sábado, 13 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5984: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (26): Teixeira Pinto, Julho de 1971, no pico da época das chuvas

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 9 de Março de 2010:

Amigo Carlos Vinhal
Mais umas linhas para “Viagem à volta das minhas memórias”, que publicarás se assim o entenderes. Como sempre são “slides” que não se apagaram e de quando em vez se me projectam.

Um grande abraço para ti.
Um outro para a Tertúlia, que tem andado bastante calma e um tanto… intelectualizada!?
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (26)
Teixeira Pinto – Julho 71

Estávamos a entrar no pico da época das chuvas.


Recordo toda aquela canícula húmida que nos fazia destilar quase em permanência um suor que nos escorria pelo corpo, ensopava as roupas e por vezes nos toldava a visão como se de uma cascata se tratasse. Agarrava-se-nos ao corpo tornando-o peganhento q.b. e causava uma sensação desagradável de pele arrepanhada quando secava, nos colava as pálpebras e tapava os poros, fazendo-nos sentir pequenas picadas incomodativas que nos faziam desejar um belo banho ou uma boa chuvada que funcionasse como “chuveiro” e nos permitisse um “esfreganço” com o lenço “tropeiro “de 50 cm(?) de lado, que nos permitisse remover aquele melaço atraente a voadores !

Recordo quando as comportas dos céus se abriam ficando escancaradas, ver por vezes pessoal a aproveitar a chuvada que se abatia em grossas bátegas e tomar banho, muitas vezes de sabão e tudo!! Era bem melhor que o fazer de bidão e lata!! Aborrecido era quando o dilúvio se acabava sem contarmos e sabão ficava colado ao corpo!!

Recordo o andar em “perseguição”ou em “fuga” das chuvadas, uns tantos centímetros atrás ou à frente; dos arabescos escritos pelos relâmpagos na noite que criavam fantasmagóricos dançares da vegetação na mata que nos confundiam e nos faziam ver o inexistente; do ribombar dos trovões que em proximidade mais pareciam o troar de armas apocalípticas!

Recordo a voragem vampiresca da mosquitagem anafada, que conseguia pôr os nervos de qualquer um à flor da pele e que a mim, não fora o zumbido, pouco ou nada afectavam ; nesta zona (em Bula não senti) havia uma outra espécie de mosquitos pequeníssimos, (similar ao nosso mosquito da lenha(?)) que só encontrei na mata quando chovia e que, para alem do seu “zunir” enervante, se entranhava por toda e qualquer nesga aberta na roupagem parecendo que a furava, conseguia penetrar os abafos (cachecóis de rede) desferindo “ferradelas” causticas, mais parecendo mini queimadelas. Era tenebroso quando se emaranhavam nos cabelos e atacavam o couro cabeludo!!! Estes sim, afectavam-me verdadeiramente! Eram aos “milhões” naquelas noites chuvosas nas matas, interferindo na segurança!!!

Recordo as matas verdejantes do Balanguerês que palmilhei vezes sem conta e do Burné, onde para além de zonas arbustivas intrincadas e plantas de folhas (?) espinhosas que nos rasgavam a carne, havia os espaços viçosos e paradisíacos, convidativos a uma inviável boa soneca deitados num manto verdejante por debaixo das ramadas dos cajueiros ou afins, ouvindo a algaraviada da passarada com os seus cantares ao desafio - que por vezes servia de música de fundo à cena da passagem expectante e graciosa de uma frágil e elegante gazela que farejava os ares desconfiada, ou ao rastejar ou dormitar de uma qualquer cobra de grosso porte (surucucu ?) - e interrompido por um debandar repentino causado pelo nosso avistamento ou qualquer ruído mais forte por nós produzido, o que nos podia trazer consequências más !

Na mata, eram momentos em comunhão como estes que me faziam por vezes pensar no que andava ali a fazer, me aligeiravam a tensão e me faziam acreditar que o futuro podia não ser só o momento seguinte!

Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5784: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (25): O Puto não me largava

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro Luís,
Os malditos pretinhos eram piores que as melgas. Parecia que conheciam tudo o quanto era buraco de entrada ou de saída.
Chegamos a levantar emboscadas nocturnas por causa dos seus ataques.
Um abraço,
José Câmara

Jorge Fontinha disse...

Que belo pedaço de prosa.De ti já me abituei a tudo.
Como diria o Câmara, para eles os buracos eram nos dois sentidos.Francamente eu tentei sempre aproveitar os de entrada!

Aquele abração.
JORGE FONTINHA

MANUELMAIA disse...

CARO LUIS,

A FORMA TÃO REAL QUE IMPRIMES AO TEU ESCRITO,FEZ-ME LEMBRAR O RAIO DOS MOSQUITOS QUE SEMPRE QUE TÍNHAMOS QUE PERNOITAR NO "HOTEL MAIS ESTRELADO DA GUINÉ" SE ENTRANHAVAM POR DENTRO DAS MEIAS( À FALTA DE LUVAS) QUE ENFIAVA NAS MÃOS,PARA BEBEREM O WHISKY QUE TINHAMOS MISTURADO NO SANGUE...

É QUE SANGUE ELES TINHAM MUITO "À MÃO" QUER DE BRANCOS QUER DE PRETOS...

SANGUE ADOCICADO COM WHISKY SÓ NOS TROPAS E NÃO EM TODOS,POIS QUE
HAVIA ALGUNS ABSTÉMIOS ENTRE O PESSOAL...

ENQUANTO DÁVA-MOS O SANGUE À MOSQUITADA CÁ FORA,PROTEGÍAMOS OS MUITOS AB NA PERIGOSÍSSIMA BISSAU... ENREDADOS NAS REDES MOSQUITEIRAS,ONDE O "VAMPIRO" NÃO TINHA AUTORIZAÇÃO DE ENTRADA NAS CÂMARAS SUJEITAS À
"CHATICE" DO AR CONDICIONADO...

UM GRANDE ABRAÇO

MANUEL MAIA

António Matos disse...

Olá Luís, olá José Câmara, olá Manuel Maia, é quase meia noite e estava eu muito sossegado a divertir-me com a minha recente brincadeira ( facebook ) quando o sistema fez PLIM! e apercebi-me da entrada duma intervenção bloguista.
Tive vontade de imediato ir ver quem teria escrito mas um estupor duma melga preencheu a minha atenção no sentido de lhe dar caça e de a vindimar sem qualquer apelo nem agravo.
A verdade é que as aproximações em voo picado aos meus ouvidos conseguem alterar significativamente os meus humores e só uma emboscada montada de forma a se tornar infalível, me dá alento para tudo fazer de modo a evitar os inchaços com que fico após o ataque.
Não raras são as vezes que tais inchaços degeneram em verdadeiros caroços do tamanho de ameixas o que me apurou já a táctica de as surpreender e de as esborrachar com requintes de malvadez ...
Apagada a luz no escritório, fiquei inerte, qual estátua, à espera do próximo ataque...
Ela aí vinha tipo trompeteiro, dava para sentir o ferrão assanhado tipo bandarilha que se preparava para me espetar ...
Julgo que já a escassos milímetros da minha cara, desferi um golpe que a deixaria a ganir para o resto da noite mas quis a sorte ( dela ) não lhe ter acertado mas em compensação preguei um valente estalo em myself !
A irritação chegou ao ponto de rebuçado razão pela qual esperei nova investida.
Re-armei as minhas defesas, apaguei a luz e decidi-me esperar.
Ela aí vem, em voo de reconhecimento ...
Agora sim, já vinha a descer a altíssima velocidade e havia que lhe tirar a tosse.
Decidi fazer-me de lorpa .
Aterrou.
Deixei-a escolher a veia.
Senti-a inspirar fundo como que a encher os pulmões para chupar o máximo que pudesse.
Ah minha cabrona, que te apanhei.
Amandei um estalo de tal ordem que até fiquei com zumbidos nos ouvidos mas depois de acender novamente a luz o espectáculo era feérico !
Sangue era o que se queria !
Na poça, ainda a espernear, a javarda da melga estrebuchava em convulsões ...
Estava a agoniar ....
Morreu !

Foi então que fui ao blogue.
E não é que tu, Luís, dissertas sobre a mesma temática ?
Ele há coisas do diabo ....
É certo que os tais predadores guineenses tinham uma estrutura mais agressiva e melhor preparada para estas guerras mas também foram alvo de verdadeiras chacinas .

Que a terra lhes seja leve !

Anónimo disse...

Meus Amigos,obrigado pela vossa "disponibilidade comentarial",que faz bem a qualquer e a mim,pessoa normal,tambem.
Uma referencia em especial ao António Matos por que ...reaparece.Pena que só em comentáriose de longe em vez ,para já!
Do Manel Maia já tenho(temos) saudades de um textozito,em sextilhas ou não!
Vêjam lá se começam a dar corda ao dedo,oK

Um abraço para todos
Luis Faria