o meu pai e que isso para mim é sempre uma recordação que me faz melhor e mais humano.

Obrigado.

Um forte abraço para ti e para todos

Luís Dias disse...

Caro Juvenal

Belissimas palavras que me fizeram recordar o meu pai. O Ti Porfírio que foi ver às escondidas a minha partida para a Guiné (não quis ninguém da família no cais a assistir à partida do nosso Batalhão, o BCAÇ 3872. Bem te lembras do aquilo foi!) e que conseguiu apurar a chegada do Niassa que nos devolveu às nossas gentes, às nossas terras e informou a família para lá estarem em tão especial momento. Tenho saudades dele, porque já partiu em Março de 1988 e deixou um grande vazio no coração da minha mãe e do meu. Tenho feito por ter uma vida digna, firmada nos seus ensinamentos e sei do orgulho que tinha em mim e que, esteja onde estiver, eu possa continuar a merecer esse orgulho.
Ele também tinha pedido que eu não me esquecesse de lhes escrever e quando, ao fim de alguns meses de Guiné eu, por estar "apanhado", passei a escrever nos aerogramas: "A Leste nada de novo" e depois deixei de escrever mesmo, fui chamado à razão pelo comandante, porque o meu pai, preocupado, escrevera para o Ministro do Exército a perguntar o que se passava com o filho.
Obrigado Juvenal pelo que escreveste, porque nesta Páscoa me teres relembrado da importância que o meu pai também teve para mim.

Um abraço

Luís Dias

António Matos disse...

Caro Juvenal, permite-me meter a colherada neste teu tema pelas imensamente gratas recordações que tenho do meu Pai.
Dizias que nunca tinhas escrito uma carta ao teu e eu vou publicar a última que enderecei ao meu num momento especialmente difícil - tinha acabado de falecer.
Dizia-lhe eu :

" Pai,
Não é o elogio fúnebre que te quero dedicar, hoje.
Nem é aos presentes que quero dirigir estas palavras.
É a ti que me dirijo emocionado pelo que representaste para mim ao longo deste último ½ século .
E representaste tanto!..
Tanto, que tenho remorsos em nem sempre ter satisfeito as tuas expectativas! Pelo contrário, tê-las gorado!
Aqui estou a reconhecê-lo e a pedir-te que agora, nesse mundo no qual também acredito, possas finalmente ter a paz psicológica que os últimos anos te tiraram.
Contrariamente ao imaginado nos meus primeiros anos de vida, éramos, ultimamente, parcos em palavras. Para tal contribuiram factores menores perante esta enormidade que é a Morte!
Outros virão, porém, que tentarão melhorar o que nós estragámos.
E aqui te quero deixar o meu testemunho pelo nó emotivo e de grande orgulho que me envolveu a garganta quando ontem, todos os teus netos em manifestações de enternecedor carinho te visitaram no hospital e de todos recebeste uma festa e de alguns brotaram as lágrimas que o amor e a saudade pressentida fizeram transbordar . Eu vi!
Poderia aqui ficar a desenrolar um interminável número de situações pelas quais és recordado carinhosamente pela grande maioria dos presentes. Prefiro, porém, dizer-te que também eu fico com a saudade de uma vida inteira fisicamente perto de ti recheada de bons exemplos e de uma leal entrega à família pela qual e para a qual viveste.
Obrigado Pai."

Anónimo disse...

Amigo Juvenal Amado, muito boa-noite!
O AMIGO Carlos Vinhal enviou-me à dias o link para o acesso às suas histórias, que tenho lido com regularidade, e pelas quais o felicito. Cheiram e sabem a autênticas, a vivências que os anos tornam mais reais e valorosas.
Muitas, sabem a saudade, sobretudo, aquela sobre o seu pai, que me emocionou, e me trouxe à memória o meu, de quem tenho as melhores recordações e indíziveis saudades: fica sempre em nós aquele sentimento de termos deixado alguma coisa por fazer, como...escrever-lhe uma carta.
Também as minhas, eram dirigidas à minha mãe, que as lia para o pai ouvir, muitas vezes chorando de saudade e emoção...contudo, como é bom recordá-los!
Como é bom falar deles!
Neste espaço de ciberliteratura, aberto e oferecido aos que se interessam, virei procurar as suas notas, bem assim a de quantos se dignarem, escreve-las.
É já um espaço enorme de recordações, história e estórias, que a vossa memória regista, muito embora pese o motivo que o origina.
Os meus parabéns pela vossa capacidade de recordar, pelo vosso altruísmo, pela vossa sensibilidade.
A minha amizade sincera, é minha forma de vos expressar a minha gratidão.
A amiga
Felismina Costa