terça-feira, 31 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4118: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (5): Finalmente chegados a Mampatá

1. Fotos e texto enviados pelo nosso camarada e amigo José Manuel Lopes, ex- Fur Mil, CART 6250, Os Unidos de Mampatá, (Mampatá, 1972/74), que ilustram e narra a sua recente viagem à Guiné com visita particularmente sentida a Mampatá (continuação).

Finalmente chegados a Mampatá

Após uma viagem de quase 6000Kms, havia que recuperar, e o local perfeito era mesmo João Landim, perto de Bissau na estrada para Bula, bangalôs de 2, 3 ou 4 quartos, com ar condicionado e casa de banho. A preços que variavam entre 20 a 25€ por hóspede, discutíveis como tudo na Guiné. Quatro quilómetros na estrada para Bula existe uma nova ponte, a ponte Amílcar Cabral, construída por uma empresa espanhola, depois de Bula a travessia do Rio Cacheu ainda se faz de jangada, mas por pouco tempo mais, pois a Empresa Soares da Costa está quase a finalizar uma ponte que vai facilitar muito o acesso a S. Domingos, Susana, Varela e à fronteira com o Senegal, por S. Domingos.

Os dois primeiros dias foram preenchidos a rever Bissau, que não conhecia muito bem, pois só lá havia estado de passagem quando da chegada da Companhia à Guiné em Junho de 1972, por mais duas vezes para vir de férias e no fim da comissão em Agosto de 1974 cerca de três semanas.

A cidade cresceu imenso, mas o seu aspecto não é muito agradável, muitas ruas quase sem alcatrão, as casas a precisar de cuidados. O antigo Palácio do Governador, edifício bonito, está muito degradado e quase sem telhado. Um aspecto positivo, o estado de conservação da Catedral, que se encontra limpa e asseada. Existem alguns edifícios novos, o Banco, um bom hotel no caminho do Aeroporto e a cidade está cheia de um comércio intenso espalhado pelas ruas do centro da cidade. Há um restaurante muito agradável, na rua da Pensão Coimbra, uma esplanada onde se pode comer desde um bom cozido à portuguesa, uma substancial feijoada ou um chabéu de frango para quem quiser um prato tradicional.

No terceiro dia o grupo estava a organizar uma ida às ostras, mas para os Unidos de Mampatá o destino era o Sul para a Região do Quebo (Aldeia Formosa), mais precisamente Mampatá, onde tinham chegado em 1972 e saído em 1974, 25 meses depois. A ansiedade era muita, rever os nossos companheiros de armas, o Amadu, o More, as lavadeiras que nos tratavam da roupa, rever o local da horta onde os Eng,s Agrícolas Zé Pedro Rosa e José Manuel Miranda Lopes cultivaram as alfaces e tomates, que tanto jeito fizeram para a nossa dieta alimentar. Rever o laranjal de Colibuia, o Fonte de Ieroiel onde nos abastecíamos de àgua, o corredor de Uane, o corredor da morte para Guiledje, a estrada construída de Aldeia Formosa, Mampata, Ieroiel, Cumbijã, Nhacuba, mas que nunca chegou a Salencaur pois o 25 de Abril entretanto chegou. E partimos logo de manhã, pois a vontade de chegar era mais que muita. A viagem era longa o Jeep Maverick, onde seguiam o Nina, ex-Furriel Mecânico, o António Carvalho, ex-Furriel Enfermeiro, o José Manuel ex-Furriel de Armas Pesadas, o Lobo do Batalhão de Aldeia Formosa, que nos precedeu um ano, era de 1971. No Mercedes ia um condutor da nossa Companhia, o José Eduardo dos Santos Alves e a corajosa esposa, no outro Jeep seguia outro casal, o Santos e a não menos decidida companheira. Este um veterano que esteve em Guiledje e Empada também no Sul, Guiledje junto à fronteira da Guiné Conakry e Empada junto a um braço do Grande Rio de Buba.

Acompanhados pelo António, que vive em Coimbra e tem a família em Buba, lá partimos na direcção de Mansoa, depois Porto Gole e em seguida Bambadinca. Cinquenta e sete quilómetros depois de Bambadinca chegamos ao Xitole, sempre a andar sem parar, apesar de passarmos em locais que eram novidade para todos nós, pois o nosso objectivo há muito estava definido. Chegamos ao Saltinho, local belíssimo e de paragem obrigatória com um rio de águas frescas, uns rápidos espectaculares e uma estância de caça nas instalações do antigo quartel. Local aprazível onde se encontravam alguns amantes da caça. Não resisti em dar um mergulho, o local convidava e eu estava mesmo a precisar. Quebo (Aldeia Formosa) apenas a 18Kms, Mampatá Forreá a 25, mas ninguém da minha Companhia conhecia o local, pois ficava fora da nossa zona operacional. A beleza do sítio e a frescura das águas do Corubal bem teriam merecido várias visitas de 72 a 74, mas nunca nos foram distribuídos panfletos com propaganda daquela estância!!! Os militares do Saltinho guardavam aquela preciosidade em exclusivo para eles. Uns invejosos!!!

Chegamos a Quebo (Aldeia Formosa), terra do Lobo, que no ano anterior já lá tinha estado. Agora percebo, porque ele regressa logo no ano seguinte. Três amigos à espera, o Puto Reguila, que 38 anos depois continua a ser o Puto Reguila, com quem o Lobo partilhava as refeições no tempo da guerra e mais dois habitantes de Quebo, com quem criou fortes laços de amizade. A recepção é dum calor humano intenso, a alegria daqueles homens em se reverem é notória. O Lobo fica na Aldeia que o recebe em grande, irá mais tarde ter connosco a Buba onde vamos ficar de motorizada de boleia com um dos filhos de uns dos amigos que fez em Quebo. Chegamos a Mampatá, a aldeia tem menos população. Naquele tempo as populações devido à guerra, haviam abandonado os campos de cultivo e aldeias de origem fixando-se nos aldeamentos controlados pelo nosso exercito, era mais fácil concentrar as populações nos locais onde houvesse tropa, assim muitas aldeias foram abandonadas. Acabada a guerra era tempo de regressar às origens e assim ficarem mais perto dos locais onde fazem as suas plantações. Hoje existe gente em Uane, Nhacuba, Cumbijã e ao longo de quase toda a estrada que liga Quebo a Buba.

A estrada de Bissau a Buba (240Kms) está em muito bom estado é há transportes regulares todos os dias. Saímos da estrada e entramos em Mampatá, o primeiro edifício continua a ser a escola primária, o alcatrão da estrada para Nhacubá quase não existe, lá está a Sala do Soldado, o depósito de viveres o chão do Fur. Vagomestre Martins. O encantador bar dos graduados já não existe, era uma sala rectangular ligada a uma Tabanca redonda com o telhado em colmo, do antro de tantas bebedeiras e jogos de Lerpa e King, nada resta. O Carvalho corre à procura da sua enfermaria e seu lar durante mais de dois anos. O Nina procura a sua primeira oficina, dá conta que o Mangueiro grande no centro da aldeia já não existe e aponta o local onde se estacionavam as viaturas à sua responsabilidade. Eu olho em volta à procura do Heliporto, junto ao qual se encontrava o paiol de munições da minha responsabilidade de 72 a 74. Mas nada encontro, nada reconheço, o mato tudo cobriu. Procuro com a ajuda de habitante local e lá descubro as ruínas do depósito de munições, mais à frente o cimento do heliporto. Vêem-me à memória coisas que me fazem estremecer. Parece que ouço o ruído do Héli a chegar para levar o Arnaldo, Furriel da CCAÇ 18 que havia sido gravemente ferido. O Arnaldo Pinto Teixeira, havia sido transferido de Teixeira Pinto para Aldeia Formosa no dia 3 de Janeiro de 1973, integrado num grupo de combate da CCaÇ 18, tinham naquela altura por missão juntamente com a minha Companhia, a Companhia de Cavalaria do Capitão Vasco da Gama, fazer a protecção na construção da nova estrada. Pensei nunca mais o ver, senti que lhe estava a mentir ao apertar-lhe a mão e dizer: - Tiveste sorte isso não é nada e vais tirar umas férias, esta merda para ti acabou. Encontrei-o mais tarde numas Festas do Socorro, já recuperado. Hoje este meu conterrâneo vive no mesmo Concelho que eu, em Santa Marta de Penaguião.

Há muito para ver, trouxe muitas fotos para recordar e mostrar às gentes daquele tempo, mas se faz tarde e temos de chegar a Buba antes do anoitecer. Prometemos voltar no dia seguinte para distribuir a prendas que trouxemos de Portugal. Os tugas voltaram gritavam alguns. Soube que More morrera.

Amadu outro dos milícias da minha Companhia vivia agora em Uane, sua terra natal e no caminho para Buba. Ao passarmos em Uane não resisti e pedi ao Nina que parasse, mostrei a foto de Amadú e logo o reconheceram, não estava, fora para a bolanha trabalhar e ainda não regressara. Um miúdo diz - é meu pai, eu vou chama-lo. Esperamos ainda um bocado, mas a bolanha devia ser longe, tínhamos de ir para Buba a fim de procurar onde ficar. Prometemos voltar no outro dia.

Buba está enorme, cresceu para fora do antigo Quartel e ao longo da estrada. Lá esta o Cais com ar de abandonado, como o barco que lá se encontra ancorado. Nas margens do Rio Grande existem 4 estalagens, 3 no braço para o lado direito e 1 do braço do lado esquerdo. Fomos parar a uma bem agradável mesmo junto ao rio, com uma casas com quartos duplos e casa de banho privada, só que o banho era de balde, à fula. Local simpático explorado por uma cidadã romena casada com um guineense. Servia refeições e podíamos cozinhar. O jantar foi nessa estalagem e as senhoras do Santos e do Leça prometeram no dia seguinte ir comprar peixe para o almoço.

Logo de manhã ao acordar fomos surpreendidos com as notícias vindas de Bissau. Havia morrido num atentado no QG o Chefe das Forças Armadas e de madrugada o Presidente da Republica fora assassinado em sua casa. Aguardavam-se problemas e ficamos preocupados com os nossos camaradas que ficaram em Bissau. Os telemóveis entraram em serviço e a calma regressou, tudo estava em paz e fiquei surpreendido com a indiferença mostrada pelas populações. Estava tudo calmo como nada tivesse acontecido. As personagens em causa não deviam ter muita credibilidade e estima.

Mas havia muito a fazer, muitas emoções para viver e Amadú estava de certeza à espera de nós.

Em Uane uma multidão nos aguardava, Amadu quase na mesma, magro alguns cabelos a branquear e rodeado das mulheres e dos filhos. Um abraço aguardado à trinta e cinco anos. Apresenta-me os filhos um a um. Pergunta pelo Carvalho, o Capitão Marcelino, o Furriel das minas e armadilhas (Vilas Boas), lembra-se de imensa gente. Faz imensas perguntas e está na altura de distribuir sapatos, camisolas, lapiseiras. Mas esta não é a nossa terra e todos estão desejosos de voltar a Mampáta mesmo ali ao lado.

Em Mampatá a escola está cheia, muita gente fica de fora e o material que levamos vai ser entregue aos professores pois não chega para as encomendas. As lapiseiras devem chegar para todos, o outro material é que não e nos causa uma certa frustração. Falamos com os professores e um deles me entrega um mapa estatístico do inicio do ano lectivo.

Existem duas escolas em Mampatá. Uma oficial que funciona na antiga escola à entrada da Aldeia com 417 alunos e outra privada com cerca de 40 alunos a funcionar numas antigas instalações do exército.

O Professor da escola oficial 8208 é Saído Candé com o BI 10541-22 Código de vencimento nas Finanças 3723 Tm 6643300 e Nº. Conta Bancária Banco da União S.A. 26501006397-90


Mapa Estatístico da Escola da Região do Tombali-Sector do Quebo Mampatá Forreá

1.ª Classe... 62 rapazes - 45 meninas - Total.. 107 alunos
2.ª Classe... 34 rapazes - 33 meninas - Total... 67 alunos
3.ª Classe... 36 rapazes - 28 meninas - Total... 64 alunos
4.ª Classe... 36 rapazes - 26 meninas - Total... 62 alunos
5.ª Classe... 40 rapazes - 35 meninas - Total... 75 alunos
6.ª Classe... 30 rapazes - 12 meninas - Total... 42 alunos
Totais...... 238 rapazes -179 meninas - Total.. 417 alunos

Há falta de tudo, menos salários em atraso dos professores. Livros, cadernos, lapiseiras, lápis, gramáticas, dicionários.

Não deve ser difícil organizar uma recolha de material e faze-lo chegar por uma transportadora. O António que vive em Coimbra poderá dar uma ajuda na maneira como fazer chegar o material até Mampatá. O primeiro dia em Mampatá foi intenso, contudo havia muito ainda para fazer, muitos locais para visitar. Os dias seguintes iriam ser pequenos para reviver 26 meses de emoções à força esquecidas, tanto tempo afogadas, reprimidas, como a querer branquear uma culpa que não tem razão de existir.

Saltinho

Saltinho

Mampatá > Homens grandes

Residencial em Buba

Buba

Quebo

Entrada de Mampata com aquele que se disse filho de branco

Encontro com Amadu

Infantario de Buba

Fotos: © José Manuel Lopes (2009). Direitos reservados

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Nota de CV

Vd. último poste da série de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4081: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (4): Senegal e Guiné-Bissau

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