1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 22 de Março de 2010:
Boa noite Caro Carlos Vinhal
Como já cheira a Primavera - e nunca mais chega o V Encontro - lembrei-me de escrever mais uma história da vida.
O "sem abrigo" desta história, que nada tem de ficção, pode ter sido um ex-combatente... Independentemente dessa hipótese é chocante a miséria que faz parte da cosmopolita baixa lisboeta.
Sobem o Chiado jovens vestidas como modelos, de mãos ocupadas com cigarro e telemóvel, flutuando entre luxos e frivolidades sem pousarem os olhos em gente que nada tem. Nem abrigo nem esperança.
Foi esta a Primavera que eu vi no Chiado em 21 de Março de 2010.
Um abraço.
JERO
PRIMAVERA NO CHIADO… em 2010
Vivi em Lisboa durante dois tempos da minha vida.
No primeiro tempo como militar e, depois de ter sido mobilizado e ido à guerra do Ultramar, regressei – em segundo tempo - como empregado bancário. Terão sido, ao todo, cerca de três anos.
Depois fixei-me em Alcobaça… até hoje.
Já lá vão cerca de 40 anos.
As contingências da vida levaram-me cada vez mais a espaçar as visitas à capital, mais propriamente à Baixa lisboeta.
Neste último fim de semana vim a Lisboa e visitei algumas zonas nobres da capital, onde é “obrigatório” vir para quem vive habitualmente na Província.
Fiz questão em ir ao Chiado e estar com o Fernando Pessoa que muito prezo.
Como é sabido esta figura única da cultura portuguesa não teve vida fácil, sendo reconhecido e reverenciado depois de ter partido para o Além, o que, sendo importante, deve ter sabido a pouco e tardio ao principal interessado…
Desde sempre associei o Fernando a uma vida amargurada, que parece permanecer por perto da sua Pessoa!
No dia em que estive nas proximidades dos seus “domínios”, ao Chiado, vi (e fotografei) três cenas dramáticas separadas por distâncias bem curtas.
A poucos metros do Fernando, aos pés da estátua de António Ribeiro Chiado, dormia em pleno dia (eram 16H00) um “sem abrigo”. Entre as Igrejas dos Italianos e a dos Mártires.
A temperatura estava cálida na tarde do primeiro dia de calendário da Primavera de 2010… e o homem dormia a sono solto.
Também podia estar morto mas toda a gente passava com um olhar rápido – ou sem olhar – e seguia a sua vida…
O “sem abrigo” fazia parte da paisagem…
Mais abaixo, perto dos Armazéns do Chiado, um cão dormia a sono solto junto da banca do “patrão”, que, sem grande esforço, vendia – ou tentava vender - numa banca improvisada “souvenirs” que não atraíam ninguém. Atracção era o cão que, mesmo a dormir, fazia pela vida do “patrão”. Muitos passantes paravam e deixavam uma moeda num tigela de plástico. Perto do cão.
Descemos a caminho do elevador de Santa Justa… e se já “íamos em choque”… pior ficámos.
Um casal de idosos cantava o fado… à espera de uma moeda. Ou não estavam no passeio certo ou não era por acaso que os transeuntes optavam por passar do outro lado da rua. Ninguém parava uns segundos para ouvir o fadista e… deixar uma pequena ajuda.
Em relação a estes três locais que descrevo ia jurar que os passantes só olhavam com (particular) simpatia para o cão!
Foi essa a minha visão…
Mal vai o mundo quando um cão parece valer mais ajuda que… seres humanos.
Digo eu… que sou da Província… e até gosto de cães!
JERO
PS - No regresso ao local onde tinha estacionado o carro, na Rua do Alecrim, passei novamente pela estátua de António Ribeiro Chiado. O “sem abrigo” já não estava onde o tinha visto uma hora atrás. Das duas Igrejas dessa zona do Chiado – a dos Italianos e dos Mártires – só a segunda mantinha as suas portas abertas. Desejei que o “sem abrigo” tivesse feito a melhor opção…
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6016: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (6): Na prisão é que está a dar
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Caro camarada Jero
Lisboa, infelizmente está chei-a de sem abrigos, um transeunte mais atento pode constactar, isso mesmo.Se tivesses andado mais um pouco até ao Cais do Sodré,poderias ver mais pessoas carenciadas sem abrigo.
De Belem aos Olivais,do Rossio ao Areeiro é frequente, encontrar-mos pessoas vagueando sem rumo e transportando os seus parcos haveres, espreitando alguma dávida abensoada que lhes caia na mão.
Existem instituições de voluntários no terreno que vão climatando essas carências como podem, mas acredita que alguns casos doi a alma tal é a miséria humana que os nossos olhos enchergam.
Os tempos estão difíceis e quanto mais se for agravando a classe social mais desprotegida,mais se vão encontrar nas nossas cidades.
Quem deveria tomar medidas não as toma e os que estão voluntáriamente no terreno começam a não ter meios para acudir tanta gente.
Vamos ter esperança, que os tempos mudem e que as vontades de quem decide se voltem para que4m realmente precisa de ajuda.
Um abraço
Mário Pinto
Caro JERO
Este relato do teu passeio por uma das 'montras' da Lisboa turística tem o valor que lhe conseguiste dar por força do teu olhar atento e da tua sensibilidade para essas situações, que aliás também tão bem conheces.
De facto a miséria tem crescido e as camadas mais desprotegidas são as mais abaladas, como infelizmente é natural.
Já se tem falado destes casos, destas situações, aqui no Blogue e não só e, enquanto indivíduos, podemos e devemos denunciar o que se conseguir.
Um abraço
Hélder S.
CARO JERO,
O PAÍS ESTÁ CHEIO DE INDIVÍDUOS SEM ABRIGO E NESTE JÁ MUITO NUMEROSO GRUPO,HÁ UMA BOA PARTE DE EX-COMBATENTES.
QUANDO A CORJA POLÍTICA EPISODICAMENTE,POR ESTA OU AQUELA RAZÃO,DEIXA O PÓPÓ TOPO DE GAMA, PAGO PELO POVO, (QUE ESTUPIDAMENTE LHE BATE PALMAS E OFERECE UM CHEQUE EM BRANCO PARA GOVERNAR) E CIRCULA NAS OLISSIPONENSES CALÇADAS
E DEPARA COM ESSE ESPECTÁCULO DEGRADANTE DE VER PORTUGUESES ATIRADOS ÀS RUAS NA MAIOR DAS MISÉRIAS,FARRAPOS HUMANOS POR SI GERADOS, PENA É QUE NENHUM
PORTUGUÊS,VERDADEIRAMENTE DIGNO
DESSE NOME,TENHA A CORAGEM DE CUSPIR NAQUELAS FACES SIMBOLO DA MENTIRA,NAQUELES ROSTOS DA SEMVERGONHICE,NAQUELES SEMBLANTES NOJENTOS DE CHULOS DO POVO...
ACREDITA QUE SERIA UM ACTO DE CORAGEM QUE TODOS ,CREIO,TEMOS VONTADE DE FAZER MAS NÃO TEMOS OPORTUNIDADE PORQUE É EM LISBOA QUE ESSA GENTALHA CIRCULA...
ABRAÇO
MANUEL MAIA
Caro Amigo
Felizmente vim "ver" o blog.Li e reli pausadamente. Valeu a pena ler,reler e, não faz sentido a esta hora, ir ler algo mais. Porque não terminar as leituras do dia com um texto tão bonito, tão cheio de vida, tão pequeno e a tanto dizer.
Eu termino já,uma boa noite para ti e escreve...Abraço fraterno do TM
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