Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 25 de março de 2010
Guiné 63/74 - P6050: O grave incidente, com repercussões no Conselho de Segurança da ONU, provocado pela incursão no Senegal da pequena força portuguesa comandada pelo Cap Cav Alves Boltelho (Esq Rec Fox 3431), em 12/10/1972
Guiné > Zona Leste > Galomaro > CCS do BCAÇ 3872 (1972/74) > Chaimites durante uma visita do General Spínola... Data provável: início de 1973... Estas viaturas blindadas pertenciam ao Esq Rec Fox, com sede em Bafatá... Quem sabe se alguma delas não terá estado envolvida no incidente, na região fronteiriça de Pirada, que levou à desgraça do Cap Cav Alves Botelho... As autoridades militares portuguesas tentaram, publicamente, branquear o caso, remetendo a explicação para o insólito comportamento do oficial de cavalaria para um "caso de perturbação mental" (sic)...
Já aqui reproduzimos excertos do depoimento do Sérgio Marques, que foi testemunha do acontecimento, em reportagem publicada no Correio da Manhã, revista "Domingo", na conhecida série "A Minha Guerra" (*):
(...) Foi uma tarde louca, aquela de [12 ] Outubro de 1972, em Pirada, no Leste da Guiné, na fronteira com o Senegal. Eu integrava um pelotão de reconhecimento composto por duas viaturas blindadas, uma ‘White’ e uma ‘Chaimite’, que fazia escolta ao comandante do Batalhão de Caçadores (BCAÇ) 3884, a Uacaba, Mafanco, Sonaco, Paúnca e Pirada. A certa altura, no intervalo de uma reunião de oficiais, o nosso comandante, o capitão de Cavalaria Manuel Eduardo Alves Botelho, diz: 'Venham comigo, vamos dar uma volta!' Fomos, éramos uma dezena de homens.
"Passámos a fronteira e penetrámos quatro ou cinco quilómetros no Senegal. Nenhum de nós adivinhava a intenção do capitão, que continuava entusiasmado a conduzir-nos por território estrangeiro adentro. A certa altura, avistámos um acampamento militar de senegaleses [, em Niano] . A ‘White’ foi obrigada a interromper a marcha, por causa das valas feitas pelos militares estrangeiros, mas a ‘Chaimite’, que tudo passa, entrou no acampamento" (...).
Foto: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados
1. Em relação ao "incidente fronteiriço" provocado, em 12 de Outubro de 1972, pelo primeiro comandante do Esq Rec Fox 3431 (Bafatá, 1972/74), o Cap Cav Alves Botelho, já aqui referido em postes anteriores (*), veja-se algumas das repercussões que teve a nível diplomático e militar: (i) apresentação de queixa do Senegal na ONU; (ii) condenação de Portugal no Conselho de Segurança da ONU; (ii) pedido de desculpas ao Senegal por parte do Com-Chefe Gen Spínola e oferta de indemnização às vítimas; (iii) prisão imediata do ofiicial português e seu posterior julgamento em tribunal militar e sua muito provável expulsão do exército, se não fora o golpe militar de 25 de Abril de 1974...
"Em relação ao Senegal, Portugal continuou[, em 1972] empenhado em manter um canal de comunicação confidencial com Senghor, pois era um meio seguro e secreto de chegar ao PAIGC.
"Em Março realizaram-se contactos bilaterais entrre delegações dos dois países para a criação de uma comissão mista que controlasse a fronteira comum, mas esta não chegou a concretizar-se porque o Senegal queria estabelecer uma relação directa entre a segurança e a perpectiva de uma paz duradora para o confllito da Guiné-Bissau, com a participação do PAIGC. Para o discutir, Spínola e Senghor chegaram a encontrar-se dois meses mais tarde.
Mas a recusa do Governo português em modificar o estatuto do território levou a um aumento da actividade militar que, por sua vez, resultou numa incursão das forças portuguesas ao posto senegalês de Niano, a 12 de Outubro [de 1972].
Este facto provocou um protesto de Dacar no Conselho de Segurança, o qual condenou Portugal por não respeitar nem a integridade do Senegal, nem os países vizinhos das suas colónias. A resolução obteve 12 votos a favor e três abstenções, dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Bélgica."
A 15 de Outubro de 1972, o jornal Le Monde, editado em Paris, publica excertos de um comunicado do Comando-Chefe das Forças Armadas Portugueses, no TO da Guiné, Gen Spínola, "apresentando as suas desculpas ao Senegal depois de um incidente de fronteira" (sic).(**)
"Le 12 octobre, dit le communiqué, une unité de l'armée portuguaise composé de trois véhicules blindés a violé la fontière du Sénegal, dans la région de Pirada, causant un morte et un blessé dans un détachement de l'armée du Sénegal et provocant égalemet la morte d'un civil portugais.
"Le commandement en chefe des forces armées de Guiné déplore profondément ce qui est arrivé, et a adressé un constat du délit au commandant de cette unité en vue de le traduire ultérieurement devant um conseil de guerra. On suppose qu'il s'agit d'un cas de perturbation mentale du commandant de cette unité, étant donné qu'il a agi em dehors de sa zone d'action et contre toutes les directives supérieures.
"Le commandement en chef est entré immédiatement en contact ave c les autorités sénégalaises afind e leur présentar ses excuses et de les assurer que toutes les indemnisations seront payées comme cela est juste". (***)
O jornal acrescentava que o Senegal, país francófono, como se sabe, tinha apresentado queixa contra Portugal à ONU na sequência deste incidente fronteiriço, e que no passado estas incursões em território senegalês eram frequentes, com os portugueses a invocar a legítima defesa ou o direito de perseguir os nacionalistas do PAIGC, acoitados no país vizinho...
A propósito do importante depoimento do nosso camarada Sérgio Marques [dos Santos], gostaríamos de o poder contactar e confirmar a sua versão. Sabemos que ele é (ou era) taxista da praça do Porto e que, em 2007, o seu telemóvel era o 914 181 777. Talvez alguém da Tabanca de Matosinhos o possa contactar e falar com ele pessoalmente...para tentar saber mais pormenores desta estranha história... Fica desde já feito o convite para ele ingressar na nossa Tabanca Grande: se ele aceitar, será o primeiro camarada do Esq Rec Fox 3431 (Bafatá, 1972/74) a pertencer ao nosso blogue...
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Notas de L.G.:
(*) Vd. último poste, 23 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6039: (Ex)citações (53): O desvario de um capitão de cavalaria, que matou a tiro um militar e um civil, no Senegal, e que apanhou 12 meses de presídio militar (Carlos Cordeiro)
(**) Extractos de: Sanchez Cervelló, Joseph [ foto à esquerda,]: 1972: Da reeleição de Américo Tomás a Wiriyamu.
In: GOMES, Carlos Matos, e AFONSO, Aniceto - Os anos da guerra: volume 13: 1972: negar uma solução política para a guerra. QuidNovi: Matosinhos. 2009. pp. 95-96.
(***) Tradução de L.G.:
(...) "Em 12 de Outubro, diz o comunicado, uma unidade do exército português, composta por três veículos blindados, violou a fronteira do Senegal, na região de Pirada, causando um morto e um ferido num destacamento do exército do Senegal e provocando igualmente um morto civil português.
" O comando das forças armadas da Guiné lamenta profundamente o que aconteceu e enviou uma cópia do auto de corpo de delito levantado ao comandante desta unidade que deverá ser presente a tribunal de guerra. Presume-se que se trata de um caso de perturbação mental , por parte do comandante da unidade, uma vez que agiu fora de sua área de ação e contra todas as ordens superiores.
"O comando-chefe entrou imediatamente em contaco com as autoridades senegalesas a fim de les apresentar o seu pedido de desculpas e garantir que todas as indemnizações serão pagas como de direito ". (...)
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