quinta-feira, 25 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6048: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (23): Diário da ida à Guiné - 03/03/2010 - dia zero

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), chegado recentemente de uma visita à Guiné, com data de 23 de Março de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Caro Luís Graça
Camaradas:

Cheguei da Guiné-Bissau há quatro dias e só agora estou em condições de dar notícias devido ao cansaço do dia a dia frenético, lá vivido.
Fui com oito dias “na bagagem” mas acabei por estar lá quinze… Se não fosse por ter cá assuntos para resolver, inadiáveis, ficaria um mês ou mais… Achei tudo fantástico, principalmente asgentes, mas também os locais, só agora possíveis de visitar. O clima é o que se sabe, apanha um camarada.

Tenho que dizer que todo o prazer que senti nesta viagem (e foi muito, até às lágrimas) o devo:

1.º - Ao ter ouvido, há cerca de um ano, numa entrevista, o Beja Santos referir o Blog do Luís Graça.

2.º - Serem o Blog, o Luís Graça e os editores o que são.

3.º - Ao telefonema do António Pimentel, sensibilizado com as primeiras estórias que mandei para o Blog e ao convite para aparecer na tabanca de Matosinhos às Quartas-feiras.

4.º - Aos camaradas que me deram apoio na Guiné-Bissau: Pimentel, Mesquita, Pires e o seu filho que carregaram as minhas malas por causa da minha coluna, e sobretudo ao Chico Allen que me aturou (e eu a ele claro) principalmente na última semana, a viver sozinhos no Anura Club, meio abandonado.

5.º - À excepcional afabilidade do povo guineense.

Fui encontrar uma Guiné que pouco tem a ver com a que conheci há quarenta anos embora a minha definição seja a de um país100% surrealista e em certos aspectos, de faz de conta. Como podem imaginar, tenho estórias para contar do “arco da velha”.

Penso contá-las ao longo do relato diário (quinze episódios), se os chefes de tabanca mo permitirem.

A par desse diário, que o Carlos postará com a periodicidade que entender, tenho também uma outra estória baseada em factos reais passados na Guiné-Bissau e não só, que por envolver pessoas reais terá de ser ficcionada. Será contada por capítulos. A minha ideia é, logo que possa, começar a mandá-la independentemente do “diário dos quinze dias”

Esta nova estória, ou mais precisamente seriado, terá o título: NA KONTRA KA KONTRA

Apesar de pensar vertê-la para crioulo, mais tarde, irá, por facilidade minha, ser escrita em português e neste caso o título traduzido será: ENCONTROS E DESENCONTROS

Já mostrei a maqueta a pessoas entendidas e tive opiniões muito favoráveis.

Hoje segue apenas, em anexo, o relato do dia zero (03-03-2010 Quarta-feira – Viagem Porto Lisboa Bissau).

Brevemente mandarei o 1.º capítulo de: NA KONTRA KA KONTRA

Abraços para todos.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BÁFATA - 23

Diário da ida à Guiné – Dia zero (03-03-2010)

(Este relato do dia zero foi escrito no avião e em papel de jornal)


Dia da viagem para a Guiné-Bissau. Até as 21h e 30m, início do voo de Lisboa para Bissau, nada aconteceu que mexesse comigo. No aeroporto do Porto, e contrariamente ao de Lisboa, tive a oportunidade de ter um PC à disposição para navegar um pouco na NET. Consultei então uma última vez a minha caixa de correio, onde tinha um e-mail do camarada Albano Costa a tecer algumas considerações agradáveis sobre viagem que ia iniciar, inserindo três fotos de Báfata.

Como ia dizendo, ainda nada tinha mexido comigo até ao anúncio de que os estrangeiros tinham que preencher uma ficha para entregar no desembarque. Já muitas vezes tive que fazer isso quando das minhas viagens de férias para certos países, mas agora para a Guiné… só ao fim de alguns segundos é que tive consciência da realidade que acabava de se me deparar… eu era um estrangeiro.

Já em estória anterior referi que o povo da Guiné-Bissau, por força da Globalização, aspira hoje em dia a bens que o Global não lhes pode dar. Ao meu lado vai um guineense que, segundo ele, tem trabalhado em Portugal, mas regressava por causa da falta de trabalho. Tive que o ajudar a preencher a dita ficha, mas o que realmente quero dizer é que quando anunciaram que se tinham que desligar os telemóveis, ele começou a ficar atrapalhado pois não sabia como se desligava um dos dois que levava. Teve que ser uma hospedeira a fazê-lo...! Perguntando-lhe se há muito tempo não vinha à Guiné a resposta foi que a última vez tinha sido há quinze dias…!

Espero que o residente Chico Allen e os viajantes por terra, Figueiredo, Pires, etc. estejam à minha espera no aeroporto. O Allen disse-me que nem sempre há táxis para ir para Bissau e que o normal é uma pessoa pedir boleia a alguém. O avião chega à uma e meia da manhã e em Bissau, como é sabido, não há energia eléctrica pública. É a escuridão total a essa hora…

Também me disse que possivelmente teria que ir ao aeroporto pois no mesmo avião iam duas ou três pessoas suas conhecidas. Já consegui contactar duas mas não contam que ele as vá esperar.

Segundo o LCD informativo estamos a uma hora e meia de Bissau, com vento pela frente a rondar os 120 Km por hora (atraso, pela certa). Devemos estar a atravessar o Sara na vertical da Mauritânia. Tenho muita pena que seja noite. Nas três viagens que fiz (de dia) há quarenta anos, em plena era Salazarista, o avião não podia sobrevoar os países africanos vindo sempre a sobrevoar o mar junto à costa pelo que só se vislumbravam as bordas do deserto.

O LCD mostra agora o avião numa posição enviesada por força do vento meio lateral. Apesar de não apontar o nariz para Bissau acredito piamente que lá chegará embora não pelo Norte, mas por Noroeste ou Nordeste.

O meu companheiro de viagem, Djau ( soube o seu nome ao preencher-lhe a ficha), acabou de me explicar como posso por o meu telemóvel desbloqueado, a funcionar numa das duas redes de lá: Por cerca de 500 francos CFA (moeda comunitária de alguns países da África Ocidental sendo um euro = 660 francos CFA) compro um cartão da rede que escolher (MTN ou Orange) e um outro cartão, de recarga, com o valor de chamadas que entender e onde, com uma raspadinha, fico a saber o PIN para aceder à rede.

Disse-me ainda que por lá há Máquinas Multibanco, nomeadamente uma em Báfata, junto da casa onde morei. Tudo isto que venho referindo poderá ser útil a outros camaradas que futuramente venham à Guiné-Bissau..

Bissau já aparece no LCD informativo. Falta cerca de meia hora para, ao sair do avião, sentir aquele cheiro de há quarenta anos.

Por agora termino e francamente não sei se enquanto estiver na Guiné-Bissau conseguirei arranjar tempo para escrever o que quer que seja. Mais tarde, as fotos e os filmes que penso fazer, ajudar-me-ão a reconstituir o diário de “bordo”.

Acabam de anunciar a temperatura em Bissau: 24º C. Ouvem-se os trens de aterragem a descer.

Até amanhã Camaradas.
Fernando Gouveia
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5882: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (22): Ida à Guiné, a pé

5 comentários:

Luis Rainha disse...

Amigo Fernando Gouveia

Sei o que é a nostalgia de África e muito mais a da Guiné. Estive lá em 1964-1966. Lá deixei tudo, a minha alma e o meu coração; sim, porque este ficou entre Bissau e Bafatá e nunca mais regressou. Foram coisas da vida que me marcaram grandemente e que só a morte poderá apagar.
Um desabafo amigo
Centurião-Mor

Anónimo disse...

Caro Camarigo Fernando Gouveia
Tive o mês passado um convite para integrar um grupo para ir à Guiné (8 elementos). O convite partiu do Ex-Fur.Mil Eugénio Pereira que integrou a CCaç 3545/BCaç 3883 que nos rendeu em Pitche. O objectivo era ir a Pitche, Canquelifá, Buruntuma entre outros lugares. Não me foi possível integrar o grupo com muita mágua minha. Ainda hoje relembro o nascer do sol, o pôr do sol, as bolanhas verdejantes
os gritos dos macacos cães, o cheiro da terra molhada, a algazarra dos jubis, o vermelho da terra.
Quem conheceu África nunca mais esquece.
Tenho de lá voltar antes de "partir para a grande viagem".
Abraço fraterno
Luís Borrega

Jorge Narciso disse...

Caro Fernando

Fui à Wilkipedia e assustei-me com a descrição do sentimento que, de chofre, o teu Post me gerou:

...sentimento de aversão ao que o outro tem e a própria pessoa não tem. Este sentimento gera o desejo de ter exatamente o que a outra pessoa tem (pode ser tanto coisas materias como qualidades inerentes ao ser)e de tirar essa mesma coisa da pessoa, fazendo com que ela fique sem.

Que sentimento?:
INVEJA. isso mesmo !

Claro que percebes o simbolismo.

Aliás fico à espera que ma intensifiques, com os teus próximos e anunciados capitulos, que fico atentamente a aguardar .

Até que um dia, espero que em 2011 eu consiga: não, como doutrina a citada descrição, tirar-te ou apossar-me desse teu bem: antes pura e simplesmente usufrui-lo, também.

Um forte abraço

Jorge Narciso

Hélder Valério disse...

Caro Fernando Gouveia

As tuas expectativas e a ansiedade reveladas no teu post em que nos deste conta desta tua viagem, já nos faziam ter a certeza de que não deixarias de fazer relatos circunstanciados
Eles aí estão prometidos e até já começam a tomar forma. É só ter paciência e esperar para ler...

Um grande abraço
Ah, e como eu compreendo o Jorge Narciso...
Hélder S.

Luígi disse...

Óptimo poder lêr-te.
Venha o nº1!
Obrigado
Luis de Sousa